Quando os residentes de Hallstatt, uma encantadora aldeia austríaca à beira-lago, fizeram um bloqueio no túnel de acesso principal, empunhando placas a pedir aos visitantes para “pensarem nas crianças”, o acontecimento salientou o que pode acontecer quando os autóctones começam a sentir-se dominados pelos turistas. Hallstatt tem apenas 800 habitantes, mas abriu as portas a cerca de 10.000 visitantes por dia – um aumento demográfico superior a 1.000 por cento. E este é apenas um exemplo do crescente número de locais onde os residentes estão a combater o influxo de turistas.

O termo sobreturismo é relativamente novo, tendo sido cunhado há pouco mais de uma década para salientar que o efeito que o número crescente de visitantes está a ter nas cidades, nos marcos históricos e nas paisagens. À medida que o número de turistas recupera os níveis anteriores à pandemia a nível mundial, o debate em torno daquilo que pode ser considerado “de mais” continua. Embora muitos destinos, dependentes das receitas turísticas, ainda estejam entusiasmados com as chegadas, algumas grandes cidades e locais estão agora a impor proibições, multas, taxas, sistemas de turnos e, em alguns casos, até a lançar campanhas de desencorajamento numa tentativa de diminuir o número de turistas.

O que é o sobreturismo?

Em essência, o sobreturismo é quando existem demasiadas pessoas num determinado sítio em qualquer altura. Embora não exista um número concreto que estipule o número de visitantes permitido, uma acumulação de factores económicos, sociais e ambientais determina se e como os números estão a aumentar.

Existem efeitos abrangentes, como as alterações climáticas. Os recifes de coral, como os da Grande Barreira de Coral Australiana, e Maya Bay, na Tailândia, tornados famosos pelo filme A Praia, com Leonardo DiCaprio, estão a degradar-se devido aos turistas que praticam snorkelling, mergulho e tocam nos corais.

Espera-se que as emissões de carbono relacionadas com os transportes turísticos registem um aumento de 25 por cento em 2030, face aos valores de 2016, representando um aumento de 5 para 5,3 por cento de todas as emissões de origem humana, segundo a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (UNWTO).

Outros problemas, mais localizados, estão a afectar os residentes. Os inquilinos estão a ser despejados por senhorios que pretendem transformar as propriedades em alojamentos locais e o preço das casas está a aumentar loucamente. À medida que as propriedades para arrendamento e turismo excedem as habitadas pelas pessoas locais, as comunidades estão a desagregar-se. A subida a pique dos preços, as filas excessivas, as praias apinhadas, os níveis de ruído exorbitantes, os danos em sítios históricos e as ramificações que a natureza sofre quando as pessoas ficam deslumbradas ou se desviam dos trilhos oficiais também são razões pelas quais até os pontos positivos do turismo podem ter um impacto negativo.

Em contrapartida, “subturismo” é um termo aplicado a destinos menos frequentados, sobretudo no rescaldo da pandemia. Os benefícios económicos, sociais e ambientais do turismo nem sempre são transmitidos aos destinos onde existem boas capacidades de acolhimento, embora a propaganda turística por vezes apele aos turistas para visitarem atracções menos conhecidas. Estas experiências são mais sustentáveis e gratificantes, tanto para os residentes como para os visitantes.

Hallstätter Overtourism
ALAN TOW, GETTY IMAGES

As vistas panorâmicas de Hallstätter See, das Montanhas de Dachstein e da própria vila são o que atrai as multidões a Hallstatt.

Qual o principal problema?

As multidões são um problema para residentes e turistas. Podem arruinar a experiência de conhecer um local para as pessoas que ficam presas em filas intermináveis, incapazes de visitar museus, galerias e outros sítios sem marcação prévia, incorrendo em custos crescentes com coisas essenciais como comida, bebida e hotéis e impossibilitando-as das delícias de conhecerem um sítio em relativo sossego. A ausência de regulamentos concretos fez com que alguns sítios tivessem de assumir a tarefa de tentar estabelecer algum tipo de controlo de multidões, o que resultou em falta de coesão – e de uma solução.

Justin Francis, co-fundador e director executivo da Responsible Travel, uma operadora turística focada em viagens mais sustentáveis, diz: “As redes sociais concentraram o turismo em pontos quentes e exacerbaram o problema e o número de turistas a nível global está a aumentar, embora os destinos tenham uma capacidade finita. Até os autóctones serem devidamente consultados sobre aquilo que querem e não querem do turismo, vamos assistir a mais protestos”.

Uma start-up francesa chamada Murmuration, que monitoriza o impacto ambiental do turismo utilizando dados recolhidos via satélite, diz que 80 por cento dos turistas visitam apenas dez por cento dos destinos turísticos mundiais, o que significa mais multidões em menos sítios. E a UNWTO prevê que até 2030, o número de turistas a nível global, que em 2019 atingiu o valor máximo de 1.500 milhões, chegue aos 1.800 milhões, resultando provavelmente em mais pressões sobre sítios já de si populares e mais objecções por parte dos residentes.

Quem tem estado a protestar?

Dos 800 residentes da aldeia de Hallstatt, património da UNESCO, cerca de cem compareceram em Agosto para demonstrar o seu descontentamento e pedir a imposição de um limite ao número de visitantes diários e aos horários de chegada dos autocarros de excursões.

Noutros locais, como Veneza, por exemplo, os residentes lutam desde há muito pela proibição dos navios de cruzeiro, pendurando frequentemente bandeiras de protesto nas janelas. Em 2021, os navios de cruzeiros com mais de 25.000 toneladas foram proibidos de utilizar o grande Canal de Giudecca, passando a permitir a atracagem apenas de ferries de passageiros mais pequenos e navios de carga.

Em França, o Marseille Provence Cruise Club introduziu um sistema de gestão de fluxos para passageiros de navios de cruzeiro em 2020, facilitando o trânsito em redor da popular Basílica de Notre-Dame-de-la-Garde. Um porta-voz da Cruise Lines International Association (CLIA) disse: “Na Basílica, os autocarros estão limitados a quatro por navio durante a manhã ou a tarde, de modo a assegurar uma boa experiência ao visitante e a segurança dos residentes e do comércio local. Foi um acordo voluntário respeitado pelas companhias de cruzeiros.”

Em Orkney, na Escócia, os residentes têm estado a combater o número de navios de cruzeiro que atracam nas suas costas. No início de 2023, o conselho local confirmou que tinham sido agendadas 214 visitas para este ano, trazendo cerca de 15 milhões de libras em receitas para o arquipélago. Após a reacção negativa dos residentes, o conselho propôs um plano para restringir o número diário de navios.

 Canal de Giudecca Veneza
BRUCE HODD, GETTY IMAGES

Os navios de cruzeiro de grandes dimensões estão proibidos no Canal de Giudecca, em Veneza, desde 2021.

Que medidas estão a ser tomadas?

Os impostos municipais tornaram-se cada vez mais populares. Barcelona aumentou a sua taxa de pernoita em Abril de 2023 – imposta em 2012 e variando consoante o tipo de alojamento – e Veneza espera cobrar uma taxa de 5 euros aos excursionistas a partir de 2024.

Neste Verão, o conselho municipal de Amesterdão votou a favor de proibir os navios de cruzeiros, enquanto o presidente da câmara municipal, Femke Halsema, promoveu uma campanha de desencorajamento, pedindo aos jovens homens britânicos que planeavam umas “férias da moral” que se mantivessem à distância. Em Roma, as autoridades estão a restringir o número de pessoas que se sentam em sítios populares como a Fonte de Trevi ou as escadas da Praça de Espanha.

Em Maasai Mara, no Quénia, o governador do condado de Narok impôs multas às pessoas que saem das estradas oficiais e também planeia duplicar o preço das pernoitas nos parques na época alta.

Quais as previsões para o turismo global?

O turismo foi uma das indústrias mais afectadas pela pandemia da COVID – segundo a UNWTO, o número de chegadas internacionais desceu 72 por cento em 2020. No entanto, o número de viajantes tem estado a aumentar rapidamente desde então: o número de pessoas que viajaram para o estrangeiro nos primeiros três meses de 2023 duplicou em relação ao mesmo período de 2022. E, segundo o World Travel Tourism Council, espera-se que o sector do turismo facture 7,5 biliões de libras este ano, 95 por cento dos valores anteriores à pandemia.

Embora as previsões indiquem que a indústria turística representará 11,6 por cento da economia global até 2033, também se prevê que um número crescente de pessoas demonstre um maior interesse em viajar de forma mais sustentável. Num inquérito realizado em 2022 pela Booking.com, 64 por cento dos inquiridos disseram estar preparados para se manterem afastados de sítios turísticos movimentados para evitarem contribuir para a sua congestão.

Existem soluções?

Existem formas de gerir melhor o turismo promovendo mais viagens na época baixa, limitando os números onde possível e regulando melhor a indústria. Encorajar viagens mais sustentáveis e descobrir soluções para diminuir a fricção entre residentes e turistas também poderá ter impactos positivos. Promover destinos alternativos e menos visitados para redireccionar os viajantes também poderá proporcionar benefícios.

Harold Goodwin, professor emérito da Manchester Metropolitan University, declara: “O sobreturismo depende do volume de visitantes, mas também de comportamentos conflituosos, da sobrelotação em locais inapropriados e da privacidade. Os antropólogos sociais falam sobre palcos e bastidores turísticos. Os turistas raramente são bem recebidos nos bastidores. Para gerir as multidões, será primeiro necessário analisar e determinar as suas causas.”

Francis acrescenta: “Porém, temos de ter cuidado para não reproduzir os mesmos problemas noutros sítios. A coisa mais importante é desenvolver uma estratégia clara, consultando os residentes sobre aquilo que um sítio quer ou necessita do turismo.”

Neste momento, o sobreturismo é um problema sazonal num pequeno número de destinos. Embora não exista nenhuma solução universal, deverá ser adoptado um conjunto de medidas, dependendo da escala do problema. Na maior parte do mundo, o turismo continua a ser uma força positiva, com muitos benefícios para além do mero crescimento económico.

Artigo publicado originalmente na revista National Geographic Traveller (Reino Unido) e posteriormente em nationalgeographic.com.

Mais Sobre...
Turismo