O calcário manda aqui. Se não fosse ele e se não existissem cursos de água subterrânea, não haveria grutas de Mira de Aire, bem como as suas irmãs gémeas menores dos Alvados e de Santo António.

Corria o ano de 1947. Primeiro vieram as pessoas da terra, que desceram a pulso agarradas a cordas que balançavam com o peso. Não sabiam o que poderiam encontrar, mas a curiosidade falou mais alto. Na pequena galeria de entrada, fazia escuro como breu e as pedras que eram arremessadas não cumpriam as funções dos drones da actualidade – praticamente não havia som de retorno. Os aventureiros voltaram dias mais tarde, percebendo que, diante deles e pelo que a escassa luz dos gasómetros deixava perscrutar, havia um espaço amplo e abafado. Depois, vieram os espeleólogos, ansiosos de desvendar o que ali estava escondido. E sentiram-se como certamente se sentiu Howard Carter quando espreitou por uma brecha do túmulo do faraó Tutankhamon, não se contendo quando tentou explicar o que via: “Wonderful things.”

Na realidade, quando as grutas começaram a ser devidamente estudadas, revelaçções igualmente maravilhosas surpreenderam: galerias, corredores, riachos subterrâneos, poços e, acima de tudo, uma profusão de estalactites e estalagmites, algumas das quais a rivalizar em beleza com as majestosas colunas do antigo mundo helénico. Se as ordens jónica, dórica e coríntia marcaram essa distante era da criação humana, aqui as formações obedeceram à regra da água que penetra na rocha porosa e, gota a gota, edifica uma esplendorosa obra da natureza.

Os trabalhos de estudo não pararam e rapidamente se percebeu que as grutas eram muito mais do que se poderia supor. O primeiro impacte é dado pela Galeria Grande, uma verdadeira catedral a céu aberto, que engloba a Fonte das Pérolas, as Galerias do Polvo, o Órgão e o Rio Negro. Aqui, o visitante, que o pode fazer abertamente desde 1974, mal sabe se deve olhar para as estalactites e estalagmites que apontam umas para as outras ou atentar nos rendilhados das paredes que parecem escorrer como cera de uma vela.

Depois de devidamente mapeada, chegou-se à conclusão de que a gruta permite ser visitada ao longo de 600 metros, com desníveis de mais de 200 metros de profundidade, e com uma extensão total de 11 quilómetros, embora possam ainda ser encontrados mais labirintos no futuro.

Antes de sair e enfrentar a claridade que está acima da gruta, experimente olhar num último instante para as estalactites e estalagmites: não é perceptível a olho nu, mas cada uma delas cresce um pouco por cada século que passa. São uma ampulheta do tempo geológico.

As visitas são conduzidas obrigatoriamente por um guia.

mapa Grutas

Infografia de Anyforms Design. Fonte: “Espeleomergulho nas grutas de Mira de Aire: importância para o conhecimento da rede espeleológica, a captação de água subterrânea e a divulgação das grutas turísticas” (2014)