As chitas estão de volta à Índia após 70 anos de extinção, graças a um plano de reintrodução governamental chamado Project Cheetah. No entanto, os especialistas em grandes felinos ainda estão divididos em relação a este esforço, que tem tido resultados mistos desde a chegada das primeiras chitas, em Setembro do ano passado.
Dos vinte primeiros animais trazidos da Namíbia e da África do Sul para o Parque Nacional de Kuno, no estado de Madhya Pradesh, pelo menos nove morreram. Uma fêmea chamada Siyaya, que pariu em Março, também perdeu a maioria das suas crias devido a má nutrição, desidratação e golpes de calor dois meses mais tarde.
Além disso, Yadvendradev Jhala, o cientista que liderou o Project Cheetah desde 2011 até 2023, diz ter sido obrigado a reformar-se no início deste ano, sem lhe ser dada qualquer justificação. “Era o meu projecto, fui eu que o concebi. Por isso, sinto-me excluído”, declarou.
Os críticos dizem que estes desenvolvimentos não são positivos para o futuro do Project Cheetah, nem para os animais africanos remanescentes que vivem no parque nacional. Existem apenas cerca de 7.100 chitas em estado selvagem actualmente, razão pela qual a União Internacional para a Conservação da Natureza classificou a espécie como vulnerável à extinção. (Das chitas asiáticas, a subespécie que existia na Índia, resta apenas uma população minúscula no Irão.)
Reintroduzir uma espécie na natureza é sempre arriscado, mas “é muito pior do que pensei que iria ser – um completo desastre”, diz Ullas Karanth, director é mérito da organização sem fins lucrativos Center for Wildlife Studies, em Bengaluru, que se opôs desde o início à deslocação de animais africanos para a Índia nas actuais circunstâncias. “A ideia de que isto vai conduzir a uma população auto-sustentável é totalmente absurda.”
No entanto, os responsáveis pelo Project Cheetah dizem que as coisas estão a correr como planeado.
“As chitas adaptaram-se muito bem ao habitat indiano”, diz S.P. Yadav, director da National Tiger Conservation Authority, que supervisiona o Project Cheetah. Os animais que foram libertados no parque estão a “explorar o habitat” e a “sobreviver na natureza com outros predadores”, afirma.
PRESS INFORMATION BUREAU VIA AP
O primeiro-ministro indiano Narendra Modi observa uma chita após a sua libertação num recinto no Parque Nacional de Kuno, no estado de Madhya Pradesh, no centro da Índia, a 17 de Setembro de 2022.
Perdas previsíveis
A morte e os ferimentos são riscos inerentes para qualquer animal selvagem que seja capturado e deslocado por pessoas. “A reintrodução de uma espécie que se extinguiu não vai ser um processo fácil”, diz Laurie Marker, fundadora e directora executiva do Cheetah Conservation Fund, na Namíbia, e membro da equipa de translocação das chitas da Namíbia.
Até na África do Sul, onde os especialistas deslocam chitas há décadas, 6 a 7 por cento dos grandes felinos que são realojados em reservas vedadas morrem, diz Vincent Van der Merwe, conservacionista de chitas sul-africano e Explorador da National Geographic. Van der Merwe, que gere a organização sem fins lucrativos Metapopulation Initiative, ajudou a recolher os animais sul-africanos e ainda participa no projecto.
No dia 27 de Março, Sasha, uma fêmea namíbia com problemas de saúde prévios, sucumbiu devido a insuficiência renal, tornando-se a primeira morte do projecto. Cerca de um mês mais tarde, Uday, um macho da África do Sul, morreu de causas desconhecidas um dia depois de ser transferido da quarentena para o seu recinto temporário, com cerca de 50 hectares.
Outra chita morreu em Maio, quando os funcionários do parque as alberga permitiram a entrada de dois machos sul-africanos no recinto de uma fêmea sul-africana chamada Daksha. Dois dias mais tarde, Daksha foi fatalmente atacada pelos machos.
Há duas semanas, duas outras chitas, Tejas e Suraj, dois machos da África do Sul, foram encontradas mortas. Os veterinários descobriram que as chitas tinham desenvolvido feridas infestadas por larvas sob as suas coleiras de rádio, provocando septicemia. Duas outras chitas, Pawan e Guarav, foram encontradas depois disso com feridas semelhantes no pescoço, provavelmente causadas pelo clima quente e húmido.
A coleira de Pawan já foi retirada e a chita recebeu cuidados médicos, diz Adrian Tordiffe, veterinário de animais selvagens da Universidade de Pretória e consultor da equipa da África do Sul. Os vigilantes da natureza ainda estão a tentar capturar os machos namíbios para ver se eles padecem do mesmo problema e necessitam de tratamento. “Se forem capturados e tratados a tempo, o prognóstico para uma recuperação rápida deverá ser bom”, diz Tordiffe.
A quarta e única cria sobrevivente de Siyaya foi retirada dos seus cuidados e está a ser criada por seres humanos em cativeiro.
Desde o início que van der Merwe e os seus colegas esperavam que metade da população fundadora de chitas morresse no prazo de um ano após a reintrodução, por isso “devemos contar com mais desgostos e sofrimento", diz. (NR: Desde o dia da publicação deste artigo já houve mais quatro vítimas)
No entanto, ele sublinha que “tudo está a correr como previsto e a mortalidade observada está dentro dos parâmetros normais da reintrodução de chitas selvagens”.
RONNY SEN
Dores de crescimento
Os responsáveis indianos calculam que o Parque Nacional de Kuno pode alojar um máximo de 21 chitas, mas alguns especialistas dizem que este valor não é realista para este felino territorial, que necessita de um domínio vasto.
“Trouxemos demasiadas chitas, demasiado cedo, e não temos espaço para elas”, diz Arjun Gopalaswamy, cientista e conservacionista independente especializado em grandes felinos da África e da Índia. “Cada dia vemos mais provas disso.”
Por exemplo, desde que as chitas foram libertadas em Kuno, os vigilantes da natureza tiveram de intervir numa luta entre um grupo de machos namíbios e um de sul-africanos. “Aquilo que se passa em Kuno é um torneio de MMA, com as chitas amontoadas em altas densidades e guardas-florestais como árbitros”, diz Karanth.
Os vigilantes também tiveram de perseguir ou sedar felinos errantes para os trazer de volta para dentro do parque, incluindo um macho e uma fêmea namíbios que se afastaram mais de 150 quilómetros.
Segundo Karanth, não é um caminho realista para a reintrodução da espécie. Se a Índia quiser mesmo trazer as chitas de volta, o animal deveria poder dispersar-se naturalmente na paisagem. “O verdadeiro objectivo do projecto não é ser um asilo de chitas, mas estabelecer uma população”, afirma.
Van der Merwe, porém, diz que “isto não é um argumento racional”, porque os animais que se afastarem demasiado não terão valor de conservação. “Como irão as chitas encontrar parceiros para acasalar se se afastarem [mais de 150 quilómetros] de todas as outras chitas?”, pergunta.
“No futuro, quando a população estiver estabelecida e houver um excedente de chitas, esse comportamento de dispersão poderá ser tolerado e até incentivado.”
Na opinião de Karanth, contudo, “isto demonstra uma total ignorância ecológica. Aquilo que eles estão a dizer é que as chitas devem agora transformar-se ecologicamente em leopardos e, quando as metas oficiais forem atingidas, devem transformar-se novamente em chitas”.
A próxima fronteira
O próximo passo, diz van der Merwe, é alargar o Project Cheetah a um segundo local na Índia. A escolha mais óbvia é o Parque Nacional de Mukundara Hills, no estado do Rajastão, um habitat com características favoráveis às chitas, como uma vedação e condições meteorológicas mais secas.
RONNY SEN
Uma fotografia aérea mostra a vedação eléctrica e os portões de um recinto onde as chitas africanas fazem quarentena durante um mês antes de serem libertadas no Parque Nacional de Kuno.
No entanto, o Rajastão é actualmente controlado por um partido político diferente do do primeiro-ministro Narendra Modi, por isso, por enquanto, é demasiado complicado considerar a opção de Mukundara Hills, diz Karanth. “A política intromete-se nisto tudo.”
Karanth acrescenta que os milhões de dólares investidos no projecto deveriam ter sido despendidos na conservação da vida selvagem na Índia. “O dinheiro dos meus impostos foi para este esquema insensato.”
O próximo local de reintrodução deverá ser o Santuário de Vida Selvagem de Ghandi Sagar, no estado de Madhya Pradesh, uma área protegida mais pequena, que só pode alojar quatro chitas adultas.
Assistindo estes desenvolvimentos a partir da bancada, Jhala — um dos visionários originais e líder do projecto – diz que teria tomado decisões diferentes.
“Alguma mortalidade poderia ter sido evitada se houvesse alguém com conhecimentos adequados”, diz. No geral, porém, ele permanece optimista. “Não vejo por que não possa ter sucesso se seguirem os planos de longo prazo desenvolvidos e determinados pelo governo, escritos por mim”, comenta. “É preciso que venham mais chitas para a Índia e que sejam criados mais locais.”