Escondem-se supostamente em lagos isolados e florestas densas e vagueiam por montanhas cobertas de neve. No entanto, apesar de serem negados pela ciência os criptídeos – monstros fantásticos que provavelmente não existem - fascinam e assustam os seres humanos há séculos.

A África Ocidental tem a criatura dos pântanos Ninki Nanka, o Japão o monstruoso polvo Akkorokamui e a Irlanda o carnívoro híbrido de cão-e-lontra Dobhar-chú. Contudo, os seres míticos que mais parecem intrigar os viajantes continuam a ser o monstro do Lago Ness, na Escócia, o Yeti, no Himalaia, o Yomie, na Austrália, e o Bigfoot, na América do Norte. Este último, uma mistura de símio e humano parecido com Chewbacca contribui para a economia dos E.U.A. com uma receita anual superior a 140 milhões de dólares, segundo dados do International Criptology Museum, em Portland, no estado do Maine.

Estes criptídeos inspiraram festivais, filmes, podcasts e um campo de estudo de nicho denominado criptozoologia: a busca por criaturas mágicas. São o foco de navios de cruzeiro e de excursões na natureza e dão o seu nome a bares, hotéis, restaurantes e até a uma companhia aérea. Imediatamente antes do início da pandemia da COVID-19, uma empresa escocesa gastou quase 3 milhões de dólares num novo centro para visitantes ligado à lendária serpente do Lago Ness.

Quer as pessoas acreditem ou não nos criptídeos, o criptoturismo dá aos viajantes a oportunidade de explorarem destinos menos populares de uma perspetiva singular. Em seguida, contamos-lhe como comunidades da Europa, da Austrália e do Nepal estão a aproveitar o seu apelo místico para ajudarem as suas indústrias turísticas a recuperarem da pandemia.

O aparecimento de uma lenda moderna

O criptídeo mais famoso do mundo é provavelmente a “Nessie”, a enorme criatura marinha que, supostamente, assombra as águas com cerca de 250 metros de profundidade do Lago Ness. Desde o seu alegado primeiro avistamento, há cerca de 1400 anos, o monstro do Lago Ness tem causado ondas de polémica constantes.

Monstro do Lago Ness

Esta fotografia do monstro do Lago Ness, captada em 1934, atraiu a atenção global para a Escócia. Apesar de a imagem ter sido exposta como uma fraude em 1994, centenas de turistas visitam o lago todos os anos na esperança de vislumbrarem o alegado monstro. Até à data mais de mil pessoas afirmam ter visto Nessie. Fotografia de Keystone.

O missionário inglês St. Columba escreveu pela primeira vez sobre este monstro mítico em 565 d.C. Alegadamente Nessie feriu um nadador e estava prestes a magoar a outro quando Columba interveio e afugentou o animal até este se retirar nas águas escuras do lago. Os avistamentos ocorreram de tempos a tempos ao longo dos séculos seguintes, contribuindo para alimentar ainda mais o mito.

Em 1934, esta lenda local tornou-se viral quando um médico inglês captou uma imagem daquilo que afirmou ser Nessie com o seu pescoço comprido e cabeça bulbosa emergindo aparentemente do lago. A imagem desencadeou uma sucessão de acontecimentos que transformaram o Lago Ness, anteriormente um local pouco conhecido, num dos lagos mais famosos da Europa.

As excursões em busca do monstro do Lago Ness começaram pouco depois, diz Gary Campbell, responsável pelo website oficial de avistamentos do monstro do Lago Ness, no qual estão registados 1143 encontros ao longo de 26 anos. Em 2019, o turismo de Nessie era uma indústria no valor de 47 milhões de dólares.

A pandemia não diminuiu o encanto de Nessie. Nos primeiros oito meses de 2022, 149. 000 visitantes fizeram excursões ao lago com a empresa Loch Nesse by Jacobite, segundo a sua directora, Freda Newton.

“Toda a gente quer acreditar na Nessie. Vemos isso todos os dias na cara dos visitantes”, afirma. “Existe uma excitação palpável nas pessoas, quando embarcam nos nossos navios, por talvez, só talvez, conseguirem vislumbrar a nossa amiga mais esquiva”.

Gordon Menzies, director da empresa Castle Cruises Loch Ness, estima que mais de 70 por cento dos seus clientes visitem o lago por causa de Nessie. Ele passou a vida a pensar nesta lenda. “Acho altamente improvável que uma criatura pré-histórica ainda exista neste local”, diz Menzies. “Mas tendo em conta a escuridão das águas do lago, não vejo qualquer razão para rejeitar a existência que algo que ainda não tenhamos identificado”.

Folclore vs. Ciência

Embora Nessie se tenha tornado um pouco kitsch, o criptídeo mais famoso da Austrália, o Yowie, está entranhado nas profundezas do folclore de uma das mais antigas comunidades do mundo: os aborígenes australianos.

Após a colonização do país pelos britânicos, em finais do século XVIII, os aborígenes fizeram-lhes um aviso assustador. As florestas verdejantes que lhes tinham roubado camuflavam monstros bípedes peludos com 3 metros de altura e 135 quilos. Os Yowie são respeitados, mas também evitados pelo povo aborígene porque podem ser perigosos”, diz Tony Healy, co-autor de vários livros sobre criptídeos australianos. “Os anciões [aborígenes] com quem falei consideram os Yowies uma espécie de espírito guardião da natureza.”

Yowie

Este desenho retrata o Yowie, uma criatura semelhante a um símio que o folclore arborismo dizia habitar zonas isoladas do interior australiano. Fotografia de Charles Walker Collection.

O primeiro alegado avistamento de um Yowie ocorreu na década de 1830, quando um homem europeu disparou a sua espingarda contra um destes animais em Kangaroo Island, ao largo da costa sul da Austrália. Desde então, segundo o criptozoólogo australiano Gerry Opit, que investiga o Yowie há 50 anos, houve centenas de supostos encontros. As criaturas estavam concentradas na grande divisória, uma série de cordilheiras montanhosas e planaltos com 3700 quilómetros de comprimento que se estende para norte a partir de Victoria atravessando New South Wales (NSW) e Queensland.

Cientista ambiental, Opit guia excursões em busca do Yowie nesta região bravia. Cerca de 90 por cento dos participantes são turistas estrangeiros que gostam de explorar locais isolados onde ocorreram alegados avistamentos de Yowies, como Mount Warning, no norte de NSW, e a vizinha Springbrook Mountain. Apesar de serem tema de discussão há milhares de anos, só na última década é que os Yowies se tornaram uma atração turística, afirma.

Bigfoot

Vários países do sudeste asiático usam o Yeti, uma criatura semelhante ao Bigfoot da América do Norte, para se promoverem como destino turístico, como se pode ver neste selo do Butão de 2014. Fotografia de Doreen Fiedler.

A cerca de 8000 quilómetros de distância, em Katmandu, no Nepal, o criptoturismo está ainda mais bem estabelecido, remontando à década de 1950. O seu foco é o Yeti. Com até 1,80 metros de altura e aparência semelhante ao Yowie e ao Bigfoot, esta criatura lendária vagueia alegadamente pelos picos cobertos de neve dos Himalaias e é uma figura proeminente no folclore do Nepal, do Butão, da Índia e do Tibete.

A sua história tem 6000 anos, diz Ram Kumar Panday, geógrafo nepalês e autor de vários livros sobre o Yeti. No entanto, o animal peludo era um conto de fadas regional até o explorador britânico Eric Shipton afirmar ter fotografado uma pegada de aparência hominóide com 33 centímetros na neve do glaciar nepalês de Menlung, a oeste do Monte Evereste, diz Panday.

A imagem invadiu vários jornais e televisões de todo o mundo. Os exploradores não tardaram a inundar os Himalaias, competindo entre si para encontrar o criptídeo. O dilúvio de visitantes estrangeiros levou o governo do Nepal a criar regulamentos estritos para a caça ao Yeti, que implicava que os envolvidos só fotografassem e não fizessem mal a quaisquer criaturas que ali encontrassem.

Ao longo das décadas seguintes, o Yeti tornou-se uma marca turística de sucesso no Nepal. A pegada do animal é o logótipo da companhia aérea nacional, a Yeti Air Lines, enquanto restaurantes, cafés e empresas turísticas capitalizam graças ao seu nome. No início de 2020, o governo do Nepal tornou o criptídeo uma peça central da sua campanha turística, colocando dezenas de estátuas do Yeti em locais populares.

Parte intrínseca do folclore nepalês, o Yeti é uma atração turística digna de nota, diz Panday. Os viajantes intrigados pelo monstro devem caminhar até Mahalangur Himal. Essa região bravia do Himalaia, lar de muitos dos picos mais altos do mundo, incluindo o Monte Evereste Lhotse, Cho Oyu e Malaku, é o principal habitat do Yeti e palco da maioria dos seus avistamentos, afirma.

Os visitantes da região podem aprender dezenas de lendas sobre o Yeti com as suas comunidades Sherpa. Pergaminhos ancestrais guardados em mosteiros dos Himalaias contam a história sobre o nascimento do Yeti, filho de uma mãe tibetana e um símio gigante de Mahalangur, explica Panday.

himalaia

Mahalangur Himal, mais conhecido por alojar alguns dos picos mais altos do mundo, é um local popular para avistar o Yeti. Fotografia de Istock.

Outros nepaleses mostram-se mais cépticos. Sushil Nepal, um guia de viagens veterano de Katmandu, conta que acha que os Yetis são um embuste desde criança. Agora, quando os seus clientes lhe perguntam sobre o monstro, responde-lhes que ele é amplamente considerado um mito. Nepal diz não gostar do criptoturismo, que rouba protagonismo à fabulosa arquitetura e tradições ancestrais do país.

“Não acho que o Yeti seja uma ferramenta valiosa para promover o turismo do Nepal”, afirma. “Temos imenso património cultural tangível e intangível. O Nepal deveria focar-se na sua diversidade natural, que tão rica é.”

Muitos investigadores são igualmente ambivalentes em relação a este criptídeo. Em 2017, análises de ADN realizadas a alegados dentes, cabelos e pêlo de Yeti, publicadas na Proceedings of the Royal Society B, concluíram que este monstro mítico poderá ter sido inspirado em animais reais – os ursos preto e castanho do Himalaia.

Os académicos também deram explicações científicas para os criptídeos australianos e o monstro do Lago Ness, mas estas lendas persistem. “As pessoas sempre se sentiram fascinadas por coisas da natureza que nos confundem, coisas que não conseguimos compreender”, diz Opit. “Isso não vai mudar tão cedo.”

Mais Sobre...
Grandes Reportagens