Imagine uma vista de sonho sobre um mar tranquilo e luminoso, um clima de invernos floridos e uma dieta de peixe fresco e marisco. Pela descrição, esta poderia ser a sugestão de mais um final de semana na vila de Sesimbra, onde a estranha brandura do Atlântico serve de principal cartão turístico. Contudo, foram também essas as condições que atraíram os primeiros habitantes da costa da Arrábida que, abrigados pela serra, prosperaram nas suas baías repletas de alimento.
Encaixado entre duas cristas calcárias, o vale de Cramesines inclina-se desde a aldeia de Azóia até à Cova da Mijona e testemunha um dos melhores exemplos da forma como a geografia e o povoamento humano se associam. Num interessante complexo de pequenas cavernas que ladeiam o caminho, o visitante poderá sentir a forma como se vivia na pré-história e partilhar uma paisagem que, desde então, permanece praticamente intacta. Atreva-se a explorá-las e usufrua de uma varanda virada para uma baía bordejada de falésias e pequenas praias desertas, onde as cores lembram mais o Mediterrâneo do que o Atlântico.
Fruto de uma feliz coincidência geológica, a Arrábida contraria a orientação geral da costa portuguesa e isso reflecte-se, sobretudo, na gentileza do seu clima. A suavidade das temperaturas no Inverno antecipa a Primavera nas arribas a sul e, consequentemente, a floração. É nessa época que melhor poderá identificar a Euphorbia pedroi e a Convolvulus fernandesii, duas plantas endémicas do cabo Espichel que resistem nas fendas dos afloramentos rochosos. Estas pertencem ao domínio da flora macaronésia e confirmam a encruzilhada de ambientes que é a extremidade ocidental da cadeia da Arrábida.
No regresso, não perca a oportunidade de caminhar pelo planalto em direcção ao Espichel e, na hora certa, usufruir de um inesquecível pôr do Sol sobre o verdadeiro oceano Atlântico.
Ilustração: Anyforms Design