Na vertente noroeste da serra da Estrela, uma massa rochosa destaca-se na paisagem, com a robustez conferida pela força do granito, mas também pela antiquíssima história que as “pedras” deste povoado medieval do século XII ainda teimam em guardar. Percorrendo as faldas da grande montanha, e com a Estrela sempre no horizonte, seguimos em direcção a Linhares da Beira, uma pequena aldeia a mais de oitocentos metros de altitude, com quase nove séculos de história. Na estrada sinuosa que nos conduz à aldeia fundada pelo primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, o viajante está longe de imaginar o que a visita lhe reserva à medida que concretiza a incursão pelos sons, as cores e os cheiros de um dos mais belos lugares da serra da Estrela.

A distância encurta e agiganta-se diante de si o imponente Castelo de Linhares, erigido no reinado de Dom Dinis, numa rechã granítica, com vista para o amplo horizonte do vale do Mondego.

De imediato, somos transportados, pela história e pelo tempo, para um período muito distante, como se fôssemos personagens históricas de um Portugal medieval à procura de afirmação. A curva apertada que se segue faz regressar ao presente, não menos empolgante e enigmático. Mais duas curvas e uma suave subida e chega-se ao destino, uma das doze Aldeias Históricas de Portugal.

Abandona-se o carro e segue-se a pé, à descoberta desta aldeia que tem tanto de histórica como de bela. A cada passo, o viajante é esmagado pela dimensão dos blocos graníticos, aqui designados por penedos, que, não raras vezes, serviram de base para a construção das próprias habitações, que preservam essa peculiar arquitectura. Não estranha, portanto, que a aldeia seja uma impressionante continuidade da paisagem granítica natural que envolve este lugar, reconhecido desde 1169 e que fez parte do sistema defensivo da bacia do Mondego até ao século XVII. Aqui tudo é história, como se de repente recuássemos no tempo e num exercício de imaginação quase conseguíssemos ouvir os sons das lutas medievais, o relinchar dos cavalos e a azáfama típica daquele tempo. Torna-se difícil suster a imaginação, tantas são as marcas de uma história escrita em cada rua, das construções edificadas e das mensagens intangíveis que a atmosfera de Linhares da Beira tão bem preserva.

Linhares da beira

Em deambulações pelas ruas apertadas desta aldeia, o viajante cruza-se com rostos que se abeiram à janela ou que percorrem as mesmas ruas, calcorreadas durante séculos por uma população orgulhosa e indomável. Entre grandes penedos, muros de fragmentos graníticos, paredes escurecidas pelos séculos e gentes, cujo tempo se transmite no olhar, o viajante sente a paisagem que o rodeia e deixa-se levar pelo que cada uma destas paredes conta, numa surpreendente caminhada pelas marcas de um quotidiano passado.

Por fim, a caminhada conduz ao Castelo de Linhares da Beira, o mesmo que surpreendia a cada curva na estrada de acesso ao povoado. A presença do granito é inequívoca! Aliás, aqui tudo é granito, como se a geologia se fundisse com a ocupação humana e das rochas se fizesse história. Percorre-se o bloco rochoso, gasto pelo tempo, que conduz à porta deste símbolo de outros tempos.

Sobem-se as suas muralhas e contempla-se tudo o que a vista alcança. De um lado, o largo horizonte do vale do Mondego, com uma geografia que contrasta com a montanha que se ergue. Do outro, a Estrela, massa rochosa imponente, indelével e de personalidade única.

Linhares da beira

Este é um dos lugares que não se esquecem e que o viajante leva consigo para outras paragens. No olhar, o vigoroso granito, parte de uma geologia classificada pela UNESCO como geoparque; no ouvido, a brisa que sopra da montanha e a água que jorra das suas paredes; no olfacto, os cheiros que se transformam ao sabor das estações do ano e na memória, a história que aqui se conta, vive e, como em raros locais, se experiencia.