Quase todas as pessoas têm uma história sobre atravessar uma massa de ar conturbada: momentos de pôr os cabelos em pé em que, subitamente, há mais coisas para além do avião a voar. A sua barriga anda às voltas, as bebidas entornam-se e as pessoas a circular no corredor tombam sobre os assentos. Em casos raros, pode até causar mais do que tropeções ou nódoas negras.

A turbulência é uma certeza nas viagens aéreas e uma grande fonte de ansiedade para todo o tipo de viajantes. Compreender o que causa a turbulência, onde esta ocorre e as ferramentas de alta tecnologia utilizadas pelos pilotos para tornar as viagens aéreas mais seguras e confortáveis, pode ajudar a acalmar até os passageiros mais ansiosos.

O que é a turbulência?

A definição de turbulência é bastante simples: remoinhos de ar caóticos e caprichosos, perturbados por diversas forças. Se alguma vez viu um delicado fio de fumo ascendente a transformar-se em espirais mais desorganizadas, já assistiu a um fenómeno de turbulência.

Existem massas de ar conturbadas em todo o lado, desde o nível do solo até muito acima da altitude de cruzeiro. Contudo, a turbulência mais comummente sentida pelos viajantes tem três causas comuns: montanhas, correntes de jacto e tempestades.

Tal como as ondas do mar rebentam na praia, o ar também forma ondas quando encontra montanhas. Embora algum ar passe suavemente sobre elas e siga em frente, outras massas amontoam-se contra as próprias montanhas, sendo forçadas a subir. Estas “ondas das montanhas” podem propagar-se como oscilações amplas e suaves na atmosfera, mas também podem decompor-se em diversas correntes tumultuosas, que experienciamos como turbulência.

As massas de ar desordenadas associadas às correntes de jacto – faixas estreitas e serpenteantes de ventos rápidos localizadas junto aos pólos – são causadas por diferenças nas velocidades do vento à medida que uma aeronave se afasta de regiões com ventos de velocidade máxima. A desaceleração dos ventos cria regiões propensas à turbulência.

E embora seja fácil compreender a turbulência criada pelas tempestades, uma descoberta relativamente recente é que as tempestades podem gerar condições acidentadas em céus distantes. O crescimento rápido das nuvens de tempestade empurra o ar, gerando ondas na atmosfera que podem causar turbulência a centenas ou milhares de quilómetros de distância, diz Robert Sharman, investigador de turbulência do Centro Nacional de Investigação Atmosférica (NCAR).

Cada um destes cenários pode causar “turbulência de ar claro” (CAT), a menos previsível ou observável. A CAT causa frequentemente ferimentos moderados a graves, pois pode ocorrer tão subitamente que a tripulação de um voo não tem tempo de dizer aos passageiros para apertarem os cintos de segurança. Segundo a Administração Federal de Aviação dos EUA, 146 passageiros e tripulantes relataram ferimentos graves devido a turbulência entre 2009 e 2021.

Melhorias nas previsões

Segundo Sharman, embora as previsões meteorológicas e os relatos dos pilotos sejam úteis para evitar zonas acidentadas, são ferramentas relativamente toscas. Os modelos meteorológicos não conseguem prever turbulência à escala dos aviões e os pilotos relatam frequentemente turbulência a várias dezenas de quilómetros dos locais onde ela se encontra na verdade. Sharman está a trabalhar desde 2005 na NCAR para construir ferramentas de detecção de turbulência “na hora” muito mais exactas.

Funcionam da seguinte forma: um algoritmo actualmente instalado em cerca de mil aviões comerciais analisa informação recolhida por sensores de bordo para caracterizar o movimento de cada avião em determinado momento. Utilizando dados referentes à velocidade de avanço, velocidade do vento, pressão atmosférica e ângulo de rolamento, entre outros factores, o algoritmo gera um nível de turbulência atmosférica local que é transmitido a um sistema nacional a cada minuto. Combinada com boletins e modelos meteorológicos nacionais, a ferramenta complementa as previsões com condições em tempo real, contribuindo para reforçar os modelos de previsão meteorológica.

turbulência

Esta composição foi criada na pista 09L do Aeroporto de Heathrow, em Londres, entre as 7.00 e as 10.00 horas. As manhãs costumam ser o período mais movimentado para a chegada de aviões em Heathrow, com vagas de grandes aeronaves vindas da Ásia e da América do Norte, que concluem os seus voos de longo curso em Londres. Fotografia de Mike Kelley.

Mais de 12.000 pilotos da Delta Airlines usam actualmente tablets equipados com esta ferramenta para verificar as condições ao longo das suas rotas de voo. Além dos aviões equipados com o algoritmo utilizados nos voos domésticos dos EUA, companhias internacionais como a Qantas, a Air France e a Lufthansa também irão utilizá-lo. E a Boeing começou a disponibilizar o algoritmo como opção em novas aeronaves, diz Sharman.

“Agora compreendemos melhor a atmosfera e a nossa capacidade de computação faz com que consigamos elaborar melhores descrições da turbulência”, diz Sharman. “A turbulência é, por natureza, muito caótica, por isso precisamos de muita capacidade informática para perceber o que está, de facto, a acontecer. Esta estratégia de observação é um grande salto para nós.”

Os custos da turbulência

Parte da ansiedade em torno da turbulência é o medo de o avião falhar. É uma reacção natural, sobretudo para quem já teve a experiência de ver uma asa dobrar-se num ângulo aparentemente impossível.

“Já tive uma pessoa à minha frente que começou a gritar que íamos todos morrer porque viu a ponta da asa dobrar-se”, recorda Marilyn Smith, engenheira aeronáutica da Georgia Tech. “É bom que a asa se dobre. Se fosse rígida ao ponto de não se dobrar, o avião seria provavelmente tão pesado que não conseguiria voar. Tudo num avião tem de ser testado ao milímetro para que não falhe.” Além dos testes físicos realizados em laboratório, onde aeronaves de tamanho real são sujeitas a pressões muito superiores àquilo que encontrarão no ar, Smith diz que a computação de alto nível permitiu criar modelos digitais de um maior número de cenários hipotéticos. A monitorização para efeitos de manutenção também melhorou: sensores de bordo verificam os componentes que se sabe serem vulneráveis a fadiga e avisam se algum precisar de ser inspeccionado ou substituído.

Poderá o design aeronáutico ser alterado de modo a eliminar completamente a turbulência? Smith diz ser pouco provável, pelo menos a curto prazo. Uma área de investigação está a examinar a possibilidade de desenvolver uma reacção instantânea a rajadas súbitas alterando o fluxo de ar em redor da superfície da própria asa – embora Smith diga que é um problema extremamente difícil de resolver mantendo simultaneamente um avião leve, de baixo custo e eficiente em termos energéticos.

Fassi Kafyeke, director de inovação da Bombardier, está a estudar a possibilidade de usar tecnologia de propulsão eléctrica para alterar o formato e as sensações a bordo dos aviões do futuro. Não havendo a necessidade de confinar motores eléctricos, mais pequenos, sob as asas, estes poderiam ficar em quase qualquer parte do corpo do avião, juntamente com múltiplas hélices mais pequenas que impulsionassem o avião em frente.

Embora alterações de design como estas abordem sobretudo a questão da eficiência, a turbulência é um factor a ter em conta no desempenho e consumo dos aviões. Estima-se que as mudanças de rota e de altitude para evitar turbulências custem até 100 milhões de dólares por ano às companhias aéreas norte-americanas e que consumam mais 600 milhões de combustível por ano.

As alterações climáticas poderão exacerbar ainda mais estes custos. Paul Williams, cientista especializado no estudo da atmosfera da Universidade de Reading, no Reino Unido, estimou que, entre 2050 e 2080, as alterações nas correntes de jacto causadas pelas alterações climáticas provocarão um aumento de 113 por cento na turbulência de ar claro sobre a América do Norte e de até 181 por cento sobre o Atlântico Norte. Williams trabalha actualmente com a Airbus para transformar essas projecções em parâmetros de design aeronáutico.

“Os aviões que estão a ser desenhados hoje ainda estarão a voar nas décadas de 2050, 2060 e 2070 e terão de suportar a turbulência que encontrarem”, disse Williams. “Ainda estamos na fase inicial, mas já estamos a estudar se haverá necessidade de ajustes nas fuselagens para as tornar mais robustas.”

Como lidar com a situação

Por mais armados e preparados que estejamos com conhecimentos de meteorologia e engenharia, existem algumas estratégias mais concretas para lidar com a turbulência a bordo de um avião.

Voe ao início do dia e sente-se o mais à frente possível, diz Heather Poole, assistente de bordo há 21 anos e autora do livro Cruising Attitude.

“A turbulência é muito pior na parte de trás do avião”, diz. “Houve alturas em que vi pessoas na classe turística segurarem-se como se estivessem num rodeo e tive de ligar para o cockpit porque eles lá sentem-na de maneira diferente.”

Mantenha o cinto de segurança apertado, mesmo que a luz esteja apagada, acrescenta Poole, pois o cinto pode impedi-lo de bater com a cabeça no compartimento da bagagem. E não passe bebés para o outro lado do corredor, nem devolva o seu café aos assistentes de bordo que estão a tentar segurar objectos soltos.

Ela também sugere que avise a tripulação caso sofra de ansiedade – todos irão esforçar-se ao máximo para assegurar que se sente bem quando as coisas se tornarem desconfortáveis. Apps como a My Radar e a Soar também podem desmistificar o que se encontra mais à frente no céu.

“O medo é essencialmente isso: a sensação de falta de controle”, diz Poole. “Se soubermos mais sobre o estado do tempo, sobre o que é e onde poderá haver turbulência, teremos uma noção melhor de como acontece e de que ficaremos bem”.

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