É provável que não saiba o que são quelhas. Nas aldeias do Pinhal Interior, onde as resinosas moldaram a paisagem e as actividades económicas, as quelhas são as vielas estreitas, passagens encaixadas na pedra para facilitar acessos e aproveitar o espaço exíguo. Na aldeia da Figueira, há várias onde não é difícil imaginar a vida há largos séculos – mais simples, sem os confortos modernos e onde os rebanhos faziam parte da riqueza da família.
Também as cancelas se integram nesta narrativa. No passado, estas vedações de madeira permitiam que a aldeia se fechasse no seu interior, como um sistema de portas que protegia a Figueira durante a noite dos predadores mais ambiciosos. Renovadas, várias cancelas da aldeia contam esta história e recordam-nos que a povoação está enraizada no vale há muitas gerações.
Outro símbolo é o búzio. Sem um sino para marcar as horas, a população agrícola era avisada das etapas relevantes do dia pelo som de um búzio soprado na aldeia, ora marcando o momento de partir para a seara, ora assinalando a altura de regressar a casa ou de preparar o jantar.
A Figueira está integrada na Rede das Aldeias do Xisto, mas é um caso à parte. Há uma década e meia, eram poucos os edifícios “puros”, de xisto, à moda antiga. As influências do estrangeiro, as comodidades modernas e o gosto de cada um tinham construído uma aldeia retalhada, onde cada casa parecia contar uma história diferente. É verdade que se manteve sempre o forno comunitário, onde ainda hoje se coze o pão. Os animais percorriam as ruas empedradas, marcando ritmos e estações e os socalcos dos arredores da aldeia foram sempre consagrados à agricultura e ao olival. Mas faltava uma certa unidade. Surgiu então um movimento singelo. Uma atrás da outra, as casas foram sendo restauradas com métodos de construção modernos, mas com uma estética que vinha de longe. Na Figueira, o xisto é como uma infecção benigna: vai alastrando e marcando novas habitações. Cada casa, cada varanda, cada floreira expressam o gosto do seu proprietário, mas respeitam o fio narrativo da aldeia.
E depois há os sabores. A Figueira cativa também pelo estômago. O mel é o produto de eleição e na Casa da Ti Augusta, restaurante cuja fama ultrapassa fronteiras, o cabrito assado torna-se a metáfora da transformação em curso na aldeia: também este delicioso prato regional requer tempo e dedicação porque, definitivamente, na Figueira, os relógios deixam de marcar o tempo e as noites correm ao sabor da conversa, dos saberes de antanho e da memória das rochas.
A Figueira é ainda um ponto importante da Grande Rota da Cortiçada, um percurso marcado de 135 quilómetros no concelho de Proença-a-Nova consagrado às tradições, património e biodiversidade local. Cortiçada foi o primeiro topónimo de Proença, talvez devido à abundância de cortiça na região. Hoje, é o nome de uma grande rota que o levará à descoberta das manchas de fauna autóctone mas também da imponente Torre da Vigia projectada por Siza Vieira na serra das Talhadas, onde conseguirá apreciar, em 360 graus, a acidentada paisagem da região.