Talvez tenha sido esta a sensação de admiração que os expedicionários tiveram quando, em Agosto de 1881, chegaram à serra da Estrela para aquela que viria a ser a primeira grande expedição científica, na altura levada a cabo pela Sociedade de Geografia de Lisboa.
No presente, a montanha é mais acessível. Depois de algum tempo a contemplar as formas da montanha, finalmente chegamos ao seu coração, uma pequena vila no final do vale glaciário do Zêzere, por onde corre o rio com o mesmo nome: Manteigas. A partir daqui, partimos à descoberta da serra mais elevada de Portugal continental, Parque Natural desde 1976 e Geoparque Mundial da UNESCO desde 2020. Aqui, encontramos um património geológico de importância internacional, facilmente descortinado na paisagem, e uma biodiversidade esmagadora, onde podemos observar quase um terço de todas as espécies de plantas portuguesas e aproximadamente 40 espécies de mamíferos, 150 espécies de aves e 30 espécies de répteis e anfíbios.
Ao subir o vale glaciário do Zêzere, talvez uma das mais bonitas estradas portuguesas, somos atraídos pela indicação do Poço do Inferno. Resolvemos partir à descoberta e, ao chegar a este local de interesse geológico somos esmagados por aquilo que vemos. Uma queda de água, originada pelos caprichos da geologia, escavou um poço que, outrora tão ermo e inacessível, parecia um “poço dos infernos”. Vale bem a pena uma fotografia neste local.
Regressamos à estrada que nos conduzirá pelo vale do Zêzere. A cada curva contornada vamos contemplando a imponência deste vale, que durante o último período glaciário estava completamente coberto por uma enorme massa de gelo, cuja espessura chegou a 350 metros no máximo da glaciação, há 30 mil anos. É impossível não parar várias vezes para respirar fundo, olhar os mais de dez quilómetros de extensão do vale e imaginar como a natureza foi moldando esta paisagem. Mais à frente, não resistimos a nova escala. Desta vez, refrescamo-nos nas águas sempre frias (6ºC durante todo o ano) da Fonte Paulo Luís Martins, que nos lembra a importância da água na Estrela. Em qualquer visita a esta serra não podemos deixar de contemplar as margens de três importantes rios portugueses que aqui têm o seu berço: Mondego, Zêzere e Alva, ou algumas das 25 lagoas que pontuam a paisagem mais alta da Estrela.
Uma das raras fotografias da expedição de 1881 que chegou aos nossos dias representa alguns dos expedicionários. A fotografia desta campanha ficou a cargo do major de cavalaria Frederico Augusto Torres e a missão obedeceu a princípios militares de organização no terreno. Cada dia, aliás, começava com o toque de alvorada.
Continuamos a subir. Ultrapassados os 1.400 metros de altitude, encontramos o Covão da Ametade, mais uma paragem obrigatória. No meio de outros dois covões, o Cimeiro a montante e o de Albergaria a jusante, este é um pequeno paraíso no coração da Estrela. Este covão, tal como outros nesta serra, serviu de reservatório de gelo glaciário que a partir daqui alimentava os diferentes glaciares de vale (no último período glaciário, a Estrela teve sete línguas glaciárias). Fazemos uma pequena caminhada, junto das águas cristalinas do Zêzere, que dá aqui os primeiros passos, e observamos as imponentes paredes graníticas que ladeiam esta grande cova. Cada uma destas paredes tem uma história para contar, onde as marcas da evolução do tempo são cicatrizes que guardam as memórias desta Estrela.
Renitentes a abandonar este local, fazemo-nos ao caminho em direcção ao ponto mais alto de Portugal continental. Na íngreme subida que nos levará até à Torre, são inúmeros os pontos de interesse, com paragens obrigatórias na Nave de Santo António, no vale glaciário de Alforfa, no Covão do Ferro, na enigmática escultura da Senhora da Boa Estrela, junto do Covão do Boi, cujas colunas graníticas são uma relíquia geológica de relevância internacional. Um pouco mais à frente, paramos na varanda que nos permite contemplar o Covão Cimeiro e os três Cântaros (Gordo, Magro e Raso), locais icónicos desta montanha que não pára de nos surpreender.
Novos hábitos de fruição do território trazem com frequência caminhantes e ciclistas a estes cenários de xisto e granito.
Finalmente, chegamos ao planalto da Torre, onde uma massa de gelo com quase 90 metros de espessura moldou estas paragens durante quase 90 mil anos. Quase sem fôlego, inspiramos o ar frio da montanha e olhamos a paisagem que nos rodeia. A Torre é, sem dúvida, uma enorme varanda a partir da qual podemos contemplar a paisagem que rodeia a Estrela.
A luz ténue do ocaso envolve a massa rochosa, lembrando-nos que está na hora de descer a montanha e planear a próxima viagem. Partir à descoberta deste território com mais de 650 milhões de anos, ir ao encontro das estórias das suas gentes, dos sons que fazem parte da Estrela e dos cheiros que perdurarão na nossa memória muito depois de regressarmos a casa.
Voltaremos uma e outra vez, para descobrir, sentir e viver estas paisagens, muito maiores do que a própria montanha!