Um recurso muito usado no mundo audiovisual são os sons de aves para invocar um determinado tipo de ambiente, através da introdução de cantos de espécies onde eles nunca seriam encontrados no mundo real. De filmes como "Willow Creek" e "Terror na Ópera", de Dario Argento, a "O Senhor dos Anéis", "Os Vingadores" ou "Indiana Jones", não faltam exemplos. Abaixo, apresentamos-lhe algumas aves mais prováveis de escutar:

1. Búteo-de-cauda-vermelha (Buteo jamaicensis)

Quando ouve uma rapina num filme, independentemente do animal que estiver presente no ecrã (ou até quando não está nenhum), o mais provável é que esteja a ouvir o “keeee-arr” desta rapina de porte médio que se distribui por toda a América do Norte. Aliás, é muito comum escutar o som natural da ave nacional dos EUA, a águia-calva, ser substituído por este, tido como mais representativo das rapinas.

Em Portugal, esta espécie não ocorre, mas ocorre um congénere próximo, o búteo-comum ou águia-de-asa-redonda, uma das rapinas mais comuns (e mais vocais) da nossa fauna. Pode ser encontrada de Norte a Sul do país (e mesmo nas ilhas, onde assume os nomes comuns de “milhafre” ou “manta”). É comum avistá-la pousada num poste à beira da estrada à espera de uma oportunidade para se alimentar.

2. Mobelha-grande (Gavia immer)

“oooooOOOOOOooooo” quase fantasmagórico que as mobelhas por vezes emitem está presente no cinema (aos seis minutos) quase desde que o som se juntou à imagem, e tipicamente surge durante cenas nocturnas ou florestais. No entanto, muitas vezes surge em sítios onde, no mundo real, nunca encontraríamos esta ave, que ocupa essencialmente as zonas ártica e sub-ártica na maior parte do ano, procurando zonas costeiras um pouco mais a Sul no Inverno, nas costas do continente americano e da Europa. Algumas das suas outras vocalizações são também usadas com alguma regularidade, mais em documentários de natureza ou similares. É um membro dos Gaviformes e alimenta-se essencialmente de peixe, embora possa capturar outras presas na ausência do mesmo, peixe este que captura em mergulho.
Em Portugal, é um visitante invernal raro, porém regular, sendo todos os anos ouvido e avistado principalmente em zonas costeiras ou estuários de rios já perto do mar.

Gavia Immer
SHUTTERSTOCK

3. Coruja-do-Mato (Strix aluco)

E, falando de fantasmagórico, poucas aves terão tanto esse efeito sobre os nossos ouvidos como este strigiforme de tamanho médio, que se distribui por toda a Europa (com excepção da Irlanda) e por uma boa parte da Ásia. O seu hoo...ho, ho, hoo-hoo-hoo-hoo” é quase o som que associamos ao estereótipo das rapinas nocturnas (com somente a concorrência do UUUUUUUUH por vezes assustador do bufo-real), e está quase sempre presente em cenas nocturnas, para lhe imprimir um carácter sinistro (aos 1:45).

Em Portugal, esta espécie é residente, e distribui-se por zonas arborizadas de todo o país, incluindo zonas urbanas. Alimenta-se maioritariamente de roedores, mas é também uma exímia caçadora de aves, uma parte importante da dieta.

Cucaburra
SHUTTERSTOCK / Linda Robertus

4. Cucaburra-grande (Dacelo novaeguineae )

Talvez a ave cujo canto aparece desajustado em mais situações, este parente terrestre do guarda-rios tem como vocalização mais típica um conjunto de sons muito semelhantes a gargalhadas (com vários “haha” “oh” repetidos, muitas vezes em grupo) que lhe dão o nome comum inglês de laughing kookaburra e que, com toda a certeza, já ouviu (e provavelmente associa a macacos) em cenas de selva, normalmente passadas em África (já desde os filmes do Tarzan, de Johnny Weissmuller), mas também noutros locais, como na Amazónia ou na Índia. Na verdade, a distribuição natural desta ave limita-se à parte oriental da Austrália (com populações introduzidas no sudoeste do mesmo país e na Nova Zelândia), onde ocupa habitats bastante diferentes, passando geralmente o tempo em zonas arborizadas, mas com pouca vegetação no solo, onde pode estar pousado à espera de avistar um pequeno vertebrado ou invertebrado (ou um humano pouco atento com comida na mão) no chão que lhe possa servir de presa.
Em Portugal, o seu parente mais próximo é o guarda-rios. Ao contrário do cucaburra, este está fortemente associado a rios, ribeiras e outras massas de água doce por todo o continente, onde pode ser avistado durante todo o ano, quer capturando um peixe ou anfíbio num flash azul, quer pousado num ramo numa das margens à espera de uma oportunidade para o fazer.

5. Corvo-comum  (Corvus corax)

Das aves aqui mencionadas, esta é talvez a que mais dispensa apresentações: o corvo faz parte do imaginário do ser humano desde que há memória, e quase todos reconhecemos o seu grasnar rouco (um prruk-prruk-prruk difícil de confundir com qualquer outro corvídeo) quase instantaneamente. No cinema, e devido aos seus hábitos alimentares oportunistas que levam a uma alimentação muitas vezes necrófaga, é comummente associado à morte ou à iminência da mesma, sendo a sua voz muitas vezes banda sonora para cenas passadas após batalhas sangrentas ou outras tragédias. No mundo real, este é apenas um dos sons (embora um dos que mais se ouve) do vasto repertório destas aves que são, inclusive, excelentes imitadores.

Em Portugal, o corvo-comum distribui-se de Norte a Sul do continente, sempre em densidades relativamente baixas e muitas vezes coexistindo com a sua congénere mais pequena, a gralha-preta, que pode ser confundida com este por observadores menos experientes, apesar de ser mais pequena, ter uma voz diferente e apresentar uma cauda que, quando aberta, se dispõe em leque em oposição à cauda em cunha do corvo.

  SUGESTÕES DE LEITURA:

  • Xeno Canto 
  • Guia de aves: o guia de campo mais completo das aves de Portugal e da Europa. Porto: Assírio & Alvim, 2017. (ISBN 978-972-371963-5) 
  • Atlas das aves nidificantes em Portugal (1999-2005). Lisboa: Assírio & Alvim (ISBN 978-972-37-1374-9)