Que vida(s) existem debaixo de uma pedra?

Existe, perto de nós, uma surpreendente diversidade de vida a passar-nos despercebida: a fauna que habita, a tempo inteiro ou parte do seu ciclo de vida, debaixo das pedras que abundam à nossa volta – não raras vezes nos nossos quintais.

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Larva de Scarabidae
António Matos

Larva de Scarabidae.

Apesar da expressão “viver debaixo de uma pedra” (do inglês “living under a rock”) ser usada em sentido pejorativo, neste nicho esconde-se um mundo variado e dinâmico, no qual algumas espécies convivem de maneira inesperada. É debaixo das pedras que procuram não apenas a relativa segurança face ao mundo acima, mas condições de temperatura e humidade que, muitas vezes, consideravelmente distintas das do mundo envolvente, constituem verdadeiros micro-habitats. 

1. Que espécies pode encontrar?

Nesta simples, mas recompensadora actividade de exploração do mundo natural, eis os grupos (e algumas espécies) que encontrará com maior probabilidade:

a) Artrópodes – Este é, sem dúvida, o grupo com uma presença mais regular nestes refúgios. Além de vários insectos fazerem daqui a sua casa – seja durante a maior parte do seu ciclo de vida, como é o caso de vários escaravelhos da família Carabidae ou Tenebrionidae, seja durante o seu estádio larvar no caso de algumas borboletas (principalmente nocturnas), estes refúgios são também frequentados por crustáceos terrestres, representados por inúmeras espécies de isópodes. Por exemplo, pode ter de enfrentar os conhecidos bichos-da-conta, que se escondem aqui durante o dia e saem à noite para se alimentar. 

Ommatoiulus lusitanus
António Matos

Ommatoiulus lusitanus

Outro dos grupos de artrópodes que habita debaixo das pedras é o dos milípedes, que ocorrem em franca diversidade aqui, quer representados por espécies detritívoras (que se alimentam de detritos) como as marias-café do género Ommatoiulus, quer por predadores como as centopeias (como por exemplo Scolopendra cingulata, uma das mais comuns e características do nosso país). Finalmente, outro grupo que escolhe estes locais como esconderijo é o dos aracnídeos, sendo possível dar de caras com um escorpião (Buthus occitanus) protegendo o seu buraco, um grupo de opiliões ou até uma aranha-lobo (como, por exemplo, Lycosa hispanica) carregando as suas crias.

Scolopendra oraniensis
António Matos

Scolopendra oraniensis

b) Moluscos – A relativa fragilidade dos moluscos terrestres (nomeadamente dos gastrópodes, como caracóis e lesmas) perante o calor que por vezes se faz sentir em Portugal tornam estes refúgios particularmente apetecíveis, sendo relativamente comum encontrar grandes quantidades de lesma-dos-pousios (Drusia valencienni) abrigando-se do sol durante o dia, assim como outras espécies. Também comum é a presença de caracóis, como a caracoleta Cornu aspersumou o caracol-leitoso Otala lactea. 

A fim de garantir a segurança tanto do observador como dos observados, deve evitar-se sempre a manipulação dos animais descobertos. 

c) Anfíbios – Dependendo estes animais da humidade da pele para obter o oxigénio de que necessitam, os micro-habitats proporcionados pelas pedras surgem como autênticos oásis nos períodos mais secos do ano, onde estes podem repousar (enterrados ou não) e esperar por condições mais propícias à sua saída. Um dos anfíbios mais comuns nestes habitats é o sapo-corredor (Epidalea calamita), mas muitos outros podem ser encontrados, tal como tritõessalamandras ou outros sapos.

Pelodytes ibericus
António Matos

Pelodytes ibericus

d) Répteis – Embora, ao contrário de outros frequentadores destes habitats, os répteis não sejam tão susceptíveis às condições exteriores (dentro de certos limites), muitos procuram debaixo das rochas abrigo e protecção dos predadores. Assim, não é incomum avistar uma osga (Hemidactylus turcicus ou Tarentola mauritanica, dependendo da região do país onde nos encontramos) a fugir quando se levanta uma pedra, sendo o mesmo verdade para lagartixas como Psammodromus algirus.

Nas zonas de ocorrência de víboras (na maior parte do país, Vipera latastei), convém ter algum cuidado especial com pedras de maior dimensão, uma vez que podem albergar um indivíduo repousando. Finalmente, é possível pontualmente dar de caras com um réptil particularmente curioso: a cobra-cega (Blanus cinereus), facilmente confundível com uma minhoca numa observação desatenta, mas que na verdade é uma anfisbena, um réptil com verdadeiros hábitos subterrâneos e olhos praticamente vestigiais.

Blanus cinereus 2
António Matos

Blanus cinereus

2. Que cuidados deve ter?

Em primeiro lugar, a fim de garantir a segurança tanto do observador como dos observados, deve evitar-se sempre a manipulação dos animais descobertos. E quando esta for mesmo imperiosa, nunca deve ser feita directamente com as mãos, de modo a evitar, por um lado, causar stress desnecessário aos animais e, por outro, picadas ou outro tipo de ataques. Além disso, nunca levante a pedra colocando os dedos (ou outras partes da mão) na superfície inferior, que está em contacto com o solo, pelas mesmas razões. 

Finalmente, após a observação, coloque de novo as pedras, na medida do possível, no local e nas condições anteriores à sua primeira intervenção, pois os habitats que estes refúgios proporcionam são frágeis e uma pedra mal colocada pode alterar negativamente as condições que os tornam atractivos. Durante todo este processo, procure não esmagar acidentalmente as espécies que observou, ao colocar ou deixar cair violentamente a pedra que se levantou previamente.