No topo de uma litosfera jovem, a escassos 480km da dorsal meso-atlântica, nas proximidades da tripla junção das placas Núbia, Euroasiática e Americana, surge a pequena e imponente ilha de Santa Maria. Se a compararmos com a mais nova das ilhas açorianas, a ilha do Pico, com cerca de 190 mil anos, logo percebemos que os 6 milhões de anos que contabiliza a mais antiga formação de Santa Maria guardam uma história de eventos naturais bastante diferente das suas ilhas irmãs.

Os artigos científicos já publicados, resultantes de mais de vinte expedições realizadas pelo grupo de Paleontologia e Biogeografia Marinha do CIBIO da Universidade dos Açores, mostram que a morfologia actual da ilha de Santa Maria foi ganhando a sua forma em fases distintas ao longo de milhões de anos. Esta é a ilha que se ergueu, afundou e ressurgiu dos mares do Atlântico Norte num processo de resiliência que serve hoje para nos contar a magnitude da sua história geológica.

Num período de intensa actividade vulcânica, surgiu a primeira ilha do arquipélago dos Açores, ao que se terá seguido um período de erosão marinha e subaérea durante o qual Santa Maria terá sido desmantelada, reduzindo-se a um monte submarino de topo aplanado. Mais tarde, um novo período de actividade vulcânica, primeiro submarina e depois subaérea, originou a segunda ilha, conferindo-lhe a forma que hoje apresenta. Do lado ocidental temos uma ilha mais árida composta por uma série de terraços subaéreos formados por erosão marinha, e do lado oriental temos uma ilha mais verde, com um relevo mais acidentado e altitudes mais elevadas.

Nesse manto verde de montes e vales que constituem a mais recente parte da ilha, semeiam-se aqui e ali as casas típicas marienses que dão corpo e poesia ao mundo rural da ilha. Embora separadas por uma certa distância, as cinco freguesias da ilha, por necessidade, sempre comunicaram entre si por veredas percorridas a pé – e tantas vezes descalços. Veredas que por força da mudança dos tempos ora se transformaram em estradas para os automóveis que foram chegando à ilha na primeira metade do século XX, ora se apagaram da vista, tomadas pela vegetação selvagem.

Santa Maria

À medida que o turismo de caminhada foi ganhando expressão nos Açores e um novo público se foi atrevendo à braveza das ilhas, grande parte desses caminhos esquecidos e de privilégios agigantados pela riqueza paisagística que se põem à sua volta foram desbravados e reabertos para uso dos caminhantes.

Em 2012, Hélvio Braga, Nelson Moura, Aléxio Puim, João Brandão e Henrique Loura, naturais da ilha, tiveram a ideia de criar a primeira grande rota circular dos Açores. Desenharam um percurso de 78 quilómetros que circunda a ilha, tomando de base uma parte desses caminhos ancestrais que noutros tempos ligavam as várias comunidades ou serviam de acesso a lugares de exploração agrícola.

Em 2013, a rota foi testada pela primeira vez por este grupo de amigos e, em 2014, foi finalmente homologada pela Secretaria Regional do Turismo. Com a homologação, a ilha ganhou uma nova dimensão e iniciou novas oportunidades. A grande rota motivou, desde então, um aumento exponencial do número de turistas de caminhada, a organização de várias provas internacionais de trail run e inspirou Rita e Ioannis Rousseaux a criarem a Ilha a Pé. Tomando por base o espectro paisagístico desta rota, o casal recuperou quatro palheiros (pequenas edificações de pedra que servem para guardar palha para o gado e utensílios agrícolas) estrategicamente distribuídos ao longo do percurso, onde os caminhantes podem pernoitar e recuperar forças.

A complexidade da sua formação geológica confere à ilha uma diversidade paisagística única nos Açores, fazendo desta grande rota uma experiência marcante para qualquer amante de caminhada em autonomia. Ao longo de uma única etapa, das cinco sugeridas pela Ilha a pé, os caminhantes são envolvidos por paredes rochosas que revelam a forma das pillow lavas (raras formações basálticas com 5 milhões de anos, resultantes de actividade vulcânica submarina), entram em grutas escavadas pelo homem para exploração de cal onde podem ser vistos fósseis marinhos (únicos na região), podem banhar-se em praias de areia branca e águas cristalinas, dar um mergulho ou fazer snorkel nos destroços de um navio a vapor espanhol naufragado a escassos 100 metros do areal e caminhar, por fim, em verdejantes pastagens ao longo da rocha de Malbusca de onde se avista toda a baía da praia Formosa, antes de pernoitarem no primeiro palheiro, com vista privilegiada sobre o mar.

Geossítios de rara beleza como a Calçada do Gigante, o Poço da Pedreira, o Barreiro da Faneca, a Ponta do Castelo, ou as baías de São Lourenço e da Maia, onde as íngremes encostas foram talhadas pelo homem em socalcos de pedra que sustentam um manto de videiras, são ícones imperdíveis da grande rota da ilha-mãe, onde, durante 5 dias e 4 noites, o mar é fiel companheiro.