A povoação espraia-se no horizonte e a vista abarca um nevoeiro que a cobre quase integralmente. Mais perto, o visitante apercebe-se de que, na realidade, não se trata de neblina, pois a mancha de nuvens de baixa altitude não larga os orifícios que rasgam o solo. As casas, quase todas brancas com as janelas debruadas de rocha negra, são dispersas e é muitas vezes entre elas que estas fumarolas saem e se esfumam no ar.
Um dos aldeãos, ataviado com molhos de plantas de milho, aproxima-se cautelosamente de um desses orifícios, ata-lhes uma corda e, a uma distância cuidadosa, mergulha-as para o interior da terra. O cheiro a enxofre é marcado, mas o milho é rapidamente içado pouco depois. As maçarocas são retiradas e apresentam-se cozidas, ainda mais amarelas do que já são por força do banho no subsolo. Mais tarde, são lavadas exaustivamente e tornam-se um dos complementos da sua refeição ou, caso a sorte lhe bata à porta, vendidas aos escassos visitantes da aldeia.
A escassos quilómetros dali, por estrada, surge um dos postais-ilustrados de São Miguel. Num dos rebordos da lagoa homónima, as fumarolas e os poços de lama fervente quase tapam a visão da água-chã e as tabuletas alertam para a necessidade de caminhar pelos trilhos demarcados. Fora deles e para lá das vedações, é território perigoso. Mas há quem lá ande: protegidos com luvas e fatos grossos, removem um pedaço de terra marcada e retiram um panelão de generosas dimensões, que sai a fumegar do buraco onde esteve escondido durante várias horas. Dali, são encaminhadas para os restaurantes que se distribuem pela ilha e onde o cozido das Furnas é um dos pitéus mais apreciados pelas papilas gustativas dos turistas.
A maioria dos visitantes de São Miguel ruma primeiro para oriente e guarda a aldeia das Furnas para o segundo ou terceiro dia de visita.
No entanto, tudo o que esta paisagem abrange ajuda a explicar a origem vulcânica de São Miguel. A terra e a água são quentes devido ao magma que anseia por emergir à superfície, a lava abundante é testemunha das convulsões sob a crosta terrestre, as caldeiras dos vulcões deram origem a caldeiras onde se confinam lagoas de águas plácidas e as fontes termais agradecem a sua existência aos movimentos das placas tectónicas onde assentam.
Fonte: “Anatomy of a fumarolic system inferred from a multiphysics approach”. Nature Scientific Reports (2018). Infografia de Anyforms Design
Dois dos grandes momentos altos para quem visita São Miguel situam-se a meio caminho entre a aldeia das Furnas ea lagoa homónima e que correspondem a autênticos hot spots aquáticos. De facto, se a lagoa das Furnas é obrigatória, o Parque Terra Nostra não o é menos. É uma vasta piscina de água quente acastanhada, devido à alta concentração de ferro e que, como tal, não deve impor estranheza a quem nela se banha, tanto mais que tem aplicações terapêuticas. A rodeá-la, estão implantados frondosos jardins que abrigam inúmeras espécies de plantas e árvores exóticas. Não é difícil perceber que, por aqui, o magma está mais perto da superfície: abundam riachos de água fumegante e pequenos lagos borbulhantes que aconselham cautelas. São bonitos de ver, mas não de tocar.
A escassa distância do Parque Terra Nostra, existe algo semelhante mas com um conceito diferente, como é o caso do Poço da Dona Beija. O espaço é um conjunto de cinco tanques contíguos em sentido ascendente, com diferentes profundidades, e onde em cada um a água tem temperaturas que variam, embora a média seja de 39ºC. Uma das suas vantagens é que tem um horário alargado e que se pode prolongar até à noite.
Toda a ilha de São Miguel é um espelho de fenómenos geológicos e de uma arrebatadora beleza paisagística, mas é nas Furnas que melhor se assimila como a ilha emergiu dos fundos submarinos para enfeitiçar para sempre quem a demanda.