A criação das primeiras áreas protegidas nos Estados Unidos, ainda durante o século XIX e as primeiras em Portugal 100 anos mais tarde, afirmavam-se mais como elementos identitários e de fruição colectiva do que como redutos de preservação da biodiversidade onde idealmente a presença humana deveria ser nula ou pelo menos reduzida ao mínimo.

No século XXI, esta dicotomia entre áreas que convidam à fruição da paisagem ou que inversamente a desencorajam talvez já não faça tanto sentido porque percebemos agora que o contacto com a natureza é fundamental para que ela possa ser coletivamente percepcionada como merecedora do nosso respeito. Na Área Metropolitana de Lisboa, vivem quase três milhões de pessoas que gastam a maioria do seu tempo fechadas em escritórios e são cada vez mais as que aproveitam os seus momentos de lazer em contacto com a natureza. Classificada pela UNESCO como Património Mundial, a Paisagem Cultural de Sintra conserva um afamado património arquitectónico. Desde o início do século XX, esta extensão foi anteposta pela nobreza, burguesia e até mesmo por reis para fruição de veraneio.

No coração de uma das zonas mais densamente urbanizadas do país, a serra de Sintra oferece condições extraordinárias para caminhadas, escalada, observação de fauna e flora e, claro, para a prática de BTT. Há muitas modalidades passíveis de prática sobre uma bicicleta e, só dentro das praticadas fora de estrada, vale a pena sublinhar que a serra de Sintra oferece óptimas condições para o gravel, o cross-country, o enduro ou o downhill com opções para todos os níveis técnicos ou de preparação física. Perante a imensa oferta de percursos, a única dificuldade é escolher.

Encetamos a nossa jornada circular na Penha Longa – outrora uma quinta de caça da realeza portuguesa e, no século XV, um mosteiro da Ordem de São Jerónimo. Começamos a subir pela “rocha longa” de forma suave e sem extensas inclinações em direcção a noroeste. O pedalar lento funde-se com a respiração deste ar puro aromatizado pelo odor refrescante das resinosas.

Ao alcançarmos o Convento dos Capuchos, fantasiamos a vida de outrora, totalmente despida de riquezas. Este claustro franciscano de reduzidas dimensões contrasta com a opulência dos palácios vizinhos. Os enormes blocos de granito integram-se com a construção humana pré-vigente nesta casa “divina”. Foi deixado intacto o bosque primitivo em redor do convento por opção dos anciãos que aqui habitaram. Manteve-se assim vívido o exemplo da mais notável mancha de floresta nativa de Sintra.

Impulsionados pelo cenário exuberante, trepamos até aos 488 metros de altitude do místico Santuário da Peninha. Uma ermida centenária crente a São Saturnino está na origem das construções romântico-revivalistas erguidas por António Augusto Carvalho Monteiro (proprietário da Quinta da Regaleira) em 1918. Em dias de boa visibilidade, podemos observar desde o Guincho até ao cabo Espichel, à serra da Arrábida e, para norte, apreciar para lá de Mafra. Inicia-se aqui uma longa descida.

mapa penha longa sintra

Ilustração: Anyforms Design

De guiador orientado para as falésias do cabo da Roca, rola-se por zonas rurais, demarcadas por muros de pedra, protectores das fortes maresias. De regresso à estrada, seguimos pela N247 em direcção ao Grupo Desportivo da Malveira da Serra, onde sem temor nos lançamos pelo impetuoso trilho que desce até à praia do Abano. É invulgar que, com a sua proximidade à capital, se consiga coexistir harmoniosamente com águias, falcões, corujas, gaviões, cobras, salamandras, raposas, ginetas e aves marinhas.

Ladeando a praia do Guincho, seguimos para a pitoresca aldeia de Murches. Ali encontramos o Parque Urbano das Penhas do Marmeleiro, onde se recomenda cruzar o vale, seguindo a ribeira das Vinhas. É um local que convida a apreciar a sua geomorfologia única.

As pedaladas ligam-nos à Quinta do Pisão. Neste parque de natureza, os visitantes são presenteados pela pluralidade de vivências ligadas à biodiversidade. É frequente partilharem-se aqui os caminhos com burros, ovelhas e cavalos. Adiante, depois de percorrer os cumes da serra, florestas e enseadas à beira-mar, o circuito fecha-se. Se tem veia de desportista, talvez o tenha completado em meio dia. Se parou para fotografar e para um piquenique, é natural que tenha gasto um dia inteiro. Em ambos os casos, certamente que foi uma oportunidade para recarregar baterias e encarar mais uma semana de trabalho.