A serra das Talhadas é uma fantástica crista quartzítica que se estende por 30 quilómetros, entre os concelhos de Proença-a-Nova e Nisa. A impressionante muralha natural não é, todavia, contínua, sendo intersectada por várias falhas tectónicas que permitiram a sua transposição pelos rios Tejo e Ocreza, criando formidáveis portas (de Ródão e de Almourão). No ponto mais eriçado desta serra, ergue-se aos ventos, qual menagem, uma torre metálica de 16 metros de altura, uma obra do mais consagrado arquitecto português: Siza Vieira.
A torre coroa três milénios de defesa do território. A seus pés, a cair da crista e confundindo-se com esta, está o recinto muralhado de Chão de Galego, conhecido localmente como a Calçada dos Mouros. Com escavações recentes dirigidas pelo arqueólogo Paulo Félix, corresponde a uma enorme e misteriosa estrutura defensiva, com um perímetro de dois quilómetros. De antiguidade próxima, será uma antiga mina encontrada na zona e conhecida como a Buraca da Moura. Em 1762, quando Portugal se envolveu na Guerra dos Sete Anos, fechou-se a rota do Tejo à invasão das tropas franco-espanholas com a criação da Linha Defensiva de Talhadas-Muradal, reforçando com fortes, baterias e trincheiras as notáveis defesas naturais destas cristas entre o Zêzere e além-Tejo. A Associação de Estudos do Alto Tejo tem contribuído para o estudo e valorização deste complexo defensivo, que sobressai no Forte das Batarias sobre a Ponte do Alvito, na antiga Estrada Real. É a materialização cénica da batalha conhecida como “Choque do Alvito” que deixou fortes marcas na memória colectiva.
A Torre permite uma das melhores leituras da paisagem nos quatro pontos cardeais sobre o Geopark Naturtejo: para norte, o movimento tectónico materializado na disrupção dos relevos, em escadaria até à serra da Estrela; para leste, o vale de fractura do Alvito a sulcar a superfície da Meseta que se estende até aos pés da serra de São Mamede; a sul, o magnífico relevo duplicado no sinclinal de Ródão; para oeste, a densa drenagem nos xistos e o inusitado plano de Montes da Senhora. Nas noites límpidas, estas observações podem mesmo estender-se a extensos quadrantes do universo.
No sopé das Talhadas, justificada pelas generosas nascentes que brotam incessantes, existe uma constelação de pequenas aldeias que merecem uma demorada descoberta: Catraia, onde se pode provar o enchido local (o plangaio) e inebriar com um dos melhores vinhos da Beira Baixa; o núcleo primitivo de Chão Redondo, de estreitas ruas que, no passado, eram fechadas pela noite para evitar as acometidas de lobos; Rabacinas, terra de limoais, com a sua mercearia-museu e taberna; o “Cantar das Excelências” na quaresma, em Chão de Galego, e a tradição do madeiro aceso na noite de Natal; a Ponte de Alvito, do tempo de Dona Maria II; Penafalcão, com o seu lagar de varas comunitário e a piscina natural do Poço do Moinho; Sobral Fernando, comunitarismo vívido, de paisagem vincada pelas Portas de Almourão. Os percursos pedestres e de BTT são a forma certa de conhecer os habitantes e os recantos deste destino que está a transformar a serra das Talhadas. A Torre, sentinela do território, permanecerá.