No Planalto, onde os vulcões viram as costas ao Pacífico, até às Caraíbas e à selva do Norte com os seus sítios arqueológicos, a Guatemala é um misto de realidade e fantasia. 

A viagem pelo país pode começar em Antigua, a 50 quilómetros de distância do aeroporto internacional e da Cidade da Guatemala, uma urbe indescritível como a maioria das capitais da América Central.

A bela Antigua existe por milagre. Pouco depois da sua fundação, em 1527, um deslizamento de terras enterrou-a. Os sobreviventes reconstruíram a cidade cinco quilómetros mais à frente, perto dos vulcões Agua, Fuego e Acatenango, três titãs que ultrapassam a cota de 3.700m de altura. Na nova localização, tiveram de suportar vários sismos até ao definitivo, de 1773. Nessa altura, as autoridades escolheram o vale das Vacas para fundar a Nova Guatemala de Assunção, a actual Cidade de Guatemala. Foi assim que a Muy Noble y Muy Leal Ciudad de Santiago de los Caballeros da Guatemala se tornou conhecida como “Guatemala arruinada”, Antigua Ciudad (Antiga Cidade) e, finalmente, Antigua.

Basta olhar para um mapa para reconhecer a quadrícula perfeita que serviu de inspiração à construção de Antígua. Este arranjo ordenado também se consegue ver ao subir ao Cerro de la Cruz. Daí, parece que se anda no tabuleiro de um jogo de mesa onde se deve seguir uma única regra para não nos perdermos: as ruas estão numeradas de leste para oeste e as avenidas de norte para sul. Os telhados desenham sombras nos paralelepípedos. As casas exibem fachadas de cor pastel com flores e grades de ferro forjado nas janelas. Nas ruas, os vendedores de artesanato dividem o espaço com carroças ainda puxadas a cavalos. Até as rachas resultantes dos sismos têm a sua beleza.

O conjunto compõe o local ideal para os primeiros passos na América Central e para o visitante se apaixonar por uma mistura cultural onde a alma indígena e os vestígios coloniais acrescentam cor não apenas aos edifícios mas também à arte, gastronomia, música, dança, vestuário e até à forma como se fala.


Antigua é uma das mais belas cidades coloniais da América Latina.  O Arco de Santa Catalina, com o vulcão Agua de Fondo, é um dos seus principais ícones. O animado Parque Central pode ser o ponto de partida para uma caminhada. A leste, a Catedral e as suas ruínas, a norte a Câmara Municipal, e a oeste, a dupla arcada do Palácio dos Capitães Gerais. Embora uma caminhada lenta pelas ruas propicie momentos únicos, o visitante não deve perder uma visita à Casa del Tejido Antiguo e aos museus locais. Deve igualmente sentar-se e tomar um café antes de explorar o mercado onde os vendedores são solícitos e nem esperam que os interpelem. Não deixe também de comer numa mesa popular um prato de mojarra servido com o típico cesto de tortilhas, o saleiro e um pote de pimentos chili.

Os autocarros escolares norte-americanos têm uma segunda vida na América Central e, na Guatemala, com algum trabalho de bate-chapa e pintura, transformam-se em parrilleras. Este meio de transporte popular só inicia a viagem quando se esgota a sua lotação e, como não há paragens fixas, deixa sair os passageiros sempre que estes pedem. 

A três horas de Antigua, estende-se outro horizonte de vulcões. Todos os viajantes se recordam da primeira vez que viram o lago Atitlán. É geralmente de cima, descendo para a costa por uma das estradas sinuosas. De súbito, surge uma grande superfície com cerca de 18 quilómetros de comprimento, entre o azul e a prata, cercada por três vulcões que ultrapassam 3.000 metros (Atitlán, Tolimán e San Pedro) e doze aldeias como doze mundos, nas quais vivem descendentes dos antigos maias. Dá vertigens pensar que as sondagens feitas a mais de 350 metros ainda não atingiram a profundidade máxima do lago.

Para começar a explorá-lo, o viajante deverá cruzar o lago a bordo de uma das embarcações tradicionais e deverá escolher o momento antes de o xocomil, o vento que segundo as gentes do lugar, expurga os pecados de cada um, começar a levantar ondas. No cais, encontrará certamente algumas crianças que o guiarão até ao hotel em troca de um punhado de quetzais, enquanto aqui e ali soa música descontraída.

Além de uma boa base para explorar as povoações do lago Atitlán, San Marcos tornou-se um retiro espiritual de grande sucesso. Nas ruelas pedonais, a caminho do cais principal, há alojamentos e centros de prática de ioga, gabinetes de massagens e de terapias alternativas.
Entre os estabelecimentos mais antigos, destaca-se o centro de meditação Las Pirámides, com mais de 20 anos. Há também restaurantes de comida vegetariana, bem como vendedores de fruta e vegetais biológicos. No topo da colina, surpreende ver um templo taoista.

Seguindo o contorno do lago rumo a norte desde San Marcos, o visitante pode aproveitar para passar a manhã no mercado de Sololá, frequentado pelos indígenas cakhiquel das áreas rurais. Perto, está Panajachel, mais conhecido como Pana, o núcleo mais populoso do lago. Se, no entanto, apontar o rumo para sul, surgirão algumas das aldeias mais interessantes da região. Primeiro San Pedro La Laguna, a mais visitada e também a mais movimentada. San Juan La Laguna, pelo contrário, tem uma atmosfera pacífica e tem gosto em mostrar os seus teares tradicionais e lojas de artesanato.

O lago Atitlán está implantado a meio do planalto, com a sua cintura de vulcões e aldeias de cultura maia.

Santiago Atitlán, a maior concentração urbana do lago, é conhecida por Maximón, o deus fumador a que os maias chamavam Rilaj Maam. Antes da construção da Estrada Interamericana, o caminho que passava por Santiago era a passagem principal de norte para sul do lago e da estrada para a costa.

Além da magia do lugar, que atrai milhares de viajantes todos os anos, as canoas rústicas dos pescadores recordam o frágil equilíbrio ecológico que o “mais belo lago do mundo” enfrenta, nas palavras do escritor Aldous Huxley. Apenas os vulcões parecem eternos.

Na Guatemala, os topónimos são encurtados. Por isso, o visitante não deve estranhar que, ao chegar à estação de autocarros, Chichicastenango se converta em Chichi. Chegado aqui, deve aproveitar a névoa matutina que nasce nas montanhas do departamento de Quiché, cujas populações indígenas preservam a herança maia na vida quotidiana. Foi aqui que chegou às mãos de Frei Francisco Jiménez um manuscrito, no qual o membro do clero intuiu referências a lendas antigas. Consciente do seu valor, transcreveu-o e traduziu-o entre 1701 e 1707. Era o Popol Vuh, o texto mais importante da civilização maia que chegou aos nossos dias, uma declaração sobre a natureza do mundo e do papel do homem nele. 

Acredita-se que a primeira versão foi escrita em língua quiché, entre 1550 e 1569.

Em Chichicastenango, o mercado, um dos mais famosos da América Latina, abre ao domingo e à quinta-feira. É um espaço barroco de cores e texturas marcadas e onde as bancas se acumulam na rua. Há pomadas, tecidos, artesanato de madeira e couro, vendedores persistentes e… pechinchas. Alguns vendem a cal virgem que se deita na água onde se coze o milho, utilizado para fazer as tortilhas imprescindíveis na culinária guatemalteca e na de outros países da região.

Num dos extremos da praça central, destaca-se a fachada branca da Igreja de Santo Tomás e, em frente, a Capela do Calvário do Senhor Sepultado. Dizem que ambos os edifícios estão ligados por um caminho místico: o primeiro representa o mundo superior maia; o segundo, o submundo, onde habitam os antepassados. Se for domingo, é possível ver algumas das catorze irmandades em procissão ao lado das rampas de vinte degraus, tantos quantos os meses do calendário maia. No interior de ambas as igrejas, pratica-se um sincretismo religioso que perdura desde que a conquista espanhola forçou a evangelização dos povos indígenas. É proibido tirar fotografias, avisam ao entrar. Não há bancos e estão espalhadas pelo chão velas coloridas, garrafas de álcool, oferendas diversas e agulhas de pinheiro. Dos incensários surge o fumo, como uma cortina a separar dois mundos. 

A lendas vão desfilando e com elas avançam os quilómetros. Num trecho da Estrada Pan-americana, é possível fazer uma paragem em Quetzaltenango, a cidade simpática da Guatemala.

Cercada por vulcões e montanhas, Xela, tal como ela é abreviada do quiché, é a capital alternativa do Sudoeste do país. Mais silenciosa e segura do que a Cidade da Guatemala, Xela permite que o viajante observe a vida quotidiana. Aqui ainda se podem encontrar meninos que, por meia dúzia de moedas, vendem um copo de leite recém-ordenhado. O viajante pode passear pelo Parque Centroamérica e pelo movimentado mercado, onde se vêem mulheres que guardam os telemóveis nos huipiles tradicionais, um sinal da modernidade incontrolável.

A vegetação tropical domina os arredores da povoação de Zunil, especialmente no balneário de Fuentes Georginas, de onde a água jorra a 40ºC. Dali segue-se rumo a leste, em direcção a Cobán, na Alta Verapaz. A estrada atravessa paisagens escarpadas que abrigam aldeias dispersas. O desvio para Semuc Champey oferece uma pausa refrescante e um banho na sua cascata de água cor de turquesa.

Nesta região, com sorte, o viajante consegue ouvir um piar agudo e, ao olhar para o céu, talvez vislumbre o mítico quetzal, a ave cujas penas coloridas e longas da cauda lhe conferem o aspecto da serpente voadora do deus maia Kukulkán.

Todas as lendas apontam para as ruínas das cidades maias. Para as encontrar, é necessário viajar até Petén. Este departamento do Norte é o mais extenso e menos populoso da Guatemala. Ali, entre diferentes sítios arqueológicos, encontra-se o Tikal, classificado pela UNESCO como Património Mundial. Por si só, as ruínas de Tikal valem uma viagem à Guatemala.
O Parque Nacional de Tikal está integrado na Reserva da Biosfera Maia e é a maior área de floresta tropical da América Central.

O visitante não pode deixar de subir ao Templo da Serpente Bicéfala, onde a cada passo parece que se está a recuar no tempo, sobretudo à noite, quando há algo mágico na luz crescente que empurra a escuridão, como se com a aurora chegasse o primeiro dia de todos. Os textos maias do Popol Vuh contam que no princípio só havia vazio, mas Tepeu e Kukulkan, os criadores, decidiram que o homem surgiria com o amanhecer.

Tikal foi a capital de um dos reinos mais poderosos da civilização maia, mas não foi poupada ao declínio, tal como as restantes cidades.
O seu período de esplendor coincidiu com o Período Clássico, entre os anos 250 e 900, a partir do qual a região viveu um lento crepúsculo até o seu abandono. As marcas dos últimos colonos afastam-se da cidade deixando para trás 1.500 anos de história. A selva não tardou a reclamar o espaço, mas não apagou todo o conhecimento maia, que perdurou na forma de lendas e costumes.

O calcário cinzento das antigas estruturas contrasta com o verde absoluto; as raízes aparecem aqui e ali, sugerindo que a qualquer momento a selva pode reivindicar novamente o seu espaço. Quem por ali passeia impressiona-se com a complexidade e imponência do Templo do Grande Jaguar, com a beleza do espaço da Grande Praça, com as máscaras de estuque e relevos mitológicos, com a altura atingida pelo Templo da Serpente Bicéfala, um autêntico arranha-
céus maia.

No regresso ao planalto e à capital, os viajantes reencontram--se com a beleza das Caraíbas.
A Guatemala é o país com maior diversidade étnica na América Central, provavelmente devido à variedade de territórios. A costa caribenha quente é a casa dos garífunas, localizados principalmente em Livingston, uma localidade do departamento de Izabal. Situada na foz do rio Dulce e a curta distância da fronteira com o Belize, o seu principal acesso é o navio que a liga a Puerto Barrios, num percurso de hora e meia. Ali, os campos de milho, o planalto e as ruínas já parecem distantes.

Em Livingston, está-se mais próximo de Bob Marley do que dos maias. Pode dizer-se que a cultura garífuna é a combinação de costumes e crenças caribenhas e africanas que encarnam a alma das Caraíbas: uma alegria descontraída e plena de cores. A sua origem remonta a 1635, quando um navio espanhol cheio de escravos se afundou perto da ilha de San Vicente. A população da ilha acolheu os náufragos que ali chegaram a nado. Quando o navio já era apenas um destroço, os escravos e caribes já estavam miscigenados, dando origem, com o tempo, aos garífunas. Expulsos da ilha em finais do século XVIII, os garífunas fundaram, no século XIX, várias aldeias na costa das actuais Honduras, Guatemala e Belize.

GUATEMALA

CHICHICASTENANGO. Uma parrillera passa por baixo do colorido Arco de Gucumatz.

Uma viagem de canoa subindo o rio Dulce, “mais parecido com uma cena de fadas em terra de titãs”, como descreveu o explorador John Lloyd Stephens em 1841, devolve o viajante ao huipil e ao milho. É aquela Guatemala que se situa entre o onírico e o real. 

A visitar:

 Antigua. Esta cidade colonial possui edifícios de interesse histórico em cada rua. Conventos, palacetes, igrejas, mercados e lojas de artesanato e café da região. Várias empresas organizam excursões aos três vulcões que rodeiam a cidade. 

Cidade da Guatemala.
A capital é conhecida pelo nome Guante. Na Zona 10, encontram--se dois museus imprescindíveis dos povos pré-hispânicos: o de Ixchel e o de Popol Vuh.

Lago Atitlán. Rodeado por vulcões, oferece algumas das mais belas imagens do planalto guatemalteco. As populações que vivem nas suas margens mantêm vivas tradições pré-coloniais, algumas das quais fundidas em ritos católicos. 

Chichicastenango. É um prazer passear por esta cidade de ruas de paralelepípedos com igrejas e casas de azulejos vermelhos. Tem um mercado movimentado às quintas e domingos.

Zunil. Neste povoado típico do planalto, vale a pena visitar a cooperativa têxtil das mulheres da localidade. Perto encontram-se as Fuentes Georginas, piscinas termais conhecidas há séculos.

Tikal. A grande cidade maia (século VIII a.C.) da selva de El Petén contém pirâmides, templos com estelas e inscrições.

Livingston. Situada na costa caribenha, é habitada por uma população garífuna de origem caribenha. Recomenda-se um passeio fluvial no rio Dulce.

Caderno de Viagem

Documentação: passaporte

Moeda: quetzal

Hora: menos 8 horas

Como chegar: não há voos de Portugal. Em média, o voo dura 10 horas, com escala em Madrid

Como deslocar-se: Metro na capital, autocarro, táxi e tuk-tuk nas cidades. Para o resto do país, carro alugado, “pullman” ou autocarros de longo curso e parrilleras (camionetas).

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