Imaginemos por um momento que uma girafa usa calças: as calças teriam quatro pernas para se adaptarem aos quatro membros? Ou será que as calças só cobrem as duas patas traseiras? Esta e outras perguntas sobre diferentes animais e vestuário espalharam-se como fogo nas redes sociais há alguns anos. Para além de suscitarem um ou dois sorrisos ao imaginar animais em situações tão distantes da realidade, também deram origem a debates relacionados com a morfologia e a anatomia.

Para responder às perguntas, normalmente procuramos estruturas equivalentes às que encontramos no nosso próprio corpo. E este é o campo de estudo da anatomia comparada, que mostra as semelhanças e diferenças nas várias partes do corpo dos animais. Quanto mais próximas duas espécies estiverem, mais semelhanças podem ser encontradas entre elas, uma característica que tem sido usada há muito tempo para criar árvores filogenéticas. No entanto, algumas espécies são tão distintas anatomicamente que é difícil encontrar estruturas semelhantes.

Voltemos por momentos às perguntas anteriores. Se tivéssemos de colocar um chapéu numa estrela-do-mar, onde o colocaríamos? No centro da estrela? Numa das suas extremidades? Bem, devido às características e ao ciclo de vida das estrelas-do-mar, esta é uma questão muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista.

NASCE UMA ESTRELA

Existem actualmente cerca de 1.900 espécies conhecidas de estrelas-do-mar. São classificadas como equinodermes, um filo que partilham com os ouriços-do-mar, os pepinos-do-mar e os lírios-do-mar. O registo fóssil mostra que surgiram provavelmente durante o Ordovícico, há mais de 400 milhões de anos. Habitam praticamente todas as partes do oceano, desde as zonas costeiras até ao mar profundo, e esta capacidade de adaptação a ambientes tão diferentes é uma das razões pelas quais podem ter sobrevivido às várias extinções em massa que ocorreram desde que habitaram a Terra.

Fóssil de uma estrela-do-mar. 
ISTOCK

Fóssil de uma estrela-do-mar. 

O seu ciclo de vida apresenta uma das alterações anatómicas mais espectaculares que conhecemos no reino animal. A maioria das espécies tem machos e fêmeas, embora sejam normalmente indistinguíveis a olho nu. Outras espécies são hermafroditas simultâneas, o que significa que podem produzir tanto óvulos como esperma, e algumas são hermafroditas sequenciais e mudam de sexo à medida que envelhecem. São ovíparos, ou seja, põem ovos que eclodem em pequenas larvas. Dependendo da espécie, algumas serão libertadas directamente no oceano, mas outras serão protegidas pela estrela-do-mar adulta durante as primeiras fases da sua vida.

O que é interessante nas larvas é o facto de a sua simetria ser bilateral. Isto significa que, tal como nós, elas têm dois lados, um direito e um esquerdo, que são imagens espelhadas um do outro. Esta semelhança com o resto dos animais desaparece nas fases seguintes da vida, mas mostra como as estrelas encontraram uma solução inovadora, evolutiva e funcional que lhes permitiu chegar aos dias de hoje.

ONDE É QUE EU DEIXEI A MINHA CABEÇA?

Uma vez crescidas as larvas o suficiente, elas passam por dois estágios, o primeiro chamado bipinnaria e o segundo chamado brachiolaria. No final da segunda fase, inicia-se o processo de metamorfose e é então que a magia acontece. De animais bilaterais, transformam-se em animais com simetria radial, partindo de um ponto central. A maioria das estrelas-do-mar tem cinco braços e simetria pentadial no final da metamorfose, embora sejam comuns defeitos durante o desenvolvimento, podendo apresentar mais ou menos braços. Há também espécies de estrelas-do-mar que têm tipicamente seis, sete ou até 50 braços, no caso do Labidiaster annulatus.

Para controlar tantos braços, é necessário um centro de comando, uma cabeça que detecte quaisquer oportunidades ou ameaças no ambiente. Se pensarmos noutros animais com muitos membros, como os polvos, as lulas ou os chocos, podemos ver uma cabeça proeminente com um cérebro capaz de controlar os tentáculos que utilizam para se deslocar e caçar. Nas estrelas-do-mar, no entanto, não há cabeça visível e, portanto, não há lugar para colocar o chapéu.

RESOLVER O MISTÉRIO DA CABEÇA DESAPARECIDA

Para tentar encontrar a parte mais importante do sistema nervoso da estrela-do-mar, os investigadores realizaram um teste genético chamado tomografia de ARN. Para isso, cortaram secções muito finas, tanto transversais como longitudinais, de um braço de uma estrela-do-mar e determinaram quais os genes expressos em cada uma das fatias. Utilizando um modelo informático, conseguiram depois reconstruir um mapa 3D da expressão dos genes nos braços do animal.

Para obter informações específicas sobre alguns genes, utilizaram também uma técnica que utiliza sondas fluorescentes que brilham se detectarem a expressão específica desse gene directamente no tecido. Com toda esta informação genética e molecular, conseguiram ver exactamente onde estavam expressos os genes relacionados com a formação do sistema nervoso central e os seus equivalentes aos expressos na nossa cabeça.

A análise dos dados 3D revelou que as estrelas-do-mar têm uma região semelhante a uma cabeça no interior de cada braço. Por outras palavras, as suas cabeças estão distribuídas ao longo dos braços, na zona mais interior. Como mostra a expressão dos genes, é à volta destas cabeças que se encontra o equivalente à "cauda" ou membros da estrela. O que é realmente curioso é o facto de não apresentarem qualquer região equivalente ao nosso tronco. Assim, comparativamente, todo o corpo da estrela-do-mar é como uma cabeça da qual os membros emergem directamente.

Assim, voltando à questão do chapéu com a informação que os cientistas da Universidade de Stanford descobriram. A maior parte da estrela-do-mar pode ser considerada como uma cabeça. Isto significa que não vale a pena tentar pôr-lhe um chapéu, porque a cabeça está dentro da estrela. No entanto, por uma questão de estética, penso que a maioria de nós concordaria que, se uma estrela tivesse de usar um chapéu, este deveria estar no centro, coroando um dos animais mais interessantes que podemos observar nos nossos mares e oceanos.