Já tínhamos o Livro Vermelho dos Vertebrados, assinalando espécies raras e ameaçadas em Portugal. Agora, desde Junho, temos direito ao Livro Vermelho dos... Invertebrados. Isto significa que, graças a esta obra, é hoje possível sabermos mais sobre insectos, caracóis, lesmas, aranhas, mexilhões de rio e crustáceos, entre outros animais sem coluna vertebral com quem partilhamos o território continental.
Financiado pelo programa POSEUR, o projecto "Lista Vermelha de Grupos de Invertebrados Terrestres e Dulçaquícolas de Portugal Continental" decorreu entre 2019 e 2021 com o objectivo de avaliar, pela primeira vez, o risco de extinção de uma amostra seleccionada das espécies de invertebrados presentes no nosso território. Embora avaliações deste tipo já tivessem sido feitas a outros níveis (europeu ou ibérico, por exemplo), este tipo de dados não existia a nível nacional.
O resultado mais concreto deste estudo, o Livro Vermelho, pretende ser uma "referência orientadora para futuras estratégias e acções de conservação", de acordo com o site oficial do projecto. Esta obra, submetida à coordenação científica e executiva dos investigadores cE3c Mário Boieiro e Carla Rego, inclui fichas de cada espécie avaliada como ameaçada no continente e foi apresentada publicamente em meados de Junho.
O ponto de partida
Estamos a falar de uma iniciativa de vários parceiros que teve como base a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a fonte de informação mais completa do mundo sobre o risco de extinção de animais, fungos e plantas, actualizada a cada ano.
Em 1966 foi publicado o primeiro Livro Vermelho dos Mamíferos por esta organização internacional. Em Portugal os primeiros Livros Vermelhos – de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, peixes dulciaquícolas e migradores, peixes marinhos e estuarinos – surgiram na década de 1990, tendo sido alvo de revisões a partir de 2001, quando a UICN acrescentou novas categorias de ameaça à sua Lista.
O MÉTODO ESCOLHIDO
Para chegarmos ao primeiro Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal continental, foram visitados todos os 61 Sítios de Importância Comunitária (SIC) – uma figura legal de âmbito europeu que sinaliza sítios de particular importância para a biodiversidade –, amostrando fauna em cerca de 200 pontos diferentes de Norte a Sul do país. Foram também consultadas várias colecções museológicas ou universitárias, a fim de garantir que toda a informação disponível era usada.
Quantas espécies foram analisadas?
O projecto versou sobre uma amostra de 865 espécies das cerca de 20 mil espécies de invertebrados já identificadas em Portugal – sendo que, devido às lacunas de conhecimento sobre alguns dos grupos que esta designação abrange, novas espécies são identificadas ou mesmo descritas todos os anos.
Centenas de especialistas colaboraram na avaliação do grau de ameaça dessas espécies no território continental português. Algumas delas são endemismos portugueses – ou seja, até onde se sabe, só ocorrendo em Portugal continental.
CONCLUSÃO: 200 espécies sob a ameaça de extinção
Destas, só cerca de metade foram consideradas como não ameaçadas, uma vez que cerca de 200 das espécies avaliadas revelaram estar sobre algum grau de risco de extinção e não foi possível colectar dados conclusivos acerca de aproximadamente outras 200 espécies.
No entanto, destas, apenas 14 têm algum tipo de estatuto de conservação de acordo com directivas ou convénios internacionais. Entre elas está Lucanus cervus, o enorme escaravelho (o maior da nossa fauna) conhecido como vaca-loura.
Estes dados indiciam uma eventual desadequação dos critérios internacionais à protecção destes seres, que fazem parte de inúmeras cadeias tróficas, para além de desempenharem funções ambientais essenciais, como é o caso dos polinizadores (os mais conhecidos são as abelhas, mas muitos outros insectos cumprem este papel: moscas, borboletas, escaravelhos, etc.) ou de diversas espécies detritívoras (ou seja, que se alimentam de matéria vegetal morta), que mantêm os nutrientes a circular no ecossistema.