A água desenha as paisagens de África, brinca com elas e transforma-as a seu gosto. No Botswana, é tão valiosa que o nome da sua moeda, a pula, significa «chuva» em setswana.

Da aridez e da desolação das dramáticas paisagens do deserto do Kalahari à humidade e frescura do maior delta interior do mundo, o elemento líquido dota o Botswana de alguns dos ecossistemas mais peculiares e diferentes do planeta. Este elemento natural é gerido por uma estratégia turística baseada nas premissas de «menor quantidade e menor impacte» e beneficia da estabilidade política e de uma variedade invejável de infra-estruturas (das acomodações luxuosas aos acampamentos), que transformam o país num diamante em bruto para presenciar o espectáculo da natureza africana.

Com uma superfície quase sete vezes superior à de Portugal e um quinto da população, o Botswana parece um país desabitado e, de facto, é mais fácil avistar animais do que pessoas. 

Pequenas aldeias salpicam a paisagem em intervalos desiguais enquanto a passagem por cidades se limita a prover o viajante de tudo o que for necessário para as longas rotas nos veículos todo-o-terreno. Outros visitantes optam por viagens muito mais cómodas – e mais caras – em avionetas privadas, dormindo em alojamentos próximos de pista de aterragem. 

Numa rota que abranja os parques principais do país, é possível combinar esses meios de transporte e muitos outros. A diversidade paisagística está assegurada: dos cenários lunares e dos planaltos áridos do Kalahari aos canais que formam a colossal foz do Okavango e à grande fauna dos parques Moremi e Savuti. No final da viagem, atinge-se a fronteira natural que o rio Chobe traça entre o Botswana e a Namíbia antes de brindar o Zambeze com as suas águas, que mais à frente formarão as Cataratas Victória, já em território da Zâmbia e do Zimbabwe.

Francistown, a segunda maior cidade do país, é uma amálgama de centros comerciais, casas de câmbio e lojas de todo o género. A menos de três horas em direcção a oeste, rodeando a bacia do Kalahari, encontram-se as salinas de Makgadikgadi. Há milhares de anos, o extinto lago Makgadikgadi ocupava esta vasta extensão de 16 mil quilómetros quadrados, hoje salpicada por lagoas de diferentes tamanhos. Algumas mantêm-se alagadas durante a maior parte do ano, como a salina de Sua, que dá refúgio ao Santuário de Aves de Nata, o primeiro projecto de conservação comunitário do país gerido por população local. 

Botswana

MAKGADIKGADI. Os embondeiros povoam os arredores desta extensa zona salgada localizada a sul do P.N. Chobe.

Nesta reserva, habita uma colónia de 250 mil flamingos comuns e pequenos, bem como mais de 165 espécies de aves, entre as quais se destacam o pelicano-comum, a cegonha ou o abibe, só para mencionar alguns. 

Estreitos caminhos flanqueados por pastagens oferecem a única forma de avançar por esta impressionante e desoladora paisagem em direcção à região do Kalahari botswano. O pó levantado pelo veículo mete-se por todos os cantos. A aridez e a seca tornam-se mais palpáveis quanto mais próximo se está do Kalahari Central. Apesar do seu aspecto inóspito, o território é a segunda maior reserva de vida selvagem do mundo. A paisagem é dominada por terminálias, acácias e arbustos que rodeiam dunas ocasionais e em cujo interior é difícil de imaginar qualquer tipo de vida animal. Na verdade, ela existe e prospera.

No coração deste deserto, habitam os últimos nómadas de África. Trata-se do povo saan, que os primeiros colonos ocidentais designaram por bosquímanos. É uma das culturas mais interessantes de África. Praticam um tipo de vida nómada em perfeita comunhão com a natureza. Alimentam-se de antílopes e da recolecção de fruta e tubérculos. A sua história é uma metáfora de sobrevivência vagueando na imensidão de um deserto que ocupa 70% da superfície do Botswana.

Como em todos os parques, o viajante dependerá da sorte para observar o máximo de espécies de mamíferos: elandes, gazelas, gnus, girafas e igualmente o mítico leão de juba negra do Kalahari.
Só a possibilidade de se cruzar com estes animais justifica a entrada nestas paisagens desagradáveis.

Depois da incursão no Kalahari, a rota continua por intermináveis caminhos arenosos até encontrar novamente a estrada A-3, a via de asfalto que une os 816 quilómetros entre Francistown e Maun, a porta meridional do delta do Okavango. A melhor forma de percorrer esta impressionante foz é a bordo de lanchas rápidas. Rente à água, as possibilidades de observar animais multiplicam-se, sobretudo aves – águias-pesqueiras-africanas, garças, martins-pescadores… –, mas também uma infinidade de antílopes, hipopótamos, crocodilos e manadas de elefantes. Esta abundante fauna sacia a sua sede e o seu apetite graças à vida proporcionada pelas águas provenientes de Angola e que, desde há 10 mil anos e devido à falha de Thamalakane, começaram a depositar sedimentos às portas do Kalahari para formar o único delta interior do mundo.

O clima fresco e húmido convida a passar pelo menos dois dias neste mundo aquático. Safaris a pé, passeios de mokoro (a canoa tradicional) e visitas aos povoados para descobrir os segredos da cestaria do Botswana são algumas das actividades que podem ser realizadas de forma a captar a essência desta maravilha da natureza. Um voo cénico atravessando o delta é o epílogo perfeito para a exploração do Okavango e assimilar a intimidade e beleza deste local. Vistos do ar, os canais e as ilhas formam uma paisagem de beleza esmagadora que parece retirada de um quadro surrealista. 

Se prestar atenção, talvez distinga manadas de búfalos, famílias de elefantes ou grupos de zebras que correm assustadas pelo som do «pássaro de ferro». 

A pista de aterragem estende-se junto da margem do rio Kwai, em plena reserva da caça de Moremi.  A introdução dos rinocerontes branco e negro fazem desta reserva o local perfeito para poder avistar os big five do continente africano: rinocerontes, búfalos, elefantes, leões e leopardos. A vegetação varia de florestas de Colophospermum ou acácias para as pradarias de savanas e zonas inundadas que formam pequenas lagoas. Antílopes aquáticos, zebras, girafas e elefantes coexistem com o predador leão ou os astutos mabecos, cães selvagens que possuem técnicas de caça sofisticadas e que registam a maior eficácia nesse domínio no reino animal.

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CATARATAS VICTÓRIA. Esta cascata produz uma nuvem de vapor que se eleva a 76m acima do nível do solo e pode ser vista a 20km de distância.

Durante o dia, o parque Moremi oferece um espectáculo extraordinário, mas, a partir do pôr do Sol, o desfile de fauna é ainda mais surpreendente.

A reserva de Moremi conta com quatro zonas de alojamento em acampamentos. A pernoita em qualquer uma delas equivale a ver-se envolto por milhares de sons: os risos das hienas que vagueiam pelos arredores dos acampamentos atraídas pelo odor do jantar, o ronco dos hipopótamos ou o rugido dos leões à distância. Nessa altura, aproxima-se o que nas palavras do jornalista e escritor Ryszard Kapuscinski é «o momento mais maravilhoso de África: a alvorada».

O dia começa cedo, o caminho é longo até ao primeiro contacto com o Parque Nacional de Chobe. São quase cinco horas de safari de carro até chegar a Savuti, a zona mais desértica e ocidental das quatro que formam o parque. O número e a frequência de encontros com o maior dos mamíferos terrestres aumenta e anuncia que o viajante se aproxima do local com a população de elefantes mais densa do Botswana: estima-se que rondem os 120 mil animais.

A entrada em Savuti desde Moremi obriga a cruzar a depressão de Mababe, uma planície árida semeada de arbustos e acácias solitárias. Ao fundo, divisam-se o que parecem longínquas colinas: são cones de origem vulcânica que guiam o viajante à distância. O veículo todo-o-terreno detém-se com frequência sempre que o condutor distingue o que parece ser uma pegada de leopardo. A procura torna-se mais interessante depois de distinguir uma silhueta à distância que repousa sobre um ramo de acácia. O dia está completo, a visão do esquivo felino cessa a tensão provocada pela aproximação do final do safari e animará as conversas nocturnas à volta da fogueira.

Serondela é o grande final desta viagem de sonho. Localiza-se a perto de três horas de distância conduzindo em direcção a nordeste. Este sector do parque ocupa o leito de inundação do Chobe, um rio que, tal como o Okavango, nasce nas terras altas de Angola mas flui em direcção a sudeste, recebendo vários nomes pelo caminho até desembocar nas Cataratas de Victória. A rica vegetação desta zona permite presenciar belas imagens de mamíferos a beber no rio, crocodilos a flutuar tranquilamente à espera de uma presa afoita e aves que aproveitam a abundância de insectos que a humidade atrai.

A cidade de Kasane funciona como base de alojamento enquanto se visita o parque de Chobe. Com uma localização privilegiada no ponto de confluência de quatro países – Botswana, Zâmbia, Namíbia e Zimbabwe –, concentra a maioria dos alojamentos e empresas que organizam rotas de barco até ao entardecer. Não podem faltar os binóculos, mas a proximidade da fauna permite que o barco não tenha comparação com as distâncias num safari a pé ou de carro. Esta será sem dúvida uma das experiências mais apaziguadoras e relaxantes da viagem. 

Hipopótamos, antílopes aquáticos, marabus, elefantes e búfalos são alguns dos animais que todos os dias Chobe oferece aos seus visitantes – é um caldeirão de vida selvagem e de emoção. Vem à mente nessa altura a célebre frase do músico Richard Mullin: «O único homem que invejo é aquele que ainda não foi a África, pelo muito que ainda lhe resta descobrir.»

 O SAFARI CONTINUA... QUATRO DESTINOS INESQUECÍVEIS

A partir de Maio, mesmo quando termina a temporada das chuvas e começa o Inverno no Sul de África, o Botswana apresenta-se como um destino extraordinário. Os safaris num veículo todo-o-terreno e as rotas de barco oferecem algumas das melhores panorâmicas de fauna do continente. As agências de safaris proporcionam tudo o que é necessário para visitar os principais parques e até para chegar às Cataratas de Victória (Zimbabwe e Zâmbia). É possível alugar um carro e percorrer livremente os parques, mas deve equipar-se muito bem e ter em conta o mau estado da maioria das estradas. O Aeroporto Internacional de Gaborone tem ligação com as cidades de Francistown, Maun e Kasane. Acomodações de gama alta e acampamentos (rudimentares ou com bungalows) oferecem alojamento nas reservas naturais. 

SEBOBA OODI E BAHURUTSHE

Estas duas aldeias permitem uma aproximação da cultura da população local através do artesanato e gastronomia. Na cooperativa de tecelãs de Oodi, as mulheres tecem tapetes, mantas e vestidos, trabalhando manualmente a lã. O Bahurutshe Cultural Village e o Seboba Cultural Village recriam as respectivas aldeias tradicionais. É possível alojar-se em cabanas de madeira e adobe, para além de comprar cestos típicos e provar a cozinha local.

CATARATAS VICTÓRIA

«Fumo que troveja» é o nome que os nativos atribuíram à grande queda do rio Zambeze, que se divide entre a Zâmbia e o Zimbabwe, a curta distância da fronteira com o Botswana. Esta cascata produz uma nuvem de vapor que se eleva a 76m acima do nível do solo e pode ser vista a 20km de distância. As cidades de Livingstone (Zâmbia) e Victoria Falls (Zimbabwe) oferecem inúmeras opções para contemplar a queda de água, desde voos em avionetas ou helicóptero até passeios de canoa ou navios que se aproximam das cataratas.

PINTURAS RUPESTRES DE TSODILO HILLS

Há 90 mil anos, as três remotas colinas de Tsodilo já eram habitadas por uma comunidade de caçadores-recolectores. Estes abrigos rupestres, classificados como Património Mundial em 2002, são ainda locais sagrados para os saan e para os mbukushu, há muito estabelecidos aqui. As suas aldeias proporcionam os guias para qualquer uma das três rotas de trilhos (Rhino Trail, Lion Trail e Cliff Trail) que o levam às pinturas nas rochas com melhor acesso. Contaram-se quase 4.000 pinturas e as datações divergem: de 20 mil anos a um século de antiguidade. Há desenhos de dedos, de figuras geométricas, de animais domésticos e fauna selvagem e até de baleias! 

PARQUE NACIONAL MAKGADIKGADI PANS, REFÚGIO DE FAUNA E FLORA 

Com 16 mil quilómetros quadrados de área, o parque de Makgadikgadi constitui umas das áreas salgadas mais extensas do planeta. Antigamente, era um imenso lago, hoje resumido a duas lagoas (Sowa e Ntwetwe) que, na época das chuvas e graças à água trazida pelos rios sazonais, atraem centenas de milhares de flamingos.

Nas pradarias e nas áreas das acácias de Ntwetwe, concentram--se as grandes manadas de zebras e gnus que migram até Boteti.
O monte rochoso de Kubu Island (na fotografia), na lagoa de Sowa, é uma das maiores atracções do parque graças aos seus embondeiros com a casca branca e aos seus vestígios arqueológicos.

Conta-se que David Livingstone, para cruzar esta bacia, tomou como referência um embondeiro para se orientar. A árvore recebeu o nome de Chapman e ainda está viva. Terá três a quatro mil anos.