Existe apenas um museu no antigo Trilho do Oregon que conta a história da expansão americana para Oeste do ponto de vista dos que acolheram essa expansão. Num canto do Oregon delimitado pelos estados de Washington e do Idaho, este labirinto de galerias e exposições interactivas forrado a madeira celebra o legado dos povos indígenas e lamenta o que foi destruído pela chegada dos pioneiros.
Descendo uma rampa comprida, os visitantes entram na fachada de tijolo de uma réplica de uma “escola de formação índia”, onde as crianças indígenas eram convertidas à força e assimiladas. Uma imagem em tamanho real dos estudantes devolve-lhes o olhar a um século de distância. Os seus uniformes fazem-nos parecer pequenos soldados. “Disseram-nos para escrevermos a nossa própria história se quiséssemos que esta fosse bem contada”, explicou Bobbie Conner. Ela estava sentada numa sala de conferências do Instituto Cultural Tamástslikt, o centro que dirige na Reserva Umatilla e que acolhe membros das comunidades cayuse, umatilla e walla walla. “E esta história é tão velha como o tempo: resume-se à conquista.”
A história da exploração é frequentemente contada de forma binária. Explorador e montanha. Explorador e ilha distante. Explorador e tribo isolada. O conquistador e o conquistado. A definição actual de exploração é mais abrangente. Exploramos os nossos corpos, os nossos antepassados, a capacidade do nosso cérebro, a ideia de lar. Exploramos a história e quem a conta. O explorador tornou-se um aventureiro, um artista, um cientista e agora existe um novo arquétipo: o reconciliador, alguém que nos ajuda a compreender como aqui chegámos. Estes pioneiros estão a questionar os nossos livros de história, reescrevendo-os e têm a esperança de impedir que o passado se repita. Quando me sentei com Bobbie Conner naquela sala de conferências, passara seis meses no Oregon, o meu estado natal, aguardando o fim da pandemia de COVID-19. Durante anos, remeti reportagens para esta revista de locais como os pântanos isolados do Sudão do Sul, a fronteira entre os Estados Unidos e o México e as montanhas da região oriental do Congo. Agora, diante de mim, encontrava-se a banalidade de um lar pelo qual eu nunca tivera grande interesse. Sem ter para onde ir, tentei compreender os meus novos limites. Não tardei muito a encontrar-me na fronteira do estado, questionando a minha própria ideia de exploração.
NEIL JAMIESON (Colagens Fotográficas)
Caminhadas extenuantes, escaladas e travessias marítimas abriram novos caminhos no globo, cartografaram fenómenos naturais e ligaram culturas. Dando continuidade a uma tradição de exploradores do passado, aqui temos o escritor Paul Salopek, que tem passado os últimos 10 anos a caminhar ao longo da rota de 38.500 quilómetros percorrida pelos migrantes humanos quando saíram de África e povoaram o mundo.
No entanto, convém primeiro recuarmos cerca de sessenta mil anos até à época em que “uma pequena colónia em África partiu para o mundo e perdeu o contacto”. São as palavras de Felipe Fernández-Armesto, historiador e professor da Universidade de Notre Dame, que passou quase seis décadas a estudar a forma como o mundo foi transformado por um processo a que chama descoberta de rotas.
Diferentes culturas colidiram, interagiram e adaptaram-se umas às outras, em viagens alimentadas pela ganância, pelo imperialismo, pela religião e pela ciência. É como se, durante milhares de anos, tivéssemos tentado inverter a distância imposta pelos nossos antepassados primitivos para o bem e para o mal. Foi este objectivo que agregou os cientistas, académicos e militares que fundaram a National Geographic Society em 1888. Nos últimos 135 anos, sondámos o céu, o mar, a terra e o espaço “para aumentar e difundir o conhecimento geográfico”. Por vezes, a exploração que financiámos e documentámos pareceu ser menos sobre estabelecer contacto e mais sobre chegar em primeiro lugar. E não houve falta de marcos: da ascensão ao cume do Evereste à cartografia do leito do oceano Atlântico.
A ciência, o espaço e o mundo natural foram espremidos para revelarem os seus segredos. Os Leakey escavaram os nossos antepassados fossilizados, Jane Goodall viveu com chimpanzés e o conservacionista J. Michael Fay cartografou um trilho com 3.200 quilómetros através das florestas da África Central. Os exploradores de hoje podem nem ser humanos: estará uma câmara a explorar quando é descida ao fundo do oceano para fotografar profundidades que os seres humanos ainda não alcançaram? Ou um robô microscópico no interior do nosso corpo enquanto realiza cirurgias? Há centenas de anos que a exploração é alimentada por narrativas. Durante a era europeia de exploração, entre os séculos XV e XVII, a ficção popular disseminou heróis que empreenderam viagens audaciosas e esses romances de cavalaria podem ter inspirado Colombo ou Magalhães a fazerem-se ao mar.
Narrativas de exploração
As narrativas foram repovoando o planeta com novas gerações de exploradores, uma após outra. Talvez as fotografias e mapas publicados pela revista National Geographic tenham levado o leitor a sair para ver o mundo. Mas as histórias também serviram para propulsionar um mito ocidental do explorador que não corresponde inteiramente à verdade. “Existe uma falha na literatura no que toca aos exploradores de outros países e esta história tem sido dominada por homens brancos mortos nos últimos 500 anos”, diz Felipe Fernández-Armesto. “Isso criou a impressão de que é uma actividade exclusiva do homem branco… e não é de todo.” Um dos primeiros possíveis mapas foi pintado na parede de uma gruta na Índia há cerca de oito mil anos e o primeiro explorador cujo nome conhecemos é Harkhuf, que liderou uma expedição do Egipto faraónico à África tropical por volta de 2290 a.C. No oceano Pacífico, marinheiros em canoas escavadas em troncos seguiram as estrelas e as correntes oceânicas e colonizaram a Nova-Guiné e o Hawai, a partir de cerca de 1500 a.C. No século VII, um monge chinês chamado Xuanzang atravessou a China, a Índia e o Nepal em busca de escritos budistas originais. Nesse mesmo século, exércitos árabes marcharam da península Arábica até à Ásia Central e ao Norte de África, motivados pela conquista santa. A era do homem explorador branco chegou muito depois e o arquétipo dominou a narrativa ocidental. No entanto, os outros exploradores sempre existiram.
NEIL JAMIESON (Colagens Fotográficas)
Câmaras, submersíveis e veículos comandados à distância desvendam as profundezas do oceano. Uma das primeiras reportagens subaquáticas da National Geographic mostrou descobertas feitas com o batiscafo (em baixo, à direita), o primeiro veículo de exploração do mar profundo. Descido por um cabo de aço com cerca de mil metros de comprimento, sondou as águas ao largo das Bermudas na década de 1930.
Fontes fotográficas das Ilustrações: Emory Kristof (submersível); Winfield Parks (barcos à vela); John Tee-van (batiscafo); Imagem de Vídeo do Trust Falklands Heritage Maritime, National Geographic (endurance); Robert B. Goodman (mergulhador com câmara); Luis Marden (grupo de três mergulhadores); Andy Mann (mergulhador com tubarão)
Nos arquivos da National Geographic, encontro exemplos mais modernos, ignorados pela sociedade da sua altura: Juliet Bredon, uma mulher exploradora que publicou sob o nome de Adam Warwick para relatar a sua exploração na China na década de 1920, e Reina Torres de Araúz, uma antropóloga panamiana que realizou a primeira expedição de automóvel do Sul ao Norte da América. Uma pilha de recortes sobre Harriet Chalmers Adams (que na transição para o século XX atravessou milhares de quilómetros na América Latina) revela que ela refez a rota de Colombo e fotografou as trincheiras da linha da frente da Primeira Guerra Mundial. Os cabeçalhos noticiosos, porém, demonstravam mais interesse pelo velho estereótipo feminino: “Uma Mulher Que Não Tem Medo de Ratos”, escrevia um.
ReavaLIAR OU "RECUPERAR" narrativas antigas
À medida que escavamos a história para conduzir novas pessoas ao panteão dos exploradores, reavaliamos narrativas antigas: o que significou a exploração para as pessoas que se encontravam do outro lado e que foram frequentemente exploradas ou exterminadas? Poderá algum sítio ser realmente descoberto? E quem devemos considerar um explorador? Eva por trincar o fruto proibido, embora renunciasse ao Éden? Ou Pandora, compelida pela curiosidade de abrir a caixa, soltando desgraças sobre o mundo? A história da exploração está a ser reescrita para preencher lacunas por historiadores como o palestiniano Yazan Kopty, que “desenterra” fotografias centenárias de palestinianos nos arquivos da National Geographic, servindo-se das redes sociais para completar as suas histórias.
No Centro Cultural Tamástslikt, Bobbie Conner usou a palavra “recuperar” para descrever esta nova forma de exploração. Recentemente, dançarinos reproduziram uma dança cerimonial de remoção do escalpe após uma batalha que não era observada há meio século. A tribo nez perce adquiriu 130 hectares de terras ancestrais para os seus descendentes se reunirem, enterrarem os seus mortos e organizarem festivais. Os nomes tribais estão a regressar aos mapas e à sinalética. A princípio, a noção de contar a sua própria história num museu deixou as comunidades da Reserva Índia de Umatilla perplexas, contou Bobbie. Não havia nada para celebrar na destruição do seu povo e da sua terra. Contudo, pensaram depois sobre como a narrativa da exploração no Oregon ainda é glorificada por uma bandeira onde figura uma carroça de pioneiros. E pensaram no que seria mais importante: a sua história ou a terra onde tudo aconteceu e como pessoas de todo o mundo poderiam identificar-se com isso. “Este é o centro do nosso universo, mas liga-se a todos os outros universos”, diz.