c1.jpg

Os tradicionais muretes de pedra protegem a vinha da maresia e do vento. Tudo na cultura do vinho picaroto exigiu músculo e tenacidade.

A ilha do Pico é um caso excepcional no contexto de todo o arquipélago açoriano. Não é apenas por acolher a mais alta montanha do país, cujo pico, a 2.351 metros de altitude, se mostra quase sempre, desde que as nuvens o permitam, incluindo quando se avista a partir das ilhas mais próximas. Aqui, porém, o basalto conta uma história de tradições e tenacidade dos picarotos. É uma história de coragem e de luta pela sobrevivência em condições adversas e agrestes.

criação velha

A encosta da montanha do Pico, desde o início da colonização, esteve sempre revestida de escoadas que o vulcão foi jorrando e que se agarrou firmemente ao solo, formando tapetes de basalto de difícil domesticação. Dificilmente, seria o solo ideal para uma cultura agrícola, mas os picarotos gostam de contar a história de como os frades franciscanos chegaram à ilha. Um deles, de seu nome frei Pedro Gigante, decidiu plantar na sua horta um bacelo numa nesga de terra que assomava timidamente entre a rocha bruta e negra. O pé de vinha acabaria por florir e, depois deste sucesso que extravasou os limites da ilha, mais pessoas começaram a testar o mesmo: plantar vinha no mais improvável dos terrenos, tentando fazer prevalecer a vontade humana face às vontades da natureza.

ilha do pico

Aqui, os recursos foram sempre escassos e a força de braços, apoiada por instrumentos rudimentares, foram as armas para dar corpo à empreitada. A rocha foi perfurada e, nessas efémeras fendas, introduziu-se terra juntamente com pés de vinha. A missão parecia ter chegado a bom porto, mas surgiu uma adversidade: o vento noroeste soprava forte e qualquer rajada mais ríspida podia deitar todo o trabalho por terra – literalmente.

Para proteger os frágeis pés de vinha, levou-se a cabo uma ideia que acabaria por moldar definitivamente a paisagem da ilha. Usando a rocha disponível, contruíram-se muretes de protecção para garantir o florescimento da vinha.

criação velha

A UNESCO classificou esta Paisagem Cultural da Vinha do Pico como Património Mundial e, desde então, o visitante pode percorrer diversos percursos pedestres onde encontra estes muretes, as relheiras (as marcas deixadas pela constante passagem de carroças sobre a rocha), as casas de abrigo, os maroiços e descansadouros; as adegas, alambiques e armazéns; os poços de maré, terminando nos portos de embarque do delicioso néctar da ilha.

criação velha

O ponto de partida é na Madalena, um dos principais centros urbanos da ilha, e é nas suas imediações, no pequeno povoado de Criação Velha, que se concentra a área mais significativa da heróica história da plantação da vinha da ilha do Pico. Entre os muretes de pedra, alguns moinhos dão cor à paisagem negra e sempre com a grande montanha como pano de fundo, encerra-se esta jornada com uma prova do suave sabor do Verdelho, ex-líbris vinhateiro da ilha do Pico que galgou muros e fronteiras.