O aclamado escritor recorda-nos que as maravilhas do icónico mausoléu indiano transcendem o tempo – e as hordas de turistas.

O problema do Taj Mahal é que foi envolto em tantos significados acumulados que é quase impossível vê-lo. Mil milhões de imagens em caixas de chocolates e guias turísticos mandam-nos “interpretar” o mausoléu de mármore construído pelo imperador mogol Shah Jahan para a sua esposa Mumtaz Mahal, conhecida como “Taj Bibi”, como o Maior Monumento do Mundo ao Amor. Está no topo da pequena lista de imagens do Ocidente sobre o Exótico (e também Intemporal) Oriente. À semelhança da Mona Lisa, à semelhança das serigrafias de Andy Warhol de Elvis, Marilyn e Mao, a reprodução em massa quase esterilizou o Taj Mahal.

Não se trata, de forma alguma, de um simples caso de apropriação ou de “colonização” ocidental de uma obra-prima indiana. Para começar, o Taj estava praticamente abandonado em meados do século XIX e caíra num estado grave de degradação, no qual provavelmente ainda hoje se encontraria se não fossem os diligentes esforços de conservação do governo colonial britânico. Em segundo lugar, a Índia é perfeitamente capaz de se publicitar excessivamente.

Taj Mahal

Uma mulher com um sari tradicional caminha junto ao Taj Mahal, que se localiza na margem do rio Yamuna, no norte da Índia.

Quando chegamos às muralhas exteriores dos jardins do Taj é como se todos os vendedores e vigaristas de Agra estivessem à nossa espera para agravar o problema de familiaridade-gera-desprezo, impingindo-nos imitações do Taj de todos os tamanhos e preços.

Tudo isto fomenta um certo desencanto e indiferença. Um amigo meu britânico que estava prestes a fazer a sua primeira viagem à Índia disse-me que decidira deixar o Taj fora do seu itinerário por causa da sua sobreexposição.

Incentivei-o a não o fazer pela minha memória vívida da primeira vez que abri caminho por entre a multidão, composta por vendedores de imitações e leituras recomendadas, por entre vendedores ambulantes que proferiam significados e opiniões, até estar diante da coisa propriamente dita, que me maravilhou completamente e fez com que todas as minhas ideias sobre a sua desvalorização parecessem total e completamente redundantes.

Eu estava céptico em relação à visita. Uma das lendas do Taj diz que as mãos dos mestres pedreiros que o construíram foram cortadas pelo imperador para que não pudessem construir algo mais belo. Outra diz que o mausoléu foi construído em segredo, atrás de muros altos, e que um homem que tentou vê-lo foi cegado devido ao seu interesse pela arquitectura. O Taj que eu imaginara fora, de certa forma, maculado por estas histórias cruéis.

Taj Mahal

O Taj Mahal reflectido numa câmara de telemóvel. Segundo os registos do governo, mais de três milhões de pessoas visitaram este Património Mundial da UNESCO em 2022.

Porém, o edifício em si acabou com o meu cepticismo. Afirmando-se como ele mesmo, insistindo com força absoluta na sua autoridade soberana, obliterou os milhões de imitações e preencheu magnificamente, de uma vez e para todo sempre, o lugar na minha mente que antes estivera ocupado pelos seus simulacros.

E é por isto que o Taj Mahal deve ser visto: para nos recordar que o mundo é real, que o som é mais forte do que o eco, que o original é mais poderoso do que a sua imagem num espelho. Nestes tempos saturados de imagens, a beleza das coisas belas ainda é capaz de transcender as imitações. E o Taj Mahal é, para além da força das palavras, uma coisa maravilhosa, talvez a mais maravilhosa de todas as coisas.

Salman Rushdie, escritor indiano-britânico-americano galardoado, autor de Os Filhos da Meia-Noite e Os Versículos Satânicos, escreveu este artigo para a revista National Geographic Traveler em 1999. Victory City, o seu primeiro romance desde que foi gravemente ferido num ataque com uma faca em 2022, foi lançado a 9 de Fevereiro de 2023.

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