Poucas imagens são tão facilmente reconhecíveis pelos portugueses como a do homem de bigode e chapéu de aba larga que todos associam ao infante Dom Henrique. Faz parte do imaginário colectivo que fundou em Sagres uma escola náutica que teria desempenhado uma papel crucial para as viagens que os navegadores portugueses empreenderam nas décadas seguintes. Hoje, sabemos que a figura dos Painéis de São Vicente talvez não corresponda ao infante e que não existe evidência histórica de que essa escola tenha existido, mas basta chegar a Sagres e ver como o cabo de São Vicente e a Ponta de Sagres se projectam como dois dedos apontados a sudoeste para compreender que dificilmente se encontrava melhor ponto de partida para uma viagem com destino a sul.
Calcula-se que anualmente, todos os outonos, mais de dois mil milhões de passeriformes abandonem a Europa quando o Inverno se aproxima. Dirigem-se então para sul. A estes juntam-se milhões de aves de rapina, cegonhas, garças, limícolas e aves marinhas. Na Primavera seguinte, as mesmas aves regressam. Sem desvalorizar as façanhas dos navegadores portugueses, milhares de anos antes de estes se fazerem ao mar, já pequenas aves, por vezes com menos de 20 gramas, empreendiam viagens épicas que só recentemente começámos a compreender.
A maioria das aves evita longas travessias sobre o mar e por isso converge para locais como o estreito do Bósforo ou de Gibraltar. No entanto, como muitas seguem a linha de costa para se orientarem, percorrem a costa portuguesa e quando chegam a Sagres cruzam directamente para África ou prosseguem ao longo da costa em direcção a Gibraltar.
Apesar das que aqui passam serem uma ínfima parte das que cruzam aquele estreito, todos os outonos podem ser observadas milhares de aves de rapina de quase todas as espécies que ocorrem no país.
Há 30 anos, ornitólogos e conservacionistas portugueses compreenderam que Sagres constituía um ponto estratégico para estudar as migrações e as populações destas aves e organizaram campanhas de monitorização e observação de aves. Mais recentemente, a partir de 2010, a Câmara Municipal de Vila do Bispo, em parceria com a SPEA e com a Associação Almargem, organiza um evento que alia a ciência à divulgação e que apela à participação do público. No Festival de Observação de Aves de Sagres, que se tem realizado nos últimos dias de Setembro ou nos primeiros de Outubro, os participantes podem realizar passeios de observação em diferentes habitats, saídas de campo para observar flora, morcegos ou insectos, passeios de barco para observação de aves marinhas, golfinhos e baleias. Podem ainda participar em sessões de anilhagem, em palestras e frequentar cursos de introdução à observação de aves.
A beleza natural da região de Sagres, associada ao espectáculo da migração, devidamente enquadrada por um festival que nas últimas edições contou com mais de mil participantes, constitui um evento em que todos deveriam participar pelo menos uma vez. Difícil será, depois, não regressar nos anos seguintes.