Na Cidade Maravilhosa, a existência é trepidante e extrema. Do calor sufocante aos aguaceiros que esvaziam as praias nas tardes estivais, da riqueza à miséria que convivem num frágil e imprevisível equilíbrio, da exuberância das suas paisagens naturais e da alegria sem fim dos cariocas – o motor que converte esta cidade num local único – à violência que se alimenta, sobretudo, com os deserdados negros ou mestiços. Como registou o escritor Zuenir Ventura, é «uma cidade partida» em extremos: as deprimidas favelas e os bairros nobres onde a vida segue o seu curso, incólume, entre carnavais, batucadas, eflúvios de cachaça e corpos esculpidos sob um sol implacável. O Rio de Janeiro raramente decepciona o visitante. E jamais o deixará indiferente.
O centro histórico é o coração da cidade tal como se conhece na actualidade. Viveu o seu primeiro grande auge urbanístico a partir do momento em que Dom João VI aqui estabeleceu a capital do seu império. A herança do período colonial, com os seus traçados de ruas e os majestosos edifícios, encontra o seu centro nevrálgico nas imediações da Praça Quinze, banhada pela baía de Guanabara, onde outrora chegavam os navios vindos do remoto golfo da Guiné ou dos portos de Angola. Nestes molhes, atraca hoje em dia o ferry que cruza a baía até à cidade de Niterói transportando trabalhadores ou turistas que procuram deleitarse com o Caminho de Niemeyer, o conjunto de obras arquitectónicas que o génio das curvas desenhou para a cidade-satélite.
O centro do Rio representa a quintessência da cidade. O neoclássico dos tempos coloniais, estampado no Palácio Imperial, no Teatro Municipal, na Casa de França, na Biblioteca Nacional, entre outros, vê-se hoje docemente profanado por um entrançado caótico de pequenos mercados de rua, velhas papelarias, bancos, bares e esplanadas onde se pode beber cerveja fria de barril (o tradicional chopinho) e sumos de fruta tropical, ou desfrutar um amplo leque gastronómico: desde especialidades portuguesas e japonesas ao popular pastel de carne assada ou o caldinho de feijão, uma sopa à base de feijão preto.
Os Jogos Olímpicos deixaram como legado urbanístico a ampliação do metropolitano, a recente via de eléctrico que percorre a Avenida Rio Branco, a artéria principal do centro, e a recuperação da histórica Praça Mauá, onde se ergue o Museu do Amanhã, desenhado por Santiago Calatrava. A estrutura futurista penetra na baía de Guanabara e inaugura o novo distrito artístico e cultural de Porto Maravilha, composto pelo Museu de Arte do Rio (MAR), o AquaRio – o novo aquário – e um conjunto de antigos armazéns que acolhem eventos como a feira anual de arte contemporânea, a ArtRio.
O Jardim Botânico, paraíso domesticado na cidade.
A Avenida das Palmeiras é um magnífico vestíbulo do Jardim Botânico do Rio que, com mais de seis mil espécies de plantas autóctones e introduzidas, é considerado um dos mais ricos do mundo. Instalado perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, nasceu em 1808 como horto para cultivar noz-moscada, canela e pimenta trazidas das Índias Orientais, e depois árvores importadas de outras colónias portuguesas. O Botânico do Rio é hoje famoso pelo seu Bromeliário (dez mil exemplares), pelo pavilhão das orquídeas (600 espécies), pelazonadeplantasmedicinais, pelazona dos cactos e pela estufa de plantas insectívoras. Além disso, ostenta um jardim japonês e uma secção dedicada à Amazónia.
O boémio bairro da Lapa é considerado outro pólo fundamental do mapa cultural do centro do Rio. Na Lapa, respira-se um ar suburbano e decadente; dorme de dia e abre as suas portas quando o Sol cai, com dezenas de locais nocturnos de música ao vivo nos quais a oferta transita do rock até ao samba de raiz, do choro ou da gafieira, dois dos géneros musicais nascidos no Rio durante o último século. Ninguém deve estranhar ao cruzar-se em qualquer local da Lapa com uma celebridade como Caetano Veloso, Milton Nascimento ou o sambista Paulinho da Viola na qualidade de atentos espectadores de uma jovem promessa. A Lapa representa um dos espaços mais tolerantes do Rio e é a sementeira da nova geração de sambistas.
Percorrendo a linha costeira desenhada pelos bairros de Flamengo e Botafogo, chega-se à zona meridional do Rio de Janeiro, o ecossistema natural dos milhares de turistas que visitam anualmente a cidade. É aqui que se encontra a maior oferta hoteleira, em frente das lendárias praias de Copacabana, Ipanema e Leblon. Por estas areias, passeava a garota de Ipanema que inspirou a canção de Vinicius de Moraes e António Carlos Jobim, cujo verdadeiro nome é Helô Pinheiro e que, com mais de setenta anos, continua a incorporar o espírito deste género musical.
Inúmeras reuniões nocturnas em apartamentos de Copacabana e Ipanema presididas por Tom e Vinicius, como são conhecidos no Rio, deram à luz a bossa-nova, um género que demorou pouco a apaixonar todo o planeta. Para os amantes das notas sincopadas imortalizadas pela voz e pela guitarra de João Gilberto, existe uma rota de bares, praças, locais de música ao vivo e lojas de discos que celebra a história do movimento e dos seus protagonistas.
Nos longos areais de Copacabana, Ipanema e Leblon, em todos os fins-de-semana soalheiros concentram-se centenas de milhares de pessoas para celebrarem uma espécie de tertúlia tropical. A praia é o local de reunião natural dos cariocas, o espaço mais democrático da cidade, onde pobres e ricos, brancos e negros, se encontram em relativa harmonia; os cronistas locais asseguram que é aqui que a idiossincrasia carioca emerge em todo o seu esplendor.
Sob o calor destas praias, debruçam-se os bairros homónimos do abastado Rio Sul: Copacabana é tão popular como caótica. Vale a pena caminhar durante o entardecer pelo seu passeio marítimo, o calçadão. Projectado pelo urbanista Burle Marx, o seu desenho curvilíneo é, desde há décadas, um dos símbolos de identidade do Rio. Qualquer um dos seus quiosques de bebidas pode ser um excelente local para tomar uma caipirinha enquanto desfruta uma inesquecível perspectiva do Pão de Açúcar de um lado e o forte militar de Copacabana do outro.
Pedra Gávea, a rocha dos navegantes
O sector mais impressionante do Parque Nacional da Tijuca encontra-se encaixado entre os bairros de São Conrado, Barra da Tijuca e o Alto da Boa Vista. É igualmente a área mais pequena do parque e oferece mais opções para praticar desportos de montanha e aventura, desde trilhos e escalada até asa delta e parapente.
Por cima desta grande massa de florestas que cobrem as fendas e escondem cascatas, emergem picos graníticos que parecem moldados por mão divina. APedra Gávea (844m) éasoberana do local. O nome foi-lhe dado pelos navegantes que há séculos percorriam o litoral do Rio e que viam naquela rocha a forma trapezoidal da vela gávea, a que recolhe o vento mais forte. Desde que em 1830 se empreendeu a primeira expedição até ao seu cume, a ascensão da Pedra Gávea transformou-se num dos objectivos de montanha mais atractivos do Rio. A rota é exigente, de três horas e com um longo percurso de escalada, mas exequível se realizado em companhia de um guia especializado que se ocupe do material de escalada necessário.
Mais acessível é a Pedra Bonita (696m) que requer apenas uma caminhada de 30 minutos. Os aficionados da escalada, em troca, preferem a pontiaguda Agulhinha da Gávea ou Pedra Aguda (610m) pela sua diversidade de acessos.
Ipanema é cosmopolita e sofisticada. É o bairro ideal para as compras ou para refeições nos restaurantes da moda. Em redor da Rua Visconde de Pirajá, distribuem-se as praças e as ruas mais turísticas, como a Rua Vinicius de Moraes, onde se encontra o concorrido restaurante Garota de Ipanema, a Rua Farme de Amoedo, paragem obrigatória do circuito gay, ou a Rua Garcia d’Ávila, que concentra alguns dos estabelecimentos mais exclusivos do Rio.
O recatado Leblon é tradicional e aprazível. Reduto da elite carioca, é aqui que se vende o metro quadrado mais caro da América Latina. A sua artéria principal, a Avenida Ataulfo de Paiva, está salpicada de bares e balcões para sumos ou refeições rápidas. E a Rua Dias Ferreira, com uma infinidade de propostas gastronómicas e bares da moda, é um dos locais do momento frequentado por jovens com grande poder de compra.
Na segunda linha de mar e sob o manto verde do Parque Nacional da Tijuca, localiza-se a boémia Gávea, um bairro conhecido pela concentração de artistas, músicos e actores. Como prolongamento da Gávea, emerge o majestoso Jardim Botânico, fundado por Dom João VI, em 1808, para plantar espécies vegetais de outros territórios portugueses ultramarinos.
A faixa urbana da zona sul é encerrada pela Lagoa Rodrigo de Freitas, ligada ao mar por um canal que separa os bairros de Ipanema e do Leblon. O espectacular espelho de água de 510 hectares, presidido pelo Cristo Redentor, constitui um dos locais mais extraordinários para espairecer ao ar livre.
No Rio, existem três miradouros naturais. O mais famoso é o monte do Corcovado, coroado pelo Cristo Redentor, ao qual se acede de eléctrico ou em táxis oficiais.
A 706 metros de altitude, alcança-se a imponente escultura do Redentor com os seus braços abertos, desenhado pelo escultor francês Paul Landowski e inaugurada em 1931. Deve subir ao Corcovado em dias sem nevoeiro, preferencialmente à primeira hora da manhã ou ao entardecer, quando os jogos de luzes mostram a cidade e a sua envolvente em todo o seu esplendor.
Ao Pão de Açúcar, encravado à entrada da baía de Guanabara e acessível pelo funicular, também se subir logo pela manhã. Deste morro, obtém-se uma perspectiva espectacular do território meridional do Rio. O triângulo visual encerra o menos visitado dos miradouros, embora não seja por isso o menos recomendável: o Morro dos Dois Irmãos (533m), que se ergue no final da praia do Leblon e onde se chega apenas a pé, caminhando mais de uma hora por trilhos escarpados de terra e rocha.
Para fugir do rugido da «Cidade Maravilhosa», tem como boa opção percorrer os 250 quilómetros que separam o Rio da localidade de Paraty por estradas que serpenteiam a majestosa Costa Verde. Algumas enseadas de águas turquesa são conhecidas pelas mansões de milionários e iates de luxo.
No horizonte, em frente da cidade de Angra dos Reis, emerge uma das jóias naturais do Brasil: Ilha Grande, um paraíso ecológico que, na década de 1980, foi uma espécie de Alcatraz brasileiro onde nasceu a mais lendária facção de criminosos que hoje dominam as favelas, o Comando Vermelho. O cárcere encerrou as suas portas nos princípios da década de 1990 e a ilha reinventou-se até se transformar num destino turístico internacional.
Rio de Janeiro e a Costa Verde
Documentação: passaporte.
Chegar: Portugal tem voos directos tanto de Lisboa como do Porto para o Rio de Janeiro. O Aeroporto António Carlos Jobim (ou do Galeão) dista 20km do centro por táxi, autocarro e transfers.
Mover-se: O metropolitano chega a todos os bairros (metrorio.com.br).
Para percorrer a Costa Verde, aconselha-se o aluguer de um carro ou a viagem de autocarro.
Mais informações: visit.rio
A praia Lopes Mendes é elogiada como uma das melhores do Brasil.
A rota desemboca em Paraty, um maravilhoso povoado pesqueiro cujo centro histórico foi classificado pela UNESCO como «o conjunto arquitectónico colonial mais harmonioso» do Brasil. Antigo porto de mercadores e piratas, hoje é conhecido pela sua herança histórica, pela sua feira literária (FLIP) e pelos seus alambiques, que produzem uma das melhores cachaças. Paraty oferece, além disso, uma excelente lista de bons restaurantes e pousadas encantadoras.
A história de Paraty está marcada pelas marés e pelos ventos atlânticos. Aqui sucederam-se as vagas de prosperidade do comércio de cana-de-açúcar e de café, do contrabando, da pirataria e das lojas maçónicas que ainda impregnam as suas rochas centenárias. Durante o dia, vale pena embarcar num passeio pelas ilhas da sua imensa baía. Ao cair da noite, o silêncio e a penumbra convidam a caminhar pelas ruas empedradas e serenas, e é nessa altura que regressa o longínquo rumor da insónia do Rio.