Esta ave de grande porte não voava. Teria o tamanho de um pavão e um bico em forma de anzol. Caminhava de forma trôpega, era desajeitada e tão confiante que se aproximava dos predadores. Exterminada em finais do século XVII, o seu carácter afável perdurou até hoje como um símbolo nacional da ilha de natureza igualmente cândida e da sua gente hospitaleira e aberta que chegou até aqui a partir de todos os recantos do planeta.
A Maurícia localiza-se a novecentos quilómetros de Madagáscar e faz parte das denominadas ilhas Mascarenhas, perto de Rodrigues e Reunião, a 650km para leste e 226km para oeste respectivamente. A história dos últimos quatro séculos foi marcada por sucessivas colonizações. Depois dos portugueses, chegaram os holandeses no século XVII, que lhe deram o nome actual como tributo a Maurício de Nassau, stadhouder ou regente da Holanda e príncipe de Orange. Em 1715, os franceses subjugaram a ilha e baptizaram-na como Île de France, estabelecendo a capital em Port Louis, porto de descanso para os navios da Companhia Francesa das Índias Orientais. Os britânicos apropriaram-se da ilha em 1814 graças ao Tratado de Paris e aboliram a escravatura em 1834. Os mauricianos demoraram mais de um século, até 1968, para conquistar a independência. Com Rodrigues e os grupos insulares de Cargados e Agalega, constituíram-se como uma república.
Os costumes introduzidos por todos estes povos permanecem palpáveis em pleno século XXI. No Mercado Central de Port Louis, o aroma a curcuma, cominho, pimenta e cardamomo remete para as antigas rotas das especiarias, e as ruas exibem edifícios tão diferentes como a Catedral de São Luís, o Templo Hindu de Kalaisson, um pagode chinês ou a Mesquita Jummah, de construção mais recente.
O início do périplo pela capital significa uma submersão nessa arquitectura diversificada e viva, na cálida sensação de andar entre as acácias-rubras, pura essência tropical. Para retemperar forças, o melhor é sentar-se a degustar um gâteau-piment, bolas feitas com massa de ervilhas condimentada com diferentes tipos de pimenta e coentros, ou um sumo de cana-de-açúcar acabado de fazer no encantador centro comercial Le Caudan Waterfront, junto das docas.
Menos acidentada do que a ilha Reunião, que se manteve francesa, a orografia de Maurícia inclui também formações montanhosas.
As primeiras a visitar são as que rodeiam Port Louis: Long Mountain e Le Pouce, que desenham uma espécie de fronteira entre a cidade e a vegetação bravia da ilha. A excursão ao cume de Le Pouce (811m) oferece uma panorâmica espantosa da cidade, da costa e da cordilheira Moka. Entre estas montanhas próximas da capital elevam-se os arranha-céus de Ebene, o CyberCity, um bairro de espampanantes edifícios resguardados entre a vegetação e o reluzente azul do céu, que se reflecte nas fachadas de vidro.
No 50.º aniversário da sua independência, em 2018, a ilha Maurícia engalanou-se para proclamar a sua história como um marco de êxito económico, graças sobretudo ao sector industrial e ao turístico. Em nome deste desenvolvimento, o governo designou o inglês como idioma oficial do país, apesar de apenas 1% da população dominar a língua: 80% fala crioulo, 12% bhojpuri indiano e 3% francês.
De Port Louis, a rota ruma para norte à procura de Grande Baie. É um prazer conduzir nesta ilha: renovadas e bem sinalizadas, as estradas abrem-se entre bosques frondosos que guardam surpresas, como o vulcão Troux aux Cerfs. Adormecido há dois milhões de anos, guardou uma cratera com 300 metros de diâmetro que, com o tempo, foi colonizada por centenas de pinheiros, canforeiras e palmeiras. É fácil caminhar até à sua orla, mas a descida à cratera torna-se perigosa e pouco recomendável.
Outro elemento da paisagem da Maurícia são as plantações de cana-de-açúcar, uma cultura introduzida pelos colonizadores do século XVII. O Norte da ilha alberga uma das mais antigas em redor da Maison Creole Eureka. Esta bonita casa de 1830, com alpendre e paredes brancas, parece saída de uma espécie de sonho entre campos cultivados e pequenas montanhas cor de esmeralda.
Apesar da imagem idílica, no passado foi um lugar pouco agradável para os escravos chegados de Madagáscar, Moçambique e outros países africanos. Esses homens e mulheres desenvolveram a língua que ainda hoje é usada no país, o crioulo mauriciano, e uma dança que acabou por se tornar tradicional na ilha, o sega, com a qual se divertiam nas noites em que se podiam afastar das casas. Se fechar os olhos e se escutar atentamente a forma como a brisa faz ondular as canas-de-açúcar, parece que se conseguem ouvir os sons alegres de cantigas e tambores desse tempo antigo.
O Jardim Botânico de Pamplemousses não está muito distante. Fundado no século XVIII, recebeu o nome devido a um tipo de toranja que se começou a plantar naquela época. Na actualidade, foi rebaptizado oficialmente com o nome de Sir Seewoogasur Ramgoolam, o pai da independência nacional.
Possui vários lagos com nenúfares gigantes, florestas de bambu dourado da Índia, tartarugas centenárias, papagaios... Na companhia de um guia, descobrem-se as espécies mais belas e curiosas da ilha.
Grande Baie é um lugar muito popular que reúne bonitas praias de águas calmas, como Pereybere, Merville ou La Cuvette, ideais para passeios de caiaque. A região atrai turistas e os próprios ilhéus, não apenas pela promessa de um mergulho inesquecível mas também pelos restaurantes e lojas que aqui se concentram. Nos cais construídos na baía, entre bares de mojitos e bancas de venda de cocos, descansam as embarcações que oferecem excursões de um dia até Îlot Gabriel nas proximidades. O ilhote com menos de um quilómetro quadrado e praticamente plano emerge a pouca distância da costa, rodeado por dezenas de tonalidades de azul, do índigo ao celeste, e está protegido por um recife que a espuma das ondas tinge constantemente de branco.
Apesar de toda esta beleza, pode argumentar-se que o maior tesouro da ilha Maurícia jaz sob as águas do oceano onde se esconde um autêntico labirinto de corais rosa, laranja ou amarelos habitado por centenas de espécies tropicais como os peixes-papagaio, os peixes-anjo e as raias. A aventura neste paraíso aquático é possível em mergulhos com garrafa ou em snorkel, que exige apenas máscara, tubo e barbatanas.
A viagem continua por estradas que cortam ao meio a densa vegetação selvagem do interior da Maurícia, em direcção à costa ocidental. Nesta maravilhosa franja litoral, que oferece alvoradas gloriosas sobre o oceano, têm surgido nos últimos anos projectos controversos de hotéis e resorts de luxo destinados ao turismo de lua-de-mel. Muitos apropriaram-se da maioria das praias, incluindo o acesso às mesmas. Por sorte, ainda restam tesouros intactos, como a Île aux Cerfs, ou a ilha dos Veados.
A Île aux Cerfs é uma das maravilhas naturais da ilha Maurícia. Embora já não existam veados de Java que foram introduzidos pelos holandeses no século XVII, é praticamente obrigatório dedicar um dia de visita a esta ilha. Idealmente, atraca-se aqui de catamarã ou em barco a motor, com almoço a bordo ou num pinhal à sombra. Sim, há pinheiros!
Nesta região, as palmeiras desapareceram e a imagem de paraíso tropical adquire um certo ar mediterrâneo. Propriedade privada, a ilha dos Veados, conseguiu preservar a sua beleza natural apesar da oferta hoteleira, do campo de golfe e dos inúmeros desportos aquáticos que se podem praticar aqui. Felizmente, mantém a sua condição de éden, um recanto onde ainda é possível mergulhar em águas cristalinas ou passear na orla marítima evitando pisar as estrelas-do-mar.
A costa leste e os seus hotéis ficam para trás quando se segue para sul, as terras mais indómitas da Maurícia. As estradas parecem servir novamente para ligar dois mundos díspares. Neste país, é fácil passar de uma paisagem de campos intermináveis para florestas tropicais repletas de abacateiros, ou saltar para a costa azul-turquesa do lago Ganga Talao ou Grand Bassin, uma lagoa rodeada de selva e venerada pela população hindu da ilha. Depois da abolição da escravatura em 1835, chegou à Maurícia numerosa mão-de-obra barata proveniente da Índia que, com o tempo, se converteria na comunidade religiosa predominante.
O lago Ganga Talao é um lugar sagrado para os hindus, que asseguram que as suas águas se ligam por baixo do oceano com as do rio Ganges na Índia. Trata-se, naturalmente, de uma lenda, mas, logo à chegada, uma enorme estátua azul de Xiva, com 33 metros de altura, dá as boas-vindas ao viajante com um sorriso tranquilo e uma serpente enroscada na cabeça. Atrás dela, estende-se o lago, com diferentes estátuas e pequenos templos que emergem pontualmente das águas.
O local é um singular recanto de paz onde qualquer viajante se sente mais próximo da Ásia do que do continente africano.
A costa mais meridional da ilha é também a mais bravia e, possivelmente por este motivo, a mais bonita. A calma da maioria das praias da Maurícia deve-se à protecção de uma barreira de coral que actua como muralha natural contra a fúria do oceano. No entanto, esta fortaleza de coral não se fechou a sul e a costa ficou à mercê das ondas do Índico, que moldou as rochas, talhou as escarpas e abriu enseadas de pedra vulcânica. Em comparação com o resto do território, o viajante encontra aqui poucas praias e as que existem estão associadas a penhascos de basalto, testemunhos de uma remota erupção vulcânica. Esta paisagem batida pelo vento parece nada ter que ver com os idílicos areais brancos de Grande Baie ou da ilha dos Veados. Ao chegar a Roche qui Pleure (A Rocha Que Chora) tudo se torna um pouco apagado e nostálgico. A singular pedra encontra-se a leste de Souillac, mais precisamente em Gris Gris. É um penhasco com dez metros de altura implantado na água. Quando é batido pelas ondas, parece verter lágrimas, segundo a tradição local. O efeito apenas resulta nos dias em que as ondas fortes levam a água a penetrar nas fendas e orifícios da rocha.
Nesta franja, destaca-se o lugar de Mahébourg, uma das principais aldeias piscatórias da ilha. Fundada pelos franceses na imensa baía de Grand Port, em 1804, conserva numerosos vestígios do seu passado militar, assim como um interessante museu naval.
Nas imediações, localiza-se uma pequena jóia natural, a Île aux Aigrettes, último reduto da floresta autóctone da Maurícia. Podem realizar-se visitas com guia à reserva. Outra visita interessante é oferecida pelo Parque Marinho Blue Bay, uma área de corais e abundante vida marinha visível a pouca distância da margem da sua bonita praia.
Souillac e a turística Bel Ombre são as outras aldeias que se destacam no Sul. Da primeira, acede-se à cascata de Rochester, uma queda de água com dez metros de altura que está cercada de selva. A estrada que penetra na ilha conduz ao coração do Parque Nacional Black River Gorges, um santuário onde se concentram 311 espécies de plantas endémicas e 9 de aves da Maurícia. O seu ponto mais elevado é Piton de la Rivière Noire, com 828 metros de altitude. É preferível prosseguir pelos caminhos costeiros e em Baie du Cap desviar o percurso, rumo a um dos pontos mais surpreendentes da ilha: a “terra de sete cores” de Chamarel, uma colina composta por camadas de diferentes tonalidades. Trata-se de um espectáculo visual invulgar, que serve de aperitivo a uma incursão na vizinha zona de protecção das tartarugas-gigantes. Mais à frente, uma varanda natural permite avistar as famosas cataratas de Chamarel, com 83 metros e compostas por duas línguas de água que deslizam pela rocha avermelhada.
Por fim, o Oeste é coroado por uma única e indiscutível rainha: a montanha Le Morne Brabant, com 556 metros e uma configuração singular. Este monte converteu-se num símbolo de liberdade no século XIX quando os escravos fugidos fundaram aqui, nas grutas e no próprio cume, pequenos assentamentos.
No sopé deste pico, encontram-se magníficas praias que culminam na famosa baía de Tamarin. A intensidade da ondulação converteu este local num importante destino para a prática de surf e kitesurf. Outra particularidade natural da zona é Crystal Rock, uma rocha talhada em forma de diamante que se ergue a meio da baía e que é a quimera dos amantes do snorkeling, pois aqui avistam-se centenas de peixes de múltiplas formas, cores e tamanhos. Um pouco mais distante da rocha, os golfinhos também permitem que os nadadores mais atrevidos se juntem às suas danças marinhas na alvorada.
Subindo a costa rumo a Port Louis, é fácil imaginar por que razão tantos impérios quiseram possuir esta ilha. É a mesma razão pela qual, na hora da partida, o visitante hesita sempre em despedir-se da ilha Maurícia.
Caderno de Viagem
Documentação. Passaporte.
Como chegar: Partindo de Portugal, não há voos directos.
A Air France e a British Airways fazem ligações através das principais capitais europeias.
Mover-se. Alugue um carro ou uma moto. Conduz-se à esquerda.