O caminho não é fácil, entre um emaranhado de troços de estrada de terra batida e outros lanços em que o alcatrão já foi carcomido pela voracidade do tempo. Depois, não há muito que enganar: pouco mais além da aldeia da Barriosa, sabe-se que se chegou ao destino final por aquilo que os ouvidos escutam e pelo que a vista alcança. O troar da água da ribeira de Alvoco a cair do precipício de dez metros não dá margem para dúvidas e a vegetação, exuberante mesmo no Verão, capta todos os restantes sentidos. O cenário é onírico e é impressionante como tão escassa linha de água consegue comportar cinco cascatas.
Apesar de a ribeira estar perfeitamente encaixada nos ziguezagues de xisto, este pedaço de paraíso recebeu intervenção humana, dando o mote para a sua designação: há cerca de dois séculos, o cultivo dos terrenos agrícolas da região era uma tarefa árdua, dada a dificuldade do acesso aos meandros apertados por onde corria a ribeira. Então, para que a agricultura fosse mais bem aproveitada, desviou-se o curso original das águas mediante cortes no xisto através de brocas, provocando o surgimento de uma cascata e, escassos metros adiante, uma lagoa em forma de poço.
Este relato de engenho humano rapidamente é esquecido quando se chega à beira-água, mesmo que esta seja fria, como é característico dos rios de montanha. Afinal, a serra da Estrela é logo ali acima.
O Poço da Broca é um especial engodo para os dias de canícula. Miúdos e graúdos aproveitam para chapinhar na água e os mais intrépidos saltam do topo da cascata. Resista, porém, à tentação de ficar pela primeira queda-d’água: suba a ribeira no sentido contrário ao seu curso e encontrará locais mais planos onde se percebe quão cristalinas são as águas. Não há por isso motivos de surpresa quando se avistam peixes, anfíbios ou inofensivas cobras-de-água. Só no Inverno são desaconselhadas as visitas porque as cheias resultantes da chuva e do degelo podem constituir um perigo.
Sucedem-se novas cascatas, não tão íngremes como a primeira, mas todas com um encanto especial na ribeira de Alvoco. O Poço da Broca não é habitat exclusivo para os amantes das praias fluviais. Nas margens, devido à humidade, as plantas pintalgam o cenário de um verde exuberante e as garças, os melros-de-água, os guarda-rios e ocasionais lontras também reclamam aquele pedaço de território. Para terminar da melhor forma um dia passado no Poço da Broca, não deve descurar o restaurante de cozinha tradicional portuguesa, o Guarda-Rios, à beira da primeira cascata. E quem diz um dia pode também dizer dois ou três, pois este recanto da região sudoeste do Parque Natural da Serra da Estrela merece mais do que uma visita porque nunca cansa.