Texto: Ángeles González-Sinde

Donatello, Masaccio, Filippo Lippi, Ghirlandaio, Botticelli, Miguel Ângelo, Bronzino, Leonardo, Rafael e Vasari são nomes estreitamente ligados a Florença. É inevitável, numa visita à cidade, encontrar as suas obras mais cedo ou mais tarde. Talvez não tenhamos tanta consciência de que a cidade do humanismo está igualmente ligada às restantes artes. Da literatura com Dante Alighieri e a sua “Divina Comédia”, com Boccaccio com o seu “Decameron” ou com “O Príncipe”, de Maquiavel, escrito para um dos Médicis. Até o pioneiro laboratório fotográfico dos irmãos Alinari, aberto em 1854 e ainda activo, hoje transformado em Museu da História da Fotografia (na Praça Santa Maria Novella), sublinha que o vínculo entre Florença e a cultura não cessou. Actualmente, mal o tempo quente começa, multiplicam-se as actividades culturais em todos os recantos da cidade.

Maio é um mês nobre. O Maggio Musicale Fiorentino já vai na 80.ª edição e transforma a cidade num gigantesco auditório. A cultura musical invade as ruas, sempre cheias com a expectativa de ver celebridades da ópera. Junho, por seu lado, é o mês em que a cidade recupera o calcio (futebol) na sua versão mais primitiva. 

Na Praça da Santa Cruz, reconstituem-se jogos tal qual se jogavam em 1580 e com a indumentária da época. Há cavalgadas, exibições de grupos mascarados e fogo-de-artifício sobre as águas do rio Arno na noite de 24 de Junho, coincidindo com a Festa de São João.

No ano 59 a.C., os romanos fundaram Florentia como um porto fluvial, embora só no século XI, com a condessa Matilde, a cidade tenha honrado essa raiz portuária e tenha iniciado o seu imparável florescimento. A condessa era aliada do papa e abrigou na cidade as ordens religiosas que fundaram conventos e igrejas, concedendo forais e sinecuras aos nobres e à emergente classe abastada em troca de apoio contra o império carolíngio. Depois da sua morte, a cidade declarou-se autónoma e os mercadores e artesãos ganharam poder negocial. 

Em breve, famílias como os Médicis destronaram os aristocratas – por vezes após conflitos sangrentos. Para legitimar e consolidar o seu prestígio, os comerciantes ricos encomendaram as suas residências a arquitectos e artistas, o que, somado à pujança das ordens religiosas, explica a acumulação e variedade de obras-primas em Florença.

Uma visita prolongada a Florença tem o condão de afastar um primeiro véu de deslumbramento, permitindo depois descobrir tesouros mais reservados. 

No entanto, a primeira impressão pode ser enganadora e pode bem acontecer-nos o mesmo que a Stendhal que, ao dar-se conta de que a beleza não tinha fim, sofreu um autêntico ataque de angústia. Para o evitar, e se não dispusermos de muitos dias, convém resignarmo-nos de antemão e tirar partido do passeio a pé, dado que grande parte do centro é pedonal.

O rio Arno divide a cidade e facilita a localização, bem como os sempre visíveis campanários, torres e cúpulas dos edifícios principais. Para além disso, o rio obrigou à unificação das duas partes da cidade através de pontes, como a Ponte Vecchio, possivelmente uma das mais visitadas no mundo. Desde 1343, há quatro bairros históricos, que podem ser usados como referenciais para subdividir a visitar: o Duomo, Santa Maria Novella, Santa Croce e Oltrarno. 

Devemos começar pelo Duomo e admirar com calma a genial cúpula de Brunelleschi, o Campanário de Giotto, o elegante baptistério octogonal e o Museu da Ópera, que paradoxalmente nada tem de musical, visto que este é o local onde se conservam e restauram as obras-primas da Catedral. Próximo daqui, encontramos a Basílica de São Lourenço, com a cripta dos Médicis, e a Academia da Arte, outro ponto obrigatório de paragem: aqui está o famoso “David”, de Miguel Ângelo, entre muitos outros clássicos da escultura.
A Praça da República fica a escassos metros, em pleno centro histórico, através de ruelas onde se amontoam os palácios das grandes famílias florentinas. Como um grande rio, desembocamos na zona de Santa Maria Novella, onde está a igreja do mesmo nome.

O Centro do Poder

Continuando e retrocedendo até ao rio, convém dedicar algumas horas à Piazza della Signoria, onde se ergue o Palazzo Vecchio, residência dos Médicis e sede do governo florentino durante sete séculos. Na mesma praça, também se encontra a Galeria dos Uffizi, que reúne 3.800 obras criadas pelos artistas mais famosos dos séculos XVII e XVIII. Este museu recebe mais de um milhão de visitantes por ano.

Se para além do luxo do passado lhe interessar o presente, ficará animado com a visita a dois museus dedicados à arte do vestuário e do calçado: o Museu Gucci, instalado num palácio do século XIV;
e o Museu Salvatore Ferragamo, perto da Rua Tornabuoni, onde os antigos grémios de artesãos do couro e da seda têm dignos descendentes.

O bairro de Santa Cruz herdou o nome da basílica franciscana fundada em 1295. Ali perto, está enterrado Maquiavel e o cenotáfio de Dante também não dista muito. A sua fachada neogótica só foi terminada no fim do século XIX. É interessante passar pela Piazza dei Compi com o seu mercado diário de antiguidades e ver a Casa Buonarrotti de Miguel Ângelo, onde o famoso artista viveu durante algum tempo.

Cruzamos a Ponte Vecchio sussurrando a bela ária de Puccini “O mio babino caro” e assombramo-nos perante a acumulação de ourivesarias, que se estendem até ao bairro Oltrarno. Tal como o seu nome indica, este é o bairro da outra margem do rio. É obrigatório visitar o Palácio Pitti, a Igreja do Santo Espírito, os frescos de Masaccio em Santa Maria del Carmine e o Jardim de Boboli, mas devemos igualmente deambular pelas ruas e conhecer os artistas modernos. Ourives, restauradores, galeristas, bordadeiras, cesteiros, encadernadores, vidreiros, ceramistas, marceneiros e chapeleiros criam objectos incomuns e genuínos em oficinas fascinantes. A arte e as manufacturas que antigamente foram fontes de riqueza continuam vivas nesta cidade que, desde a sua origem, deslumbra o visitante com a sua beleza.