Neste concelho, é possível organizar um roteiro pelos palcos de algumas das descobertas mais espantosas da paleontologia portuguesa moderna. Na Lourinhã, os dinossauros ainda reinam.

Há 152 milhões de anos, esta paisagem era bem diferente: onde hoje há arribas, existia o delta de um grande rio com braços que meandravam pela planície inundada e manadas de dinossauros herbívoros que se alimentavam da vegetação luxuriante. Hoje, tudo é diferente: o mar apoderou-se de parte desta paisagem, a planície foi substituída pela arribas costeiras e um enorme relevo que existia a oeste está reduzido à ilha das Berlengas. As arribas de Paimogo, no concelho da Lourinhã, são o ponto de partida para um percurso jurássico que não só nos leva a desfrutar da riqueza e beleza da costa portuguesa, mas também a mergulhar no misterioso mundo dos dinossauros. As rochas debaixo dos nossos pés são arenitos e argilitos, resultantes da areia e argila depositadas por esses rios de há milhões de anos que enterraram os dinossauros cujos restos chegaram fossilizados aos nossos dias. Na recatada baía, a norte, foram descobertos os ossos de um enorme saurópode, o Zby atlanticus, que em vida teria 16 metros de comprimento e um pescoço comprido que usava para se alimentar na copa das árvores.

Na arriba ainda mais a norte, foi descoberto o maior predador terrestre da Europa, o Torvosaurus gurneyi. Escassas dezenas de metros para o interior surgiu o achado que mais influenciou a região, remetendo-a para padrões de reconhecimento internacionais: o ninho com mais de cem ovos de dinossauro carnívoro Lourinhanosaurus antunesi, alguns dos quais contendo embriões únicos no mundo.

dinossauros

Em 2005, na praia de Porto das Barcas, foi descoberto um conjunto de mais de quinhentos fragmentos de ovos, ossos e dentes de Torvosaurus. É raro encontrar ovos associados a vestígios de grandes carnívoros.

Começamos assim o nosso percurso para sul, sempre no campo de visão do altaneiro Forte de Paimogo, uma estrutura militar de adobe do século XVII.

Descemos para a praia pela mesma estrada pela qual subiram as tropas inglesas quando desembarcaram para lutar contra as tropas napoleónicas no século XIX. O percurso para sul continua na praia do Caniçal onde foi descoberto mais um enorme ninho de dinossauro carnívoro. Da arriba costeira sai uma estranha parede vertical de cor esverdeada. Trata-se de um dique vulcânico que rompeu e rasgou as rochas jurássicas, numa das manifestações mais a norte da atividade vulcânica cretácica, tão evidente em Lisboa.

Seguimos para sul, atravessando o pontão na maré vazia, até à praia de Vale de Frades, origem de mais dois dinossauros únicos no mundo, o carnívoro Allosaurus europaeus e o herbívoro Draconyx loureiroi. Continuamos pelo areal até à turística praia da Areia Branca. Até aqui, as camadas inclinavam para sul, mas, a partir deste ponto, inclinam-se para norte, mostrando um sinclinal, uma gigantesca dobra nas rochas, em forma de U, e no qual se encaixou o rio Grande – apesar do nome paradoxal, trata-se de uma ribeira modesta, típica da região Oeste.

mapa rota dinossauros

Deixamos as praias e arribas e subimos o vale acompanhando o rio até chegarmos à pacata e charmosa vila da Lourinhã, denominada a “Capital dos Dinossauros”. Para sul, deixámos as praias da Peralta, Porto das Barcas, Porto Dinheiro e Valmitão, todas ricas em fósseis de dinossauros e outros animais. Naquela área, foram descobertos o maior de todos os dinossauros portugueses, o Lusotitan atalaiensis, um gigante da altura de dois andares; o dinossauro carnívoro que recebeu o nome do concelho, o Lourinhanosaurus antunesi; além de raros trilhos de répteis voadores de grandes proporções, os pterossauros.

Da região provêm muitos fósseis de dinossauros, colocando o país no top-10 mundial neste capítulo. O detentor de grande parte desse acervo de importância científica internacional é o Museu da Lourinhã, que tem uma história e origem únicas no panorama dos museus de Portugal e do mundo, pois foi criado por uma associação de voluntários abnegados que, na década de 1980, decidiram erigir um museu gerido pela sociedade e independente do Estado.

Parte das colecções do Museu da Lourinhã está em exposição no recém-inaugurado Dino Parque Lourinhã, no sopé do planalto das Cesaredas. Desconhecido para muitos, este planalto é contudo um dos sítios da região com mais biodiversidade actual, mas também um dos locais que mais inspirou nomes de espécies de fósseis: há corais, equinodermes, bivalves e braquiópodes com o epíteto cesaredensis. Também ali foram dados os primeiros passos da arqueologia e da espeleologia nacionais. No vale tifónico adjacente, fica o Dino Parque, um espectacular centro de visitação museológica que combina a secção expositiva de fósseis reais com percursos pedestres ao ar livre com mais de 200 modelos de dinossauros e outros animais extintos, à escala real, que contam a história da evolução dos vertebrados.

Entre as peças únicas no mundo estão os ovos e embriões de dinossauro, o esqueleto do Miragaia longicollum e o enorme pescoço do Dinheirosaurus lourinhanensis, além de pegadas com impressão de pele. Estas marcas de dinossauros, de tempo remoto e habitualmente efémeras, deixaram uma impressão que continua a influenciar toda a região: os concelhos de Lourinhã, Peniche, Bombarral, Caldas da Rainha, Cadaval e Torres Vedras têm neste momento em curso uma candidatura a geoparque da rede mundial da UNESCO.

A descoberta de dinossauros tornou-se muito mais do que uma actividade científica que nos faz sorrir: é agora a identidade e opção estratégica de desenvolvimento de toda uma região. E isso é uma conquista admirável.