Nem as imagens de satélite nem o avistamento do Sistelo a partir da Estrada Nacional 202, vindos de Arcos de Valdevez, fazem devida justiça àquilo a que alguns chamam o Tibete português. É preciso vencer as curvas da serra da Peneda e apreender a rápida mudança de cota de altitude para assimilar por fim esta jóia do património minhoto, escondida pelas montanhas vizinhas como o Xangri-Lá de James Hilton. O carro, esse, fica num dos dois parques de estacionamento no limite da freguesia.
Como um templo, o Sistelo, cortado em dois pela estrada de acesso, exige do viajante a veneração de ser visitado a pé.
Clique na imagem para ver detalhes. Ilustração: Anyforms Design
Às portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e em plena Reserva Mundial da Biosfera, é um convite à penetração nesta área protegida e ao desbravamento dos múltiplos segredos naturais da região. Noentanto, não é esse motivo pelo qual este antigo território atribuído à Ordem de Malta tem conquistado galardões e merecido o carinho de turistas dos dois lados da fronteira. No Sistelo, em 2017, viveu-se história: pela primeira vez, foi classificada uma Paisagem Cultural como Monumento Nacional (a classificação até então limitava-se a património edificado).
As causas para a distinção saltam à vista. Cada centímetro quadrado de terreno disponível está aproveitado. Em duzentos hectares, os socalcos segmentam a serra como uma maqueta de madeira repleta de curvas de nível. Dir-se-ia que a agricultura tradicional do Sistelo teve razão antes de tempo na apreciação das questões da eficiência hídrica: a inclinação do terreno e a segmentação por terraços facilitam a rega do milho e do feijão por gravidade, muito antes de alguém aqui ter ouvido falar em permacultura. Os espigueiros e o lavadouro comprovam a natureza comunitária das actividades tradicionais locais.
O castelo local é mais uma subtileza, provando que, no Sistelo, nada é o que parece. No Minho de múltiplas fortalezas militares medievais, este é um castelo do século XIX, romântico e revivalista, construído à medida que Alexandre Herculano reabilitava o imaginário dos romances de cavalaria e das batalhas da Idade Média. A Casa de Sistelo insere-se na mesma tradição, com as suas torres mandadas construir por um emigrante regressado do Brasil. Reconstruído recentemente, justifica uma visita demorada.
A Ecovia do Vez é uma das experiências deslumbrantes do Sistelo, permitindo uma imersão na natureza em estado bruto.
Saciada a curiosidade com o património histórico, é tempo de arregaçar as mangas e caminhar. A Ecovia do Vez, em Arcos de Valdevez, é um percurso longo, de 32 quilómetros, e um dos três troços começa ou acaba precisamente no Sistelo. Cerca de 9,8 quilómetros ligam a aldeia a Vilela, com parte do bonito percurso realizado em passadiços e a outra parte num encantador trilho, sob as copas florestadas e em tonalidades que nunca se repetem. Pisando raízes, folhas soltas e musgo, o visitante é recompensado com um banho retemperador na praia fluvial local. O Xangri-lá, afinal, pode também existir no Minho.