Entre Maio e Outubro, na região sudeste dos EUA, cinco espécies de tartarugas, desde tartarugas-comuns a tartarugas-de-Kemp, rastejam até à costa sobre a protecção da noite para pôr os seus ovos na mesma praia onde nasceram.

Durante este período, milhares de voluntários apaixonados por tartarugas examinam as orlas costeiras em busca dos rastos dos répteis, no âmbito de um trabalho em curso para recolher dados sobre a sua população e evitar que os ninhos sejam incomodados por predadores e seres humanos.

No entanto, os rastos encontrados na areia podem ser enganadores, uma vez que as fêmeas deixam frequentemente “rastos falsos” saindo da água e regressando sem pôr ovos. E como as tartarugas marinhas reviram grandes áreas de areia para esconderem os seus ninhos dos predadores, os monitores humanos têm, frequentemente, de adivinhar onde se encontram os ovos.

Agora, um novo estudo sugere que o melhor amigo do homem poderá fazê-lo melhor do que nós. Uma cadela treinada para detectar odores chamada Dory descobriu a localização de ovos de tartaruga marinha com mais precisão do que os voluntários humanos, segundo experiências recentes publicadas na revista PLOS ONE.

“Os farejadores da conservação”, como Dory, poderão ajudar os cientistas a obter uma imagem mais completa dos hábitos de nidificação das tartarugas marinhas – uma informação essencial num momento em que todas as espécies de tartarugas marinhas dos EUA se encontram ameaçadas ou em perigo, diz a líder do estudo Rebekah Lindborg, conservacionista do departamento Animals, Science, and Environment da Disney. (Nota: A Walt Disney Company é a principal accionista da National Geographic Media.)

Uma competição amigável

Lindborg juntou-se a Pepe Peruyero, especialista em comportamento canino e antigo tratador de patrulhas policiais K9, que treinou cães para detectar odores durante mais de 20 anos. Peruyero escolheu uma cadela resgatada com dois anos chamada Dory, arraçada de terrier, que foi encontrada a vaguear junto a uma auto-estrada na Florida, para ser a cara – ou melhor dizendo, o focinho – do projecto.

Ao longo de meses de treino numa praia artificial com 15 x 15 metros, Peruyero treinou Dory para dar o alerta quando detectasse o odor de “muco cloacal”, uma substância pegajosa que reveste os ovos acabados de pôr das tartarugas marinhas. Lindborg assumiu o papel de tratadora de Dory.

Em seguida, a equipa convenceu a Florida Fish and Wildlife Conservation Commission a autorizar uma competição amigável. No pico das épocas de nidificação de 2017 e 2018, dois grupos concorrentes patrulharam uma secção de orla costeira com cerca de oito quilómetros de cumprimento em Vero Beach, na Florida.

Em alguns momentos, Dory e Lindborg estavam encarregues de detectar a utilização de tartaruga marinha com base no olfacto de Dory. Nos outros, a tarefa cabia a uma equipa de voluntários – alguns dos quais com um ano de experiência e outros que somavam décadas de patrulhas madrugadoras.

O que Dory encontrou

A terrier tinha um excelente olfacto para tartarugas, tendo identificado 560 ninhos de tartaruga marinha de três espécies. Os humanos encontraram apenas 256, embora grande parte da diferença se deva ao facto de Dory ter trabalhado mais dias.

Dory também se revelou significativamente melhor do que os seus colegas humanos no momento de escolher onde escavar em busca de ovos, reduzindo significativamente o número de buracos abertos e a duração geral de uma patrulha, diz Lindborg. Também “desistia” com menos facilidade – enquanto os voluntários humanos não conseguiram encontrar ovos em 14,8 por cento dos ninhos, Dory só não o fez em 5,7 por cento das ocasiões.

Dory tornou-se particularmente boa a localizar ninhos de tartaruga-comum, que representaram cerca de 80 por cento de todos os ninhos encontrados. No entanto, a espécie para a qual mais precisamos de ajuda é a tartaruga-de-couro, um réptil gigantesco que pode pesar quase mil quilos. Isso deve-se ao facto de as tartarugas-de-couro perturbarem uma área de areia do tamanho de um carro para fazerem os seus ninhos, fazendo com que os monitores tenham de escavar buraco após buraco em busca dos ovos.

“Podemos passar horas a tentar encontrá-los e não ter sucesso nenhum”, explica Lindborg. Devido ao factor sorte, os seis ninhos de tartaruga-de-couro encontrados durante o estudo foram descobertos em “dias da Dory”, por isso não há dados suficientes para fazer uma comparação directa com o desempenho humano.

Vero Beach
Cortesia do Walt Disney World Resort

Dory procura a localização exacta dos ovos num ninho de tartaruga de couro em Vero Beach durante esta experiência realizada recentemente.

Um complemento e não um substituto

Dory é o primeiro cão a provar que os caninos podem, pelo menos em algumas circunstâncias, suplantar os seres humanos nos esforços de monitorização das tartarugas marinhas.

Os seus feitos validam a meia dúzia de cães farejadores de tartarugas testados anteriormente, como um Cairn terrier chamado Ridley Ranger, que procurou ovos numa ilha de barreira no Texas, e Captain Ron, o beagle de estimação de Peruyero, que provou que os cães poderiam ser treinados para detectar muco clocal em 2016.

Embora os resultados de Dory sejam impressionantes, Matthew Godfrey, biólogo especializado em tartarugas marinhas da North Carolina Wildlife Resources Commission, diz que os voluntários humanos veteranos também conseguem localizar os ninhos com rapidez e precisão. Godfrey diz que se interroga se os concorrentes humanos de Dory poderiam ter rivalizado com o seu desempenho se também recebido uma formação intensiva durante meses.

Um cão que detecta odores poderá fazer a diferença em situações onde o tempo é fundamental, diz Catherine Eastman, directora do programa de tartarugas marinhas do Laboratório Whitney, da Universidade da Florida, nomeadamente “quando estamos sob pressão” para realojar um ninho prestes a ser inundado quando a maré chegar ou antes de maquinaria pesada remexer um local de nidificação para um projecto de construção.

Dory já está reformada, tendo trocado as patrulhas madrugadoras pela vida em família em Fort Lauderdale, diz Peruyero. Mas Lindborg e a sua equipa esperam que ela seja a primeira de muitos farejadores de tartarugas marinhas.

“Estamos muito entusiasmados com o impacto que isto poderá ter na comunidade das tartarugas marinhas – e o trabalho de conservação em geral”, diz Lindborg.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.