Os mais velhos recordam com nostalgia como antigamente não se terminava a quarta classe sem saber os rios, as linhas de caminho-de-ferro e os afluentes do Tejo. A discussão sobre o privilégio da memorização ou alternativamente da compreensão e do estímulo da curiosidade é interessante mas, para ser séria, não pode basear-se numa falsa dicotomia. As duas são certamente necessárias. Quando um rio assume a importância na história, na economia, na cultura e no imaginário dos portugueses como o rio Tejo, talvez valha a pena reter que ele nasce a 1.593 metros de altitude na serra de Albarracín, na fronteira entre Aragão e Castela-a-Mancha. Mil quilómetros a jusante, desagua no oceano junto de Lisboa, mas pelo caminho foi historicamente o sustento de muitas comunidades. No século XIX, a escassez e a pobreza impostas pela impossibilidade de procurar sustento no mar durante períodos prolongados de mau tempo levou os pescadores da costa a empreenderem viagens sazonais para as margens do Tejo. Muitos vinham da região de Vieira de Leiria e alguns acabaram por trocar definitivamente o mar pelo rio, passando a ser conhecidos como os Avieiros do Tejo. O fenómeno não é inédito: “ratinhos”, “gaibéus” ou “ílhavos” também se deslocavam sazonalmente para sul para trabalharem na lavoura.
Alves Redol interessou-se por estes trabalhadores e dedicou-lhes alguns dos seus primeiros e mais icónicos romances. Os avieiros instalaram-se entre Santarém e Vila Franca de Xira e, na região, podem ainda encontrar-se herdeiros destas actividades em vários lugares, mas porventura nenhum se encontra tão bem preservado como Escaroupim, onde se localiza de resto o pequeno museu que dá a conhecer a importância do Tejo para estas comunidades.
No centro desta pequena povoação no meio da fértil lezíria, a Rua Praia da Vieira não deixa margem para dúvidas relativamente ao seu passado. Hoje, o sável, as enguias e a lampreia tornaram-se tão raros que é difícil imaginar como poderiam os avieiros aspirar no futuro a ser mais do que uma curiosidade etnográfica. Curiosamente, os cais e as casas palafíticas, construídos para resistir às cíclicas cheias do Tejo, talvez se mantenham imprescindíveis num cenário de cada vez mais prováveis fenómenos climáticos extremos em que as cheias podem voltar como acontecia antes de o caudal do rio ser regularizado por incontáveis barragens.
Mesmo em frente de Escaroupim, na ilha a meio do rio, cobertos de salgueiros, as garças, colhereiros e íbis instalaram uma colónia e podem dar-se passeios de barco no rio e tomar contacto próximo com a vida ditada pelos caprichos das estações. Talvez num futuro próximo, os conhecimentos ancestrais de quem vivia do que a natureza dava de forma generosa voltem a ser valorizados e os pescadores possam recuperar algum do saber destes nómadas do rio.