O Curral das Freiras é uma referência incontornável na ilha da Madeira, seja pela localização, história, características biofísicas ou qualquer outra perspectiva de análise. Para os de fora, a primeira visão do Curral das Freiras é, tradicionalmente, a partir de vários dos fantásticos miradouros no alto das imponentes montanhas que se alinham no maciço montanhoso da ilha como a Eira do Serrado, a Boca dos Namorados, a Boca da Corrida ou o Montado do Paredão. Percebe-se o Curral das Freiras, instalado sobre os depósitos criados por inúmeros eventos naturais de erosão hídrica, deslizamentos, derrocadas que a natureza foi promovendo ao longo de milhões de anos a que se junta alguma modelação humana num exercício quase impossível, se se quiser juntar alguma racionalidade.
Apesar da aparente continuidade sugerida pelas pequenas estradas que juntam o casario do núcleo urbano principal do Curral, percebe-se a ocupação histórica associada a cada fajã, enquanto espaço e oportunidade de sobrevivência. A Fajã das Galinhas, a Fajã dos Cardos, a Fajã Escura, o Colmeal, a Fajã do Capitão, entre outras, são verdadeiras ilhas de uma ilha.
Expressão singular da combinação entre acaso e necessidade, o Curral nem sempre foi de freiras. Nos primórdios da colonização da ilha da Madeira, deverá ter sido local de utilidade pastorícia, favorecendo, pelas barreiras naturais, a concentração e manutenção do gado. Era simplesmente o Curral.
As freiras, humanas, tomaram conta do Curral, como dote pela entrada no Convento de Santa Clara, das filhas de João Gonçalves da Câmara, um dos primeiros capitães-donatários do Funchal, que em 1480 se tornara proprietário dos terrenos desde o Passo da Cruz até à cabeceira da Ribeira dos Socorridos. Por altura das invasões corsárias francesas, no século XVI, oCurral foi o refúgio protector para as freiras de Santa Clara, cuja presença se juntou, em definitivo, à toponímia do local.
Séculos depois, em 1968, com base em gravações de cantos de outras freiras, Alexandre Zino, Gunther E. Maul e Francis Zino, guiados por Lucas, um pastor do Curral das Freiras, protagonizaram a fantástica redescoberta da freira da Madeira, uma ave marinha que até essa data se considerava extinta. A freira da Madeira (Pterodroma madeira) é uma espécie muito próxima da freira do Bugio (Pterodroma feae), sendo uma ave marinha muito rara que nidifica exclusivamente no maciço montanhoso da ilha. Muito provavelmente, estas aves devem o nome vulgar ao seu canto, o qual, aos ouvidos dos pastores das serras do Curral, terá sido associado a um coro de freiras.
Ao longo dos tempos, a ocupação humana do Curral foi acrescentando valências compatíveis com as características edafoclimáticas e com as necessidades decorrentes do aumento populacional. Tempos certamente difíceis pela escassez de acessos e tecnologia, pela necessidade de adaptação às condições naturais, incluindo eventos meteorológicos adversos com o que isso tem implicado, historicamente, no Curral das Freiras.
Apesar de todas as limitações, a presença e trabalho das freiras do Convento de Santa Clara ajudou a acrescentar outros elementos que hoje integram a lista de características típicas do Curral das Freiras. Se hoje a castanha é rainha, as nozes, limões, laranjas, cerejas, sidra, ginja, e algum vinho foram fonte de grande rendimento para os cofres do Convento de Santa Clara.
A Festa da Castanha, celebrada no início de Novembro, é o maior evento que arrasta anualmente milhares de pessoas ao Curral das Freiras, que experimentam o fruto em múltiplas aplicações como o licor, as broas, as sopas, os bolos ou o pão.
Para algo verdadeiramente diferente, o Curral das Freiras oferece, em Maio, a Mostra do Brigalhó.
O brigalhó é o tubérculo de uma planta endémica da Macaronésia, (Arum italicum ssp. canariensis), que ocorre na Madeira, Açores e Canárias, em áreas húmidas e sombrias. A utilização deste tubérculo, semelhante ao inhame, ilustra tempos de escassez extrema em termos alimentares. A sua utilização requer cozedura mínima de 24 horas. Sendo colhido entre Abril e Junho, merece honras de mostra promovida pela Casa do Povo do Curral das Freiras durante um mês.
O Curral das Freiras é cercado, a montante, pelas imensas paredes das montanhas, sendo atravessado pela ribeira dos Socorridos, uma das principais linhas de água da ilha da Madeira, de cuja bacia derivam algumas levadas importantes como a Levada do Curral e Castelejo ou a Levada dos Piornais. Alguns dos percursos pedestres mais interessantes (e exigentes) da Madeira nascem ou passam pelo Curral.
O Percurso Recomendado n.º 2 (PR2), a Vereda do Urzal, tem pouco mais de dez quilómetros, que se fazem em 4 a 5 horas e tem o seu início na Fajã dos Cardos, no Curral das Freiras, seguindo um antigo caminho que liga o Sul da ilha à Boaventura, na encosta norte. Chegar ao Curral a partir da Boca dos Namorados ou da Boca das Torrinhas ou partir do Curral rumo à Boca das Torrinhas, podendo subir até ao Pico Ruivo, oferece perspectivas tão excitantes como o exercício associado. Já uma voltinha pela Fajã dos Cardos, pela Fajã Escura e pelo Colmeal, o roteiro do Caminho das Voltas ou o roteiro do Pico e Lapa Branca, são um excelente exercício de história sobre um mundo rural ímpar.