A curiosidade e a perspicácia dos espanhóis da povoação vizinha de Alburquerque, Aurélio Cabrera e Hernandez Pacheco, permitiram então identificar e divulgar, cientificamente, o primeiro conjunto de arte rupestre esquemática em Portugal. Primeiro foi o Abrigo dos Gaivões, onde estranhos traços faziam adivinhar, na voz do povo, gaivões a esvoaçar – a Lapa dos Gaviões, assim lhe chamaram na oralidade raiana.
Pouco depois da descoberta, em plena Primeira Grande Guerra, o famoso pré-historiador francês, Abade Henri Breuil deslocou-se aqui para apreciar a grande descoberta. Não entenderam os guardas locais a língua estranha que falava e menos ainda a sotaina que trazia vestida e, confundido como espião alemão, logo lhe deram ordem de prisão. Depois, ao longo de todo o século XX e XXI, arqueólogos de diversas nacionalidades, mas sobretudo portugueses, identificaram na freguesia da Esperança o maior conjunto de abrigos com arte rupestre de características esquemáticas de Portugal. As cores predominantes destas pinturas variam entre o vermelho-escuro e o laranja-claro resultante de pigmentos minerais recolhidos na base das cristas quartzíticas que coroam as cumeadas da aldeia da Esperança. Mas estes óxidos de ferro não ficaram esquecidos na pré-história. O ocre alaranjado misturado na cal, maioritariamente proveniente de terras de Marvão, permitia colorir as casas mais abastadas desta pequena freguesia. Esta mistura possibilitava maior impermeabilização das habitações e resistência dos revestimentos. Porém, a variante cromática que nesta freguesia se encontra reflecte-se igualmente e alicerça-se na tradição milenar da arte parietal.
Raras são as habitações – modestas ou abastadas – que não apresentem variados, pitorescos e simbólicos elementos gráficos nas fachadas, chaminés, portas e janelas desta pequena aldeia. Desde os inspirados e recortados “alisares” que emolduram portas e janelas às majestosas chaminés profusamente decoradas e com sinalética expressionista da profissão dos seus proprietários, a mensagens escritas, algumas autênticos testamentos, ou testemunhos de herança, de tudo se encontra nas fachadas destas casas, onde numa os recursos financeiros dos seus proprietários permitiram perpetuar, em azulejo, a saudade do velhinho canídeo, de seu nome Piloto.
A arte parietal pré-histórica que se encontra nos abrigos renovou-se nas fachadas das casas desta pequena aldeia. Envolve-se a povoação em torno do centenário templo dedicado a Nossa Senhora da Esperança, sua padroeira. O templo cristão desenvolveu-se apartir de uma islâmica quibla (Cuba) que hoje configura o altar-mor do templo quinhentista, também ele profusamente decorado com frescos e azulejos.
Lendas, histórias de encantar de bezerros de ouro e estranhas luzes que se acendem em noites mais escuras e sinos que se ouvem nos cerros vizinhos confundem-se com vestígios arqueológicos que justificam a presença de tantos abrigos com arte rupestre por estas paragens. Lá do alto da serra do Cavaleiro onde se rasga a mais fantástica gruta com arte rupestre, avista-se o apelativo santuário do Rei Santo, que encima as muralhas, já diluídas, do que foi um eminente povoado pré-histórico e que em épocas de guerras fronteiriças serviu de atalaia.
É um local de forte devoção onde acorrem gentes de todas as paragens que cá vêm pagar promessas ao “Senhor Rei Salvador do Mundo”. Assente sobre uma proeminente quibla (Cuba) transformada na centúria de quinhentos em santuário cristão é profusamente decorado. Lá mais em baixo, não longe das antas da Nave Fria, águas frescas e curativas consolam os peregrinos que se atrevem a subir a pé ao santuário e pagar a promessa anual.
Do contrabando, especialmente café, de torrefacção local, de seu nome próprio Caracolilho, destinado quase exclusivamente a Espanha, viveram as gentes menos abonadas da Esperança, a curta distância da vizinha Codosera e sobretudo da confusa povoação do Marco. El Marco do lado de Espanha, o Marco do lado de Portugal, povoações irmãs mas separadas por estreita ribeira transposta pela ponte internacional que se diz ser a mais pequena do mundo, onde um pé se distende para Espanha e outro se apoia em Portugal. Por estas terras não se fala nem português, nem espanhol e todos se entendem num linguarejar raiano.
A ribeira de Abrilongo separa os dois países, mas como fonte de vida que é, mais aproximou os dois povos. As gentes da raia portuguesa peregrinam ao Santuário Mariano de Chandavila, para os lados da Codosera, procurando a protecção da milagrosa Mãe celestial, enquanto os da raya de lá, em Agosto, rezam à Senhora da Esperança em território português.
A Igreja de Nossa Senhora da Esperança destaca-se do casario circundante. O templo data do século XVI.
Os suculentos vinhos que por terras lusas, sobretudo nos vales do Junco e Hortas de Baixo, se produzem cativam os vizinhos espanhóis que, no entardecer dos verões quentes, enchem as tabernas da Esperança, enquanto a mais desoras os portugueses procuram as esplanadas frescas da vizinha Codosera provando o que por lá se cria, sempre ensaiando o linguarejar raiano em que se entendem.
A arte milenar que os visitantes hoje procuram nas dezenas de grutas e abrigos dos arredores da Esperança, porque muito frágil, deve ser visitada com a mesma sensibilidade como as mãos dos pré-históricos de há mais de cinco mil anos souberam preparar as tintas com que ilustraram tectos e paredes e que, sabiamente, chegaram até nós e se reinventam nas fachadas e chaminés das casas da aldeia da Esperança, onde também a arte é a última a morrer.