Da nossa perspectiva antropocêntrica, a capacidade para disparar jactos de tinta ou mudar de cor pode parecer esquisita, mas sabe o que é realmente esquisito? A menopausa.
“É uma característica incrivelmente rara no mundo natural”, diz Charli Grimes, especialista em comportamento animal da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Apenas seis animais – os seres humanos e cinco espécies de baleias com dentes (odontocetos) – vivem para lá dos seus anos reprodutivos.
As orcas, ou baleias assassinas, são um desses animais e têm sido estudadas intensivamente para percebermos a razão pela qual viver para lá da menopausa é benéfica para a sua espécie. Os estudos demonstraram um novo poder da menopausa, que é frequentemente representada de forma negativa pela cultura popular.
Grimes e os seus colegas identificaram uma forma previamente desconhecida de como estas fêmeas mais velhas ajudam o grupo: protegendo os seus filhos de serem feridos em lutas com outras orcas. Para tal, examinaram marcas de dentadas, cicatrizes deixadas pelos dentes de um adversário, na superfície da sua pele.
Esta protecção, contudo, destina-se apenas aos filhos. Filhas e netos não usufruem dela. “Foi deveras impressionante”, diz Grimes, “ver que estas fêmeas estão a direccionar o apoio social para a sua descendência masculina.”
ESPEN BERGERSEN, NPL/MINDEN PICTURES
Uma baleia assassina (Orcinus orca) bate com a cauda – com cicatrizes causadas por dentadas – ao saltar da água. Os investigadores descobriram que as orcas com progenitoras na pós-menopausa têm menos cicatrizes, o que significa que estas progenitoras mais velhas desempenham, provavelmente, um papel na sua protecção.
O que as cicatrizes — e meio século de dados — revelam
O estudo, publicado na revista Current Biology, incidiu sobre uma população em perigo de orcas (Orcinus orca) do Pacífico, e foi realizado por investigadores de Exeter, da Universidade de Iorque e do Center for Whale Research, em Washington.
As baleias assassinas são predadoras de topo e, como esta população consome exclusivamente peixe, as cicatrizes não poderiam ter sido causadas por espécies predadoras.
“Podemos afirmar com certeza que estes arranhões foram causados por membros da população”, diz Grimes. Os arranhões foram causados por lutas ou, possivelmente, brincadeiras que se tornaram mais intensas – mas sem ver a interacção entre as orcas é difícil saber ao certo.
“É algo que queremos explorar melhor, utilizando drones para observar directamente este comportamento”, diz Grimes.
O Center for Whale Research está a recolher informação sobre este grupo de orcas há 47 anos e tem quase 7.000 fotografias dos 103 membros da população. Os investigadores conhecem cada orca tão bem que as identificam pelas suas barbatanas dorsais e pelo padrão branco atrás destas, denominado sela.
Para este estudo, os cientistas examinaram a densidade dos arranhões – o número de pixéis visíveis nas fotografias – de orcas individuais. Concluíram que os machos com progenitoras com idades pós-reprodutivas tinham menos marcas de arranhões do que os machos cujas progenitoras ainda se encontravam na fase reprodutiva.
Não foram detectadas diferenças entre as cicatrizes dos machos com uma progenitora em idade reprodutiva ou sem progenitora. “Foi uma surpresa”, diz Deborah Giles, directora científica e de investigação da organização sem fins lucrativos Wild Orca, que não participou no estudo. “Estava mais à espera que fosse uma mãe, ponto final.” As progenitoras em idade reprodutiva podem estar “ocupadas a cuidar das suas crias”, diz Giles, enquanto as fêmeas mais velhas “têm mais tempo e mais interesse”.
Brad Hanson, biólogo especializado em vida selvagem da National Oceanic and Atmospheric Administration, que não participou no estudo, diz que, por um lado, nunca pensaria que as marcas de dentadas afectassem a condição física das baleias assassinas em comparação com outras espécies, que têm mais cicatrizes. Por outro lado, porém, ele sabe os danos que uma pele ferida pode causar. Em 2016, uma baleia com uma etiqueta de monitorização via satélite de um programa iniciado por Hanson há mais de uma década morreu devido a uma infecção fúngica causada pela etiqueta. “Foi devastador, para não dizer pior”, afirma, “e demonstrou, claramente, a vulnerabilidade causada pelas feridas na pele”. É bom poder contar com a ajuda da mamã.
Este estudo contribui para os nossos “conhecimentos sobre a complexidade e as estratégias utilizadas nas sociedades de baleias assassinas e dá-nos mais uma razão pela qual a menopausa é importante nas fêmeas”, diz Hanson.
Porque o tratamento especial se destina apenas aos filhos?
Este estudo também descobriu que não havia diferença no número de cicatrizes das fêmeas jovens, independentemente do estatuto reprodutivo da sua progenitora – o que significa que elas não usufruem de qualquer protecção especial.
Estudos prévios da mesma população demonstraram que este fenómeno também ocorre noutros papéis desempenhados pelas fêmeas em idade pós-reprodutiva na sociedade matriarcal das orcas.
Por exemplo, estas fêmeas conduzem os seus grupos até locais de alimentação importantes, um papel especialmente relevante nas épocas em que o salmão, a principal presa do grupo, é difícil de encontrar. Estas progenitoras partem o salmão ao meio com uma dentada e dão metade ao seu filho, continuando a alimentá-lo já na idade adulta, enquanto as filhas tendem a tornar-se mais independentes quando atingem a maturidade sexual.
Filhas e filhos permanecem com o grupo para o resto da vida, mas os machos podem acasalar com várias fêmeas de outros grupos. Isto significa que o cuidado dessa descendência recai sobre esse outro grupo – uma vantagem para qualquer família de orcas que procura reduzir custos. Este factor também dá a uma progenitora mais oportunidades de transmitir os seus genes através dos filhos do que das filhas.
“Os machos têm maior potencial reprodutivo do que as fêmeas e as fêmeas preferem acasalar com machos mais velhos e maiores”, diz Giles. “Se [as fêmeas na pós-menopausa] conseguirem manter os seus machos bem alimentados e longe de conflitos, esses machos terão mais oportunidades de se alimentarem e ficarem grandes e velhos.”
Este artigo “defende a ideia de as fêmeas cuidarem preferencialmente dos seus filhos adultos, de modo a melhorarem a sua condição física e transmitirem os seus genes”, diz Giles.
E as famílias alargadas?
Embora as fêmeas em idade pós-reprodutiva possam ajudar os seus netos através do conhecimento ecológico, ensinando-lhes onde encontrar alimento, por exemplo, este estudo mostra que eles não sofrem menos ferimentos por se encontrarem perto de uma avó em idade pós-reprodutiva.
É interessante ver que estas progenitoras na pós-menopausa não se envolvem em lutas para proteger os seus filhos de agressões – estudos prévios demonstraram que são os membros com menos cicatrizes de todo o grupo.
Talvez utilizem o seu conhecimento da dinâmica social para resolverem conflitos ou para “dizerem [aos seus filhos] como resolver ou evitar um comportamento de risco”, diz Grimes. Entre os caçadores recolectores, por exemplo, as fêmeas tendem a mediar o conflito social através da voz e dos gestos.
E quando começa a menopausa das orcas? À semelhança do que acontece com a mulher – que costuma entrar na menopausa entre os 40 e os 50 anos –, a menopausa das orcas ocorre por volta dos 40 anos, diz Grimes.
Por isso, embora os humanos possam ser a excepção, ainda temos uma belíssima companhia.