O olhar é de espanto.

Está-se no interior de um vulcão, cuja cratera, a céu aberto, permite constatar os humores imprevisíveis do clima açoriano. E não há volta a dar: é uma sensação indiscritível estar nas profundezas desta chaminé vulcânica olhando para cima ereconhecendo que, há mais de dois milhares de anos, o magma jorrou por ali no sentido ascendente e espraiou-se numa torrente de lava. O visitante acede ao interior do Algar do Carvão através de uma escadaria de betão construída em 1977 e, ao longo da extensão total de 300 metros, pode observar, olhos nos olhos, as entranhas da Terra. Aqui, como em todo o processo da formação do arquipélago, deparará com formações siliciosas e, como um gigantesco carimbo colorido, as impressões da torrente de lava efusiva que formou rios de lava. Assim descrito, parece que se está no inferno de Dante ou na iminência de se deparar com o barqueiro Caronte para o conduzir ao Hades. Mas pode, desde já, afastar essas ideias calamitosas, uma vez que o Algar do Carvão já teve a vida que deveria ter e que já não volta mais – está extinto.

algar carvão

Ilustração de Anyforms Design. Foi utilizada a poponímia estabelecida pela Sociedade "Os Montanheiros".

Este Monumento Natural localiza-se na zona central da ilha Terceira e está implantado entre os grandes vulcões que formaram a ilha. A sua vida foi atribulada. Teve como “mãe” a imensa cratera de Guilherme Moniz, a maior de todo o arquipélago, cujo aparelho vulcânico proporcionou erupções ciclópicas, a última das quais provocou a formação de um vulcão estromboliano, o Pico do Carvão. No último ciclo de vida, já não tinha força suficiente para expelir o magma que o alimentava. E, num último estertor, abateu e sucumbiu. Contudo, nada disto invalida que seja um dos mais perenes testemunhos da formação da ilha, equilibrada nas instáveis placas tectónicas que deram origem ao arquipélago macaronésio. A concavidade já era conhecida dos terceirenses há muitas gerações, mas só foi estudada no já distante ano de 1893 por Cândido Corvelo e José Luís Sequeira, que desceram à força de cordas. A configuração do algar só foi traçada em 1934 por Didier Couto. O Algar do Carvão, a partir de então, começou a andar nas bocas do mundo e não tardou que alguns grupos de curiosos tenham feito descidas recorrentes.

Apesar de apetrechados com tecnologia mais moderna, os recantos do algar eram tão imprevisíveis que a descida ea subida equivalia ao consumo de um dia e não podia comportar mais de seis pessoas.

Após a formação do grupo “Os Montanheiros” – através dos quais devem ser feitas as marcações das visitas –, o Algar do Carvão começou a revelar os seus segredos e foi explorado em toda a sua extensão. Hoje, o visitante não se depara com as dificuldades originais e tudo parece fluir de forma natural, graças ao trabalho de sapa que permite visitas com todas as precauções.

algar carvão

Altas temperaturas. Em actividade, o algar registou temperaturas elevadas, capazes de moldar a rocha como plasticina. As marcas desse passado violento são ainda bem visíveis.

Mas o algar não se esgota aqui, felizmente. É nas suas profundezas que reside uma das facetas mais espantosas: uma lagoa com 400 metros quadrados de diâmetro preenchida por água cristalina, resultante da chuva que entra directamente pela abertura ou que se infiltra através dos tectos ou, ainda, por nascentes naturais que emergem do solo. Na época de maior pluviosidade, chega a atingir 15 metros de profundidade. É um engodo para os olhos, mas apenas para observar a uma certa distância. Percorridas todas as concavidades e vias lávicas, resta ao visitante subir de volta os 80 metros, provavelmente reparando em pormenores que lhe escaparam na descida. Um último olhar para a boca de 17 metros por 27, por onde, em tempos idos, saiu uma violenta torrente de magma.

Chega a altura de o visitante sair, mas não para muito longe. A escassos seis quilómetros de distância, encontra-se a Gruta do Natal, onde terá possibilidade de percorrer uma galeria de tubos lávicos, um autêntico labirinto que moldou a correria do magma como um rio de laranja-vivo.