No único café de Rio de Onor, o Bar da Associação, alguns idosos trocam dois dedos de conversa enquanto esgrimem argumentos a jogar às cartas. Cartas espanholas, bem mais explícitas nos naipes do que as portuguesas. Em redor, impera a calmaria e a paisagem que cambia do frio cortante do Inverno para as tardes de canícula do Verão.
Os diálogos são travados em rionorês, descendente da língua asturo-leonesa e do período em que o limite da fronteira era incerto e difuso.
Não muito distantes, correm as águas do rio Onor e, na outra margem, meia dúzia de casinhas de xisto abrigam a população de Rihonor de Castilla, com não mais de 20 habitantes.
A fronteira entre Portugal e a província espanhola de Castela e Leão está traçada entre as duas aldeias, mas tudo fica acessível através da ponte romana sobre o rio e, para os habitantes, é indiferente se existem, ou não, limites fronteiriços nos mapas.
Cerca de meia centena de aldeãos portugueses consideram que ambas são um único povoado e atestam-no de forma comunitária: no moinho, no forno, na Casa do Touro (adaptado a espaço museológico), no culto religioso, na partilha do único rebanho, nas casas de xisto de dois andares nas quais o piso térreo é, com frequência, reservado para o gado e para cereais e, claro, no dialecto que vem dos tempos de antanho. Rio de Onor não é a única povoação transfronteiriça com Espanha, mas é quase única, pois esta singularidade geográfica ditou uma evolução linguística específica, acarinhada pelos falantes das duas aldeias. Em muitos aspectos, Rio de Onor é uma típica aldeia transmontana. Apesar do crescimento gradual do turismo, as ruas estreitas, a antiga igreja de xisto e a ponte romana continuam preservadas.
O bucolismo é a sua segunda pele e, neste recanto do Parque Natural de Montesinho, a essência e o peso das tradições travam o avanço das páginas do calendário. Na sua Viagem a Portugal, o escritor José Saramago deteve-se por aqui. Com o calor próprio das gentes da montanha, ofereceram-lhe bagaço, logo a ele, com “um organismo que repele aguardentes”. A custo, aceitou. “Uma plaina não seria menos áspera. Há uma explosão no estômago, o viajante sorri heroicamente e repete. Talvez para reparar os estragos, a mulher abraça o pão contra o peito, tanto amor neste gesto, corta um canto e uma fatia, e é o seu olhar que pergunta: ‘Quer um bocadinho?’” Não há melhor alegoria para explicar Rio de Onor.