cascata da frecha da Mizarela

Uma vez chegados à planura da vila de Arouca, é impossível não reparar na elevação montanhosa que coroa a localidade. Pode correr-se as ruas de Arouca, pode visitar-se o Mosteiro de Santa Maria, deve provar-se os doces conventuais e franquear as portas de um restaurante para saborear a carne arouquesa. Mas a vontade impele lá para cima, pois o apelo da montanha é irresistível.

A demanda não é fácil. A estrada que ascende até 1.100 metros de altitude requer atenção redobrada: tem curvas cegas em ziguezagues e estreituras tangentes à falésia, mas a montanha não deixa de exercer inexoravelmente a atracção, como se tivesse um íman instalado no seu bojo. A serra da Freita tem múltiplas facetas, cada qual mais do que suficiente para satisfazer as preferências do visitante. Tem praias fluviais, paredes de escalada, trilhos para passeios pedestres, aldeias com casas de xisto talhado com minúcia a escopro e martelo. E tem fenómenos geológicos que justificaram cientificamente a criação de um geoparque – o Arouca Geoparque Mundial da UNESCO foi o segundo fundado em Portugal (entretanto, já existem cinco).

Com este propósito em mente, o troar das águas não pode deixar ninguém indiferente. Ouvidas a certa distância, basta rumar até às imediações da Casa das Pedras Parideiras – Centro de Interpretação, um dos fenómenos mais curiosos dos granitos daquela área e que por tradição garantem a fertilidade feminina. Uma visita a este espaço, fundado em 2012, ajuda a compreender a natureza geológica da serra e as forças que a moldaram.

O perfil da cascata assenta numa primeira queda-d’água longa, que cai a pique como um falcão-peregrino em busca de uma presa, e, depois, desdobra-se em quedas mais pequenas por socalcos, conduzindo as águas do rio Caima a despenharem-se desde uma altura de 60 metros. A sua origem radica, uma vez mais, em questões geológicas, pois o rio abriu caminho entre o granito e, ao mesmo tempo, foi erodindo o xisto, uma rocha menos dura que cedeu naturalmente ao ímpeto da água, no contacto entre estas duas rochas distintas, marcado por uma falha geológica. É provável que as dezenas de praticantes de canyoning não pensem nisto enquanto escalam, mas sem estas forças combinadas a maior cascata de Portugal continental não existiria.

O observador pode sentir-se tão absorvido pela queda-d’água que, por vezes, não tem olhos para o entorno cénico onde a Cascata da Frecha da Mizarela está alojada, mas as suas encostas íngremes apresentam vegetação exuberante, com resquícios preciosos da laurissilva e fagossilva, como o loendro, o rododendro, o carvalho-alvarinho e o carvalho-negral, entre outras espécies protegidas, como os endémicos saramago-das-rochas eo cardo-corredor-gigante.

Pode, efectivamente, não avistar toda a diversidade da Frecha da Mizarela, mas esta não escapa ao olhar sagaz de algumas aves que a escolhem como refúgio. É um privilégio para as águias-cobreiras e para os melros-das-rochas, que não podiam encontrar local mais idílico durante as suas viagens migratórias.