tubarão-martelo-recortado poderá estar a suster a respiração enquanto mergulha nas profundezas das águas geladas. A revelação publicada recentemente na revista “Science” sugere que esta estratégia poderá permitir aos animais de águas quentes regularem a sua temperatura enquanto caçam.

Esta técnica é “completamente inesperada”, diz Mark Royer, biólogo especializado em tubarões da Universidade do Havai e líder da investigação. “Este tipo de comportamento nunca foi observado em qualquer tipo de peixe de grande profundidade”, afirma, e agora levanta questões sobre quão disseminado poderá estar entre outras espécies.

Esta espécie de tubarão-martelo em vias de extinção costuma depender do seu movimento em frente para obrigar a água a entrar nas guelras, extraindo desta forma o oxigénio de que necessita. No entanto, quando os predadores mergulham até cerca de 800 metros de profundidade para capturarem lulas e outras presas, a água fria poderá afectar o seu metabolismo, a função cardíaca e a visão – tudo factores que reduzem a sua capacidade de caçar.

Fechando as guelras e a boca – sustendo a respiração – os animais podem limitar a sua exposição à água fria.

Algumas espécies, como o atum-rabilho e o tubarão-anequim, possuem anatomia especializada que lhes permite conservar o calor corporal em águas frias, mas o tubarão-martelo-recortado não tem essa vantagem.

Foi por isso que alguns cientistas teorizaram que o tubarão-martelo-recortado conservava o seu calor corporal através de inércia térmica – basicamente, utilizando as suas grandes dimensões para o ajudar a manter a temperatura e levar consigo o calor enquanto mergulha nas profundezas gélidas.

 

“Imagine que quer descongelar um peru de sete quilos para o jantar do dia de Acção de Graças: quando o tira do congelador, ele demora imenso tempo a descongelar – isso é inércia térmica”, diz Marianne Porter, uma bióloga que estuda o movimento dos tubarões na Florida Atlantic University e não participou no estudo.

Sustendo a respiração, o tubarão-martelo-recortado poderá ser capaz de regular a sua temperatura corporal quando mergulha centenas de metros abaixo da superfície.
Greg Lecoeur

Sustendo a respiração, o tubarão-martelo-recortado poderá ser capaz de regular a sua temperatura corporal quando mergulha centenas de metros abaixo da superfície.

No entanto, pequenos sensores colocados pela equipa em tubarões-martelo-recortados – uma espécie de “Fitbit [pulseira-relógio inteligente] para tubarões”, como diz Royer — sugerem que a inércia térmica não é a razão pela qual se mantêm quentes durante as suas expedições de caça a grande profundidade.

 

Caçando em águas geladas

Para o estudo, a equipa analisou informação detalhada sobre o comportamento natatório, a profundidade e a localização de um pequeno grupo de seis machos etiquetados que, no seu conjunto, realizaram mais de cem mergulhos nas águas em redor do Havai ao longo de várias semanas.

Sondas minúsculas também registaram as temperaturas dos músculos dos animais durante estes repetidos mergulhos nocturnos. Esses dados, juntamente com o desenvolvimento posterior de modelos, indicaram que os tubarões conseguiam conservar a maior parte da sua temperatura corporal quando se encontravam à superfície, onde a água está a cerca de 26ºC, e quando mergulhavam a mais de 750 metros de profundidade, onde as temperaturas desciam para cerca de 5ºC.

Surpreendentemente, a temperatura corporal dos animais acabava por descer quando eles subiam e chegavam a águas ligeiramente mais quentes, a cerca de metade do trajecto ascendente – aparentemente, quando os tubarões abriam as guelras para obterem o tão necessário oxigénio. Não é o que seria de esperar da inércia térmica, pois, nesse caso, haveria um aquecimento e arrefecimento mais constante para alcançar um equilíbrio, diz Royer.

Embora não tenha observado os tubarões a fecharem as guelras, a equipa suspeita que seja isso que acontece. Para confirmar que eles sustêm de facto a respiração, Royer diz que terão de fixar câmaras nas barbatanas peitorais destes tubarões-martelo para verem as guelras abrirem-se e fecharem-se enquanto os tubarões mergulham.

Ainda não se sabe ao certo como esta espécie com três metros de comprimento adquiriu esta capacidade de suster a respiração. “É possível que tenham aprendido em interacções sociais com outros tubarões-martelo que mergulham”, afirma Royer, acrescentando que “outra possibilidade é estarem a seguir o exemplo de outros animais que mergulham e consomem presas à mesma profundidade”.

Provas convincentes

Outras provas que contribuem para a conclusão de que eles sustêm a respiração: imagens de vídeo captadas por um veículo comandado à distância que mostram um tubarão-martelo-recortado adulto a nadar na Tanzânia, mais de 900 metros abaixo da superfície com as guelras fechadas, e vídeos desta mesma espécie em águas superficiais onde se encontram habitualmente com as guelras abertas. Além disso, outra experiência realizada pela equipa de Royer com tubarões-martelo mortos imersos em banhos quentes e frios também suportou os seus resultados.

“É um artigo cativante – a forma como eles reuniram todas estas linhas de evidência que sugerem que isto pode estar a acontecer”, diz Porter. “Estou convencida”, eles sustêm o fôlego, diz.

As fêmeas de tubarão-martelo-recortado também dão mergulhos a grandes profundidades, diz, por isso, embora este estudo só inclua machos, Porter suspeita que isto também se aplique a fêmeas não-prenhas.

As implicações deste trabalho de suster a respiração são “incríveis”, escreveram Mark Meekan, da University of Western Australia, e Adrian Gleiss, da Murdoch University, num artigo também publicado na “Science”.

Se esta espécie em rápido declínio conseguir suster a respiração enquanto caça nas profundezas, talvez consiga lidar melhor do que se pensava com os ambientes pouco oxigenados cada vez mais comuns no nosso mundo em mudança, escrevem. O tubarão-martelo-recortado já ocupa águas pouco oxigenadas no Golfo da Califórnia e esta capacidade de suster a respiração recentemente descoberta poderá explicar a sua presença no local, comentam.

É verdade que estes animais podem sobreviver em áreas pouco oxigenadas durante curtos períodos, diz Porter, mas é provável que isso não seja sustentável a longo prazo. “Interrogo-me sobre o que acontecerá se essa se tornar a sua realidade permanente”.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.