A cada Lua cheia de Maio, monges de toda a Indonésia acorrem ao templo Borobudur para celebrarem o nascimento, a iluminação e a morte de Buda no Vesak – o  festival mais importante do mundo budista, celebrado hoje.

A maior estupa budista do mundo, uma colossal mandala esculpida em pedra, emerge da densa vegetação de Java. Criada como uma representação divina entre os arrozais do Sul da ilha, a 40km de Yogyakarta, Borobudur propõe ao viajante não só o prazer sensorial de um dos monumentos religiosos mais grandiosos do Sudeste Asiático, mas também a oportunidade de meditar e procurar a paz interior.

A presença deste monumento na Indonésia, o país muçulmano mais populoso do mundo, é um sussurro revelador da história. A dinastia de Sailendra construiu-o entre os anos 760 e 825, durante o apogeu desta cultura.

Buda

As mãos dos 72 budas superiores de Borobudur realizam mudras (gestos rituais) que simbolizam a argumentação, a meditação ou a intrepidez.

Embora de raízes hindus, os seus soberanos testemunharam a chegada do budismo e alimentaram uma era de tolerância que culminou numa fusão entre as duas tradições religiosas. Surgiu então o hindo-budismo que ainda hoje influencia a vida espiritual no Leste de Java e na vizinha ilha de Bali. Ascetas e monges governaram Borobudur até ao século XIV, quando a conversão ao islão levou a um abandono gradual do templo. Aos poucos, o monumento caiu no esquecimento. Em 1814, quando o governador britânico de Java, Thomas Stamford Raffles, descobriu Borobudur, o local estava coberto pela selva e por uma camada de cinza vulcânica.

Desde o seu restauro em 1973 e a inclusão na lista do Património Mundial em 1991, Borobudur voltou a reunir, a cada Lua cheia de Maio, monges de toda a Indonésia que aqui celebram o nascimento, a iluminação e a morte de Buda no festival Vesak.

Este espaço sagrado foi projectado como uma mandala tridimensional, uma representação simbólica do mundo e das esferas em que este se estrutura segundo o budismo. Isto reflecte-se nas suas nove plataformas em socalcos que lhe dão a forma piramidal.

Pedagogia espiritual

O templo encerra uma intenção pedagógica, servindo de modelo para a meditação e mostrando como libertar-se do sofrimento através da purificação da mente. Ao guiar o peregrino através de escadas e corredores, Borobudur actua como um plano para transcender o mundo terreno. A cada nova plataforma, alcança-se uma consciência mais ampla, metaforicamente falando. A estatuária composta por 504 budas em posição de lótus e os 2.672 painéis com baixos-relevos dirigiam a meditação dos aspirantes ao nirvana (que realizavam duas voltas rituais em cada nível) à semelhança do que sucedia com os frescos das catedrais europeias, que naquela época não tinham sido ainda planeadas.

Borobudur

Borobudur foi construída entre 760 e 825.

O viajante pode replicar esses passos cerimoniais e começar a sua visita de madrugada quando a névoa da floresta javanesa e os tons violetas da aurora lhe conferem uma aura devocional. A primeira construção avistada é a base quadrada inferior, que se identifica com Kama-dhatu, “a esfera dos desejos”. Os painéis narrativos da primeira plataforma compõem uma biografia de Buda em pedra, desde as suas reencarnações anteriores até ao seu nascimento como o Príncipe Siddhartha e ao seu caminho rumo à sabedoria suprema. Complementando a cronologia, existem 160 painéis que ilustram a lei do karma. Este invulgar compêndio de causas e efeitos contempla os comportamentos mais vis ou louváveis do ser humano, do assassínio à caridade, com os respectivos castigos ou recompensas.

O mundo quadrangular

O Samsara, o ciclo inato da vida e da morte, é representado através de cenas quotidianas em que são representados aspectos distintos da cultura javanesa, como procissões reais, elefantes e navios. Um desses relevos serviu para recriar o barco javanês tradicional com o qual a expedição de Philip Beale navegou em 2003 até ao Gana para provar que a Java do século X não se encontrava à margem do comércio intercontinental.

Borobudur

Os baixos-relevos de Borobudur foram esculpidos directamente nas paredes.

Quase imperceptivelmente, subindo um nível, encontra-se Rupadhatu, as cinco plataformas quadrangulares que recriam a “esfera das formas”.

Nelas, o ser humano ainda permanece ligado à esfera anterior, mas a perspectiva de purificação e aperfeiçoamento abre-se diante dele. Pelos nichos, distribuem-se 432 estátuas de Buda, algumas mutiladas, meditando na postura de lótus, como sentinelas imunes ao tempo. Nos baixos-relevos, que se vão tornando cada vez mais abstractos, narram-se os marcos da vida de Buda.

A esfera sem formas

Um arco com a figura de um guardião indica o trânsito para Arupathatu, as três plataformas circulares da “esfera sem formas”. É o espaço mais puro, ao qual os espíritos malignos não têm acesso e onde se atinge a libertação do sofrimento. Nesses três anéis superiores de Borobudur, já não existem baixos-relevos que ilustrem as vicissitudes vitais, apenas 72 estátuas de Buda em meditação, cada uma abrigada em estupas em forma de sino e protegidas por um gradeamento de pedra. Esta peculiaridade poderá ser um tributo à tradição monástica de meditar em grutas.

O visitante deixou para trás as plataformas quadradas ligadas à existência terrena e vagueia em círculos, símbolo do céu, desfrutando de uma perspectiva mais ampla e da lúcida serenidade transmitida pelas estátuas. Embora, à primeira vista, as figuras pareçam idênticas às anteriores, a posição das mãos, executando gestos rituais sagrados (mudras) indica instâncias espirituais mais avançadas. A beatitude dos olhares esculpidos na pedra e a expressividade dos detalhes subtis captam tanta ou mais atenção que o vulcão Merapi e a selva circundante.

No topo, ergue-se triunfalmente a maior estupa, cuja sobriedade contrasta com o resto da estrutura e remete para a austeridade recomendada por Buda. A esta altura, o visitante terá feito muito mais do que observar um monumento ou uma ruína, pois Borobudur foi concebido para interagir e, doze séculos depois, a sua função permanece. Monges, exploradores, arqueólogos, turistas: o sentido do templo volta a completar-se cada vez que alguém abre a sua mente aos ensinamentos milenares e sobe a mandala.

Os templos de Prambanan

Perto dali, a leste de Yogyakarta, enormes edifícios cónicos perfuram o céu recordando o período em que Java era um reino hindu. Em Prambanan, mais de duzentos edifícios ricamente ornamentados dedicados aos Trimurti, os deuses Brahma, Xiva e Vixnu, recriam o texto épico do Ramayana e guardam estátuas, gigantescas mas delicadas, das principais divindades hindus. Tal como em Borobudur, mais uma vez a rocha negra e cinza criada pelos vulcões é o material onde se esculpiu este recinto sagrado entre os séculos VIII e X. Agulhas que se elevam a 50 metros ligam, real e simbolicamente, o céu e a terra. A visão circundante de palmeiras e campos de arroz, de um verde ofuscante, conjuga-se perfeitamente numa paisagem onírica.

Borobudur

O recinto de Prambanan, contemporâneo de Borobudur, inclui mais de duzentos templos dedicados a Brahma, Vixnu e Xiva.