La Mosquitia, Honduras

São 4.30 da manhã. Atrás de uma floresta de pinheiros, o Sol começa a aclarar o céu com tons quentes e luminosos, acompanhado pelos guinchos de um pequeno bando de apu pauni, o nome pelo qual o povo indígena miskito se refere à arara-escarlate. As coloridas criaturas emplumadas, a ave nacional do país, limpam-se umas às outras enquanto esperam por Anayda Pantin Lopez, que dedicou os últimos 12 anos à sua protecção.

“Faço-o com muito amor porque são como filhos para mim”, diz Pantin. “Dou-lhes arroz com feijão, mandioca e banana pão. Quando podemos, compramos ração para aves.”

Os miskito vivem em La Mosquitia, no canto nordeste das Honduras, onde se encontra a maior área de vida selvagem da América Central e o único local do país onde as arara-escarlates voam em liberdade. Pantin e o marido, Santiago Lacuth Montoya, vivem numa pequena aldeia chamada Mabita, onde a maioria dos habitantes protege estas aves exóticas e os outros animais selvagens que os rodeiam.

Duas vezes por dia, ela prepara comida para 40 a 60 araras que vêm até à aldeia alimentar-se. Pantin também cuida de várias outras aves no centro de salvamento, onde aves retiradas a caçadores furtivos ou pintos removidos dos ninhos recebem cuidados até poderem voar novamente em liberdade.

Há alguns anos, o marido sustentava a família cultivando feijão, banana-pão e mandioca e vendendo ovos de arara e juvenis como animais de estimação – sem se aperceber de que isso teria um impacto negativo na população das aves. Quando descobriu que o número de araras estava a diminuir drasticamente, Lacuth decidiu tornar-se guardião dos seus ninhos. Confrontou outros caçadores furtivos e tentou convencê-los a seguirem o seu exemplo.

“Eles ameaçaram-me, mas eu mantive-me firme na minha convicção de convencer toda a gente a parar de caçar os pintos”, disse o líder comunitário. “Durante muitos anos, as araras ajudaram-me por que as vendia para conseguir comprar comida para mim e para a minha família. Agora era a minha vez de ajudá-las.”

Antes de 1990, a caça e a venda de espécies selvagens eram legais e milhares de araras desapareceram, pondo alguns animais em risco de extinção.

 

Nidificando nos pinheiros

As araras que se reproduzem nesta zona das Honduras têm um hábito singular: fazem o ninho em pinheiros altíssimos. Noutros locais – desde o México a zonas da Amazónia brasileira – estas aves costumam nidificar em florestas tropicais de folha larga cujas árvores perdem as folhas sazonalmente.

Héctor Portillo começou a visitar La Mosquitia há mais de 20 anos para estudar a espécie. Em 2010 a sua investigação determinou que a população de araras-escarlate diminuíra para 100 aves, face a 500 em 2005.

O trabalho de Portillo chamou a atenção de organizações internacionais, como a One Earth Conservation, sediada em Nova Iorque, que financiou um programa para monitorizar e reforçar a população de araras com o apoio dos residentes indígenas. Antigos caçadores furtivos receberam cerca de 10 dólares por dia para ajudar a cuidar das araras e Pantin foi sondada para ser directora do projecto comunitário.

“[Enquanto organização] estamos por todo o continente, mas o projecto Mabita é um dos mais cativantes que conhecemos devido ao empenho de Pantin e Lacuth e de toda a comunidade”, diz LoraKim Joyner, fundadora da One Earth Conservation.

araras-escarlate

Araras-escarlates coloridas voam em direcção aos pinheiros onde nidificam em La Mosquitia, nas Honduras. Noutros locais – desde o México a zonas da Amazónia brasileira – estas aves costumam nidificar em florestas tropicais de folha larga cujas árvores perdem as folhas sazonalmente.

Durante as primeiras patrulhas, Lacuth e o irmão salvaram sete araras bebés, que ele levou para casa para a sua mulher cuidar. Pantin assumiu imediatamente o papel de cozinheira, enfermeira e mãe substituta enquanto as aves aprendiam a voar. “Ela fá-las viver”, diz Lacuth. “Nem toda a gente consegue fazer isso.”

Apesar de ter a sua própria família para alimentar, incluindo seis filhos e outros parentes jovens, o casal optou por partilhar parte das suas colheitas com as aves. “É essencial que tomemos conta delas”, diz Pantin. “Por vezes, há pouca comida, mas esforçamo-nos sempre para terem algo para comer.”

Todos os anos, entre Novembro e Maio, as araras põem entre dois e quatro ovos. Os pintos nascem com os olhos fechados e poucas penas. Ao longo das primeiras dez semanas, ambos os progenitores cuidam dos pintos alimentando-os quatro a seis vezes por dia. Os juvenis demoram entre 40 e 45 dias para alcançarem o seu tamanho máximo e 10 a 16 semanas para voarem e aprenderem a alimentar-se sozinhos.

Os habitantes de Mabita não estavam conscientes do impacto nocivo de retirar as araras bebés do seu ambiente natural. “Não há muito dinheiro nesta região. Antes de 2010, a única maneira de conseguirmos algum era vendendo araras”, diz Lacouth, antigo caçador furtivo transformado em conservacionista. “Quando vi que estavam a desaparecer, decidi protegê-las, juntamente com a comunidade. As araras ajudaram-me a sobreviver e agora é a minha vez de ajudá-las.”

Outros residentes de Mabita juntaram-se ao esforço de Lacuth e Pantin, deixando de retirar pintos dos seus ninhos e passando a trepar às árvores e contribuir para investigações biológicas. Os residentes aprenderam a pegar nos pintos, medi-los, pesá-los e documentar a informação para análise posterior.

“Eu gostava de ter papagaios em minha casa como animais de estimação, mas a Dra. LoraKim explicou-nos a importância destas aves para a natureza e por que razão elas devem ser livres”, diz Celia Lacoth, a única professora da comunidade.

Em 2014, fundos adicionais vindos do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (USFWS) e da Fundação Darwin inglesa também contribuíram para financiar os esforços de conservação e participação comunitária. Estes recursos ajudaram a sistematizar o processo de documentação e a marcar as árvores com ninhos de arara utilizando pontos de GPS. A área de protecção e monitorização cresceu de cerca de 15.000 hectares para cerca de 400.000 hectares actualmente.

“Graças a isto, conseguimos aprender mais sobre o estatuto de conservação da biodiversidade em quase toda a região de Mosquitia”, diz Portillo.

Futuro incerto

Desde o início do projecto, a população de araras-escarlate cresceu de 500 para mais de 800. No entanto, existem preocupações com a possibilidade de o progresso alcançado até à data sofrer um contratempo: o financiamento para o programa de envolvimento comunitário terminou em Junho de 2022.

No entanto, há outros programas em curso para ajudar a monitorizar os animais. Foi construído um centro para dar a conhecer as araras aos visitantes e o governo das Honduras comprometeu-se a criar um “batalhão verde” no exército para manter os caçadores furtivos à distância, afastar traficantes de droga e impedir o abate madeireiro ilegal, que perturba os locais de nidificação das aves. Entretanto, membros da comunidade miskito comprometeram-se a continuar a proteger a ave nacional do país.

“Já vemos que o número de aves aumentou”, diz Pantin. “Mas isso não muda o nosso objectivo, que é o de continuar a cuidar delas para que os nossos filhos e netos tenham a oportunidade de desfrutar de tudo que a natureza nos dá.”

O fotógrafo Alejandro Cegarra está sediado na Cidade do México. Fotografou araras na sua cidade nativa, Venezeia, em 2022. Siga-o no Instagram @alecegarra. Sediado na Guatemala, Jorge Rodríguez é um novo colaborador da National Geographic. Siga-o no Twitter.

 

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