Da superfície, vê-se o fundo bem desenhado a mais de vinte metros de profundidade. Esvazia-se o ar do colete de mergulho e deixa-se cair até ao fundo. Voa-se no azul até assentar nas rochas, cercado por águas cristalinas e tépidas.
A meio caminho, por vezes, já é possível vislumbrar os grandes peixes a pairar acima da vegetação marinha. No fundo, sobre areia negra, pousam-se as barbatanas.
No mesmo instante, talvez um mero de bom porte, certamente com mais de dez quilogramas, observe o intruso a pouco mais de um metro de distância. Este notável peixe tem o corpo castanho escuro com pequenas manchas amarelas no dorso e flancos. Observando com minúcia, até os parasitas transportados são visíveis, bem como o globo ocular agitando-se com curiosidade e o movimento das barbatanas peitorais.
Sendo os meros fiéis aos seus territórios, muitos mergulhadores reconhecem-nos e baptizam os diferentes indivíduos.
Este local é conhecido como “Caneiro dos Meros”, a primeira reserva marinha voluntária do país. Alguns peixes de grande porte vivem aqui e, quando os mergulhadores nadam por este local, os animais mais curiosos aproximam-se sempre dos intrusos, não os temendo. Omnipresentes nestas águas, os peixes-rainha, as castanhetas e as garoupas dão as boas-vindas aos recém-chegados. Vê-los-ão talvez como estranhos homens-rã que, de vez em quando, precisam de regressar à superfície. Os “caneiros” são essencialmente canais encaixados entre muros de pedra de vários metros de altura (escoadas de lava). Tipicamente, têm areia no fundo e alguma vegetação. Quase todos os mergulhos neste local asseguram avistamentos distintos – consoante a época do ano, a abundância dos meros varia, mas a experiência é sempre notável.
Como uma pequena comunidade, os meros respeitam-se pelo tamanho e os maiores ditam as regras. Aos mais pequenos resta o consolo de se afastarem e observarem as novidades à distância.
Por cima da parede rochosa, não é invulgar que um cardume de pequenos lírios nade descontraidamente, quase indiferente aos mergulhadores. Avistam-se também cardumes numerosos de anchovas, salemas, sargos e enxaréus.
Num mergulho tradicional, o computador oscila entre 20 e 17 metros de profundidade e, lá no fundo, não é incomum encontrar outro ícone da fauna marinha açoriana: o peixe-cão. O fundo tem ainda outros animais que merecem atenção, mas, perante os grandes peixes, poucos ligam aos invertebrados que ali existem.
Símbolo da preocupação açoriana com a conservação da natureza, o Caneiro foi proposto por agentes locais (pescadores e mergulhadores), como se fosse um depósito a prazo num banco. A reserva protege os animais que os turistas procuram, permitindo que o fluxo não se interrompa. É, a uma micro escala, um exemplo de planificação e visão. E continua a ser, quase trinta anos depois, um dos melhores locais do país para o mergulho.