Observação de baleias: Os gigantes no canal

Saiba como uma indústria de caça ao largo dos Açores se transformou numa história de sucesso de reconversão.

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OrcAS
JOÃO QUARESMA

Seguindo a visão estratégica da Coroa, o povoamento dos Açores foi um exercício de coragem e resiliência, sobretudo por parte dos pioneiros que seguiram na linha da frente e enfrentaram o bravio território das ilhas, longe do grande continente.

A necessidade e a oportunidade atiraram o açoriano para o mar e levaram-o a enfrentar o maior predador com dentes do planeta, o majestoso cachalote. Numa luta com evidente desequilíbrio de forças, o homem viu nestes gigantes do oceano (um macho tem em média dezasseis metros de comprimento) mais uma forma de garantir a sua subsistência.

28 espécies de cetáceos 2
JOÃO QUARESMA

Estão referenciadas 28 espécies de cetáceos para as águas dos Açores e quase duas dezenas revelam ocorrências regulares na região.

Gaspar Frutuoso, o primeiro cronista dos Açores, deu conta dessa relação ancestral entre os açorianos e os gigantes dos mares. “No ano de 1574, acharam os pescadores uma baleia morta onde se chama o mar de Ambrósio, e, por ser longe e estar um só batel, a não levaram a terra, inteira, senão muitas postas dela, de que fizeram muito azeite”, escreveu.

“No ano seguinte de 1577, a derradeira oitava de Páscoa, apareceu outra, junto da Vila, e três ou quatro batéis, que foram a ela, a levaram à costa, junto de Nossa Senhora da Conceição, da qual se fez muito proveito e tiraram ambre (sic), que lá foi buscar desta ilha o feitor de el-Rei, Jorge Dias. Dizem que aproveitou, mas os pobres nada dele gozaram. (…).” A referência literária é sugestiva e é difícil pensar no canal entre o Faial e o Pico sem considerar essa longa relação entre pescadores e baleias.

BALEAÇÃO COMO MOTOR ECONÓMICO

O capítulo da baleação foi um dos mais marcantes na história e cultura dos Açores. Durante séculos, a caça à baleia desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento económico da região, moldou os costumes locais e deixou um legado impressionante.

A época de ouro aconteceu nos séculos XVIII e XIX e afectou todas as ilhas, mas, por força da sua geografia e economia frágil, o Pico foi a ilha onde a baleação teve maior expressão, tornando-se o centro do complexo baleeiro insular.

 

Museu dos Baleeiros nas Lajes do Pico 1
PEPE BRIX

O Museu dos Baleeiros tem cinco núcleos expositivos: 1. Núcleo do bote baleeiro açoriano 2. Núcleo da tenda de ferreiro 3. Núcleo do baleeiro em terra 4. Núcleo da construção naval 5. Núcleo da arte baleeira (Scrimshaw). 

Para a história ficou a coragem híbrida dos picarotos, bem celebrada pelos escritores Pedro da Silveira (“baleeiro, embarcadiço, afoito que mais nenhum) ou Vitorino Nemésio (“o único açoriano que é ao mesmo tempo agricultor e marítimo. No mar, às vezes, é herói”).

O Museu dos Baleeiros, no concelho das Lajes do Pico, acolhe uma parte considerável deste património ligado à baleação, e o seu circuito interpretativo, rico em conteúdo documental visual, proporciona uma viagem memorável pelos meandros desta extinta actividade a todos os que o visitam.

Com uma consciência ambiental global em exponencial crescimento durante a segunda metade do século XX, os Açores abandonaram gradualmente a baleação e substituíram-na por formas mais sustentáveis de contacto com este tipo de megafauna.

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O Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, foca-se na actividade artesanal que cessou em 1987.

Em 1984, Portugal aceitou por fim a moratória à caça à baleia, embora ainda fosse abatido um último cachalote na região em 1987. 

Deu-se então início ao segundo capítulo notável nesta história. Aproveitando a posição estratégica das ilhas no Atlântico e a migração de várias dezenas de espécies de cetáceos, emergiu uma apaixonante indústria de observação. Começou com pequenos passos temerosos, aproveitando a perícia dos observadores em terra e explorando o interesse dos novos turistas. Nas últimas quatro décadas, o whale watching foi regulamentado para minimizar o impacte humano no comportamento das grandes baleias e hoje os Açores são um modelo de boas práticas no contexto da observação da vida marinha.

Vigias
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Os vigias que até aos anos 1980 orientavam os baleeiros guiam hoje os operadores turísticos.