Nos Jogos Olímpicos de 2020, estrearam-se cinco desportos e um dos que mais deu que falar foi a escalada desportiva. Entre os praticantes e aficionados, a solução encontrada para enquadrar um desporto que se desdobra em tantas modalidades não foi isenta de críticas. Os cépticos queixaram-se que a escalada exige aptidões semelhantes às de um atleta que fosse competente na maratona e nos 100 metros. Nos Jogos, os atletas competiam em três modalidades distintas: “dificuldade”, “velocidade” e “bloco”.

Na serra de Sintra, um grupo reúne-se todos os fins-de-semanas em torno da paixão pelo “bloco”. Para os leigos, a escalada confunde-se muitas vezes com o montanhismo, que exige, como o nome indica, relevos agrestes. Nos Jogos Olímpicos, no entanto, os atletas que competiram podem nunca ter subido a uma montanha e podem nunca ter vencido a gravidade com as mãos e pés colados a uma rocha por terem treinado toda a vida num ginásio. A escalada transformou-se numa modalidade urbana, mas este grupo não troca o canto das aves, o ar fresco da serra e uma escova para remover os musgos das ínfimas presas de que depende para se segurar por um ginásio limpo e climatizado.

As diferentes rotas de escalada são classificadas de acordo com o grau de dificuldade que tipicamente descreve o segmento mais difícil. O “bloco”, ou bouldering, prescinde das ligações comparativamente acessíveis e foca-se na superação de problemas física e tecnicamente exigentes. Os praticantes descrevem cada desafio, que pode consistir em ascender a um pequeno bloco de pedra com três ou quatro movimentos, como “um problema” e a sua dificuldade nada tem que ver com a altura ou com o risco envolvido. Em vez de cordas, arneses, plaquetes e entalhadores, os praticantes de “bloco” usam apenas os pés de gato, um saco com magnésio e enormes colchões que amortecem as quedas muitas vezes em posições obtusas. Há 20 anos, Ricardo Alves, conhecido por todos no meio como “Macau”, iniciou as suas romarias semanais à serra. Foi resolvendo problemas consecutivamente e acabou por sentir o desejo de partilhar o conhecimento acumulado. No ano passado, publicou um ambicioso volume com mais de quatrocentas páginas que, com recurso a fotografias, mapas e esquemas, descreve mais de 1.200 problemas na serra.

Bouldering

O livro, escrito em inglês, colocou o destino de escalada no radar internacional e aos poucos têm aparecido em Sintra atletas internacionais que se propõem solucionar projectos que os portugueses ainda não conseguiram. Nos últimos anos, a escalada deixou de ser um nicho reservado a excêntricos. O filme Free Solo, premiado com um Óscar, certamente deu um contributo, mas na serra há milhares de blocos de pedra ainda por explorar. “Macau” não está preocupado e terá certamente a noção de que há material para mais volumes. O dia fresco de Inverno aproxima-se do final e a luz doce do crepúsculo já procura caminho entre os ramos baixos das árvores, mas estes atletas ainda não estão satisfeitos. Põem os colchões às costas e vão procurar a algumas centenas de metros um novo problema.

Conseguir ou não chegar ao topo no monólito de pedra não parece ser o mais importante. Entre os breves momentos de intenso esforço físico comenta-se o que o amigo pode fazer diferente, como pode colocar o pé noutra posição ou balançar o corpo para superar aquela dificuldade. Esta é uma das especificidades desta modalidade: é realmente praticada em grupo e permite um convívio diferente do de escaladores pendurados numa corda.

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