No início de Janeiro de 2011, o especialista em mamíferos marinhos Jeff Foster, de 55 anos, chegou à costa rochosa de uma baía prístina junto da pequena aldeia de Karaca, num canto da orla sudoeste do golfo de Gökova, na Turquia. Ao largo da costa, pairava um conjunto de gaiolas flutuantes utilizadas em unidades de aquicultura.

Numa delas, modificada e medindo cerca de trinta metros de comprimento por 15 metros de profundidade, dois roazes machos nadavam em círculos lentos. Tom e Misha, assim se chamavam, encontravam-se num estado lamentável. 
Tanto quanto se sabia, tinham sido capturados no Egeu em 2006 e não se sabia praticamente nada sobre eles. Após iniciarem as suas vidas em cativeiro num parque de golfinhos na vila costeira de Kaş, em Junho de 2010, tinham viajado no interior de um camião até uma piscina de cimento mal construída na vila de Hisarönü, onde os turistas pagavam 40 euros para serem rebocados durante dez minutos. Seria difícil imaginar um local mais incongruente e desorientador para dois golfinhos nascidos no oceano. Como o sistema de filtragem era inadequado, o fundo da piscina ficou rapidamente revestido de peixes mortos e fezes de golfinho.

Capazes de comunicações extensas, utilizam assobios-assinatura análogos a nomes individuais. Podem reconhecer a sua imagem num espelho, entendem conceitos abstractos e já provaram ter conhecimentos básicos de gramática e sintaxe.

Algumas semanas mais tarde, uma campanha indignada, iniciada nas redes sociais por habitantes locais e movimentos cívicos, forçou o encerramento das instalações. No início de Setembro, receando a morte dos golfinhos, a Fundação Born Free, sediada no Reino Unido e dedicada à protecção de animais selvagens, interveio e tomou posse de Tom e Misha. Os dois golfinhos foram conduzidos até à gaiola ao largo de Karaca. Jeff foi contratado para ajudar a Fundação num projecto ambicioso: recuperar a melhor forma física de Tom e Misha, ensinar-lhes o conhecimento fundamental para a vida em ambiente selvagem e libertá-los no Egeu. “Com criaturas imprevisíveis e difíceis, corria-se um grande risco”, conta Will Travers, o presidente da Fundação. “Mas percebemos que os animais teriam poucas hipóteses e que provavelmente morreriam se ninguém agisse.”

As questões éticas levantadas em torno da manutenção de golfinhos em cativeiro têm vindo a intensificar-se à medida que as suas capacidades intelectuais e cognitivas se tornam mais bem compreendidas. Os golfinhos são das espécies mais inteligentes do planeta: possuem autoconsciência e são altamente sociais, com cérebros notavelmente grandes e complexos para a sua dimensão corporal.

Capazes de comunicações extensas, utilizam assobios-assinatura análogos a nomes individuais. Podem reconhecer a sua imagem num espelho, entendem conceitos abstractos e já provaram ter conhecimentos básicos de gramática e sintaxe.

Menos de três dezenas de golfinhos mantidos em cativeiro durante longos períodos foram libertados nos últimos 50 anos, com resultados variados e inconclusivos. Tom e Misha criaram uma oportunidade para se aperfeiçoar a arte de ensino dos golfinhos, ajudando a definir uma alternativa ao cativeiro contínuo. “É o tipo de projecto que toca o coração das pessoas”, diz Will. “Se tivermos sucesso com Tom e Misha, isso inspirará a sociedade e talvez a leve a questionar os espectáculos [de golfinhos em cativeiro].”

Enquanto proporcionavam à Fundação um ensejo para definir o futuro, Tom e Misha davam uma oportunidade de redenção parcial a Jeff Foster. Descontraído e com a compleição corada própria de um homem com uma grave alergia a cubículos de escritório, este filho de um veterinário de Seattle sempre adorou aprender sobre animais. Aos 15 anos, já trabalhava no aquário da sua cidade natal. Em 1976, com 20 anos, ajudou Don Goldsberry, que veio a tornar-se o mais prolífero coleccionador de mamíferos marinhos do Sea World, a montar uma operação para a captura de orcas (a maior espécie de golfinho) na Islândia. Nos 14 anos seguintes, Jeff ajudou a capturar duas dezenas de orcas ao largo dos EUA e da Islândia para o Sea World e outros parques aquáticos. Além das baleias assassinas, Jeff também removeu golfinhos mais pequenos, leões-marinhos, focas e outros animais do seu habitat para exibição em cativeiro.

O treinador Jeff Foster manda Tom e Misha nadarem energicamente. Fotografia Z. Derya Yildirim

Embora não se preocupasse muito em saber se Tom e Misha estariam, ou não, a ajudá-lo a saldar uma dívida cármica, este novo trabalho agradava a Jeff. Ele capturara a sua primeira orca porque lhe parecera uma forma interessante de ganhar a vida e acreditava piamente que era a melhor maneira de aprender algo sobre um animal pouco conhecido. No entanto, ao ouvir os queixumes chorosos de animais jovens, solitários e confinados ao convés de um navio de captura, começou a ponderar os aspectos morais da questão. Jeff fez o melhor que pôde, utilizando as mãos e a voz para acalmar as jovens, temerosas e perturbadas orcas. Recusou-se a seguir práticas segundo as quais a privação de uma baleia assassina de alimento poderia ajudar a domesticá-la, tornando-a mais submissa. Apesar dos seus esforços, “quanto mais o fazemos, mais nos apercebemos de que estamos a separar famílias”, diz. “Não podemos sentir-nos bem quando retiramos algo da natureza.”

 Por ironia, a vasta experiência de Jeff na captura de golfinhos qualificava-o singularmente para inverter o processo e transformara-o num parceiro inesperado para a Fundação. “Jeff pertencia, no essencial, à indústria da captura e nós sentíamo-nos muito nervosos”, conta Alison Hood, que supervisionou o projecto em representação da Fundação. “Mas ele é um verdadeiro poço de conhecimento e nós tínhamos assumido a responsabilidade por Tom e Misha. Cabia-nos o dever de lhes dar a melhor hipótese possível, a qualquer custo.” Segundo a estimativa de Jeff, o processo de reabilitação de Tom e Misha poderia demorar seis a oito meses e custar 446 mil euros – para a gaiola, o pessoal, o equipamento, os peixes vivos. A Fundação esperava que custasse menos de metade desse valor. Ambos estavam errados.


Keiko (do folme "Libertem Willy") nadou em liberdade em 2002, após mais de 20 anos em cativeiro. Nunca se integrou num grupo selvagem, tendo continuado a procurar companhia humana e entrega de alimento. Fotografia Gorm Kallestad, AP Images

A reabilitação de um golfinho capturado não é tão fácil como possa parecer. Um golfinho em cativeiro conserva a mesma anatomia e genética que tinha em estado selvagem, mas é um animal diferente em vários aspectos. Em ambiente selvagem, vive uma vida de imprevisibilidade e competição. Socializa e caça num vasto território, deslocando-se quase constantemente, enfrentando uma multitude de espécies e de situações novas. À excepção de emergir para respirar, um golfinho selvagem passa a vida debaixo de água.

A experiência num parque aquático é oposta à da vida selvagem. O espaço físico é limitado e estéril, a vida segue horários e não há necessidade de caçar. Para além dos treinos e dos espectáculos, também há reduzida necessidade de movimento. E, sobretudo, a capacidade de orientação de um golfinho em cativeiro sofre alterações profundas: o mundo acima da superfície torna-se, subitamente, muito mais importante do que o mundo lá em baixo. Desde a alimentação às sessões de treino e os aplausos do público em reacção às ordens dadas durante os espectáculos, quase toda a acção acontece cá em cima. Basta uma simples comparação para esclarecer a diferença: os golfinhos selvagens passam, em estimativa, 80% do seu tempo muito abaixo da superfície; os golfinhos em cativeiro passam cerca de 80% do seu tempo à superfície ou acima desta.

Jeff Foster capturou a sua última orca para cativeiro em 1990, embora continuasse a capturar outros golfinhos e leões-marinhos. No entanto, começou igualmente a dedicar mais tempo à investigação de baleias em estado selvagem e, entre 1996 e 2001, participou de maneira activa na tentativa de devolver Keiko, a orca que protagonizara o filme “Libertem Willy”, às suas águas nativas, na Islândia. Keiko nadou rumo à liberdade em 2002, mas morreu de pneumonia em 2003. “A indústria do cativeiro pensa que eu ando a libertar animais e desconfia muito de algumas coisas que temos feito. Agora sou uma espécie de pária”, diz Jeff. “Mas eu não me oponho ao cativeiro. Ando apenas a tentar fazer as coisas certas.”

A experiência num parque aquático é oposta à da vida selvagem. O espaço físico é limitado e estéril, a vida segue horários e não há necessidade de caçar. Para além dos treinos e dos espectáculos, também há reduzida necessidade de movimento.

Jeff sempre teve orgulho em esforçar-se por perceber as necessidades dos animais que levava para cativeiro, de forma a atenuar a transição desorientadora entre os mundos natural e humano. A obtenção de registos rigorosos sobre Tom e Misha revelou-se impossível, mas a Fundação Born Free calcula que ambos terão sido capturados junto do porto de Esmirna e depois mantidos em cativeiro durante cerca de quatro anos. Tom era mais pequeno, mais travesso e aparentava ser o mais jovem dos dois. Ansiava por agradar e parecia ter-se adaptado melhor à vida em cativeiro.

Misha, em oposição, era arisco e desconfiado de todas as novidades. Mostrava relutância em interagir com o mundo humano e passava frequentemente o tempo na gaiola a olhar para o mar. “A forma como os golfinhos encaram o cativeiro depende muito da maneira como foram levados para lá”, diz Jeff. “Se os cuidados e o condicionamento não forem adequados, no final pode-se mesmo ficar com animais mais neuróticos.”

Os efeitos prolongados da vida de Tom e Misha em parques aquáticos eram evidentes na sua letargia e no facto de se encontrarem cerca de 20% abaixo do seu peso saudável, com tão pouca gordura que as costelas eram visíveis. A preparação para ao regresso ao mar não se limitaria ao ensino de técnicas de caça de peixe, à diminuição do seu contacto com seres humanos e à abertura de um portão. Jeff reconhecia a necessidade de uma abordagem mais contra-intuitiva que começasse com as mesmas ferramentas (o assobio e a vara de um treinador) e métodos (“condicionamento operativo”, que recompensa os comportamentos correctos e ignora os incorrectos) utilizados pelos parques aquáticos de todo o mundo que treinam golfinhos para actuação  em espectáculos.

Além de serem condicionados a permitir a recolha de amostras de sangue, ambos os golfinhos precisavam de aprender a aceitar outros procedimentos de saúde essenciais, como permitir esfregaços aos seus espiráculos para culturas bacteriológicas. E Jeff não era capaz de imaginar outro modo de recuperar a boa forma de que Tom e Misha necessitariam para sobreviver no oceano que não fosse sujeitá-los a um regime de natação rápida, saltos e caminhadas sobre a barbatana caudal que desenvolvessem músculo e resistência. “A única maneira é treiná-los para depois ser possível destreiná-los”, disse.

Os treinos muito enérgicos exigem calorias e, por isso, a primeira tarefa era transformar os hábitos alimentares selectivos de Tom e Misha para habituá-los de novo aos peixes que provavelmente encontrariam no Egeu, como tainhas, anchovas e sardinhas. A estratégia consistia em oferecer-lhes uma espécie de peixe local. Se o comessem, seriam recompensados com carapau, um peixe pelo qual haviam desenvolvido o gosto em cativeiro. Para imitar a imprevisibilidade da existência de alimento na natureza, Jeff variava a quantidade e a frequência das refeições. “Quando os levamos para o cativeiro, tudo, desde a alimentação aos espectáculos, é estruturado”, diz. “Eles desenvolvem um relógio interno e sabem exactamente quando vão ser alimentados. Temos de o inverter porque sabemos que, em ambiente selvagem, podem comer mais num dia do que noutro.”

Jeff também quis despertar os cérebros dos golfinhos. Atirou para a gaiola organismos que eles não viam há anos, como um polvo, uma alforreca ou um caranguejo. Cortou buracos ao longo de um tubo de PVC, encheu-o com peixes mortos e depois atirou-o para dentro de água. Tom e Misha tinham de perceber como manipular o tubo para que os peixes saíssem pelos buracos. “Em cativeiro, treinamos os animais para não pensarem por si, ‘desligando’ os cérebros e fazendo o que lhes pedirmos”, explica. “Agora, queria tirá-los do modo de piloto automático e pô-los a pensar.”

O tubo de alimentação tinha duas vantagens adicionais. Flutuava cerca de um metro e meio abaixo da superfície, recordando a Tom e Misha que o alimento se encontra debaixo de água, e ajudava a dissociar os seres humanos da oferta de alimento. “Tínhamos de fazê-los compreender que o peixe não provém apenas de um balde prateado e de um ser humano”, explica Amy Souster, uma jovem treinadora recrutada para o projecto.

O processo de preparação de Tom e Misha desenrolou-se gradualmente, em etapas, ao longo da Primavera de 2011, chegando a incluir 20 sessões de aprendizagem por dia. Quando os meses quentes de Verão se aproximaram, Jeff acreditava que Tom e Misha estariam prontos para nadar em liberdade no início do Outono. No entanto, com o calor do Verão e respectivo aquecimento das águas da baía até 26ºC, temperatura que causa problemas aos golfinhos, Tom e Misha perderam o apetite e foram atacados por uma virulenta infecção sanguínea que quase foi fatal. “Escaparam mesmo por pouco”, recorda John Knight, o veterinário consultor da Fundação Born Free. Tom e Misha não estavam unidos por uma relação estreita e limitavam-se a tolerar a presença do outro, mas Amy ficou comovida com as tentativas feitas por Misha para cuidar de Tom, empurrando-o até à superfície para respirar quando ele se afundava até ao fundo da gaiola e levando-lhe peixes para tentar que ele se alimentasse.

A agravar a situação, no final do Verão, os aldeãos de Karaca tinham tornado claro que estavam fartos do projecto instalado na sua baía. As “mensagens” incluíram o corte dos pneus dos veículos da Fundação, riscos com chaves e até ameaças de violação às funcionárias do sexo feminino. Em Outubro de 2011, a gaiola foi cuidadosamente rebocada para outro local, do lado oposto da baía. Jeff e a sua equipa redobraram esforços, com ênfase na forma física dos golfinhos.

A gaiola estava agora ancorada a cerca de trinta metros da estrutura de madeira da costa, permitindo a Jeff recorrer a uma das suas inovações preferidas do projecto de Keiko: uma fisga gigantesca que rodava sobre um suporte e podia ser utilizada para disparar peixes para sítios diferentes da gaiola. Além de proporcionar alimento sem intervenção humana directa, a fisga encorajava Tom e Misha a ganhar o hábito de se mexerem mais, como os golfinhos selvagens. 
Não tardaram a perceber a ideia e o simples som da fisga despertava os seus reflexos. “Nem pensavam. Limitavam-se a esperar pela próxima coisa que caísse na água”, diz Jeff. “Soube que chegara a hora de lhes dar peixes vivos.”

“No entanto, Tom e Misha mudaram. Deixaram de ser animais letárgicos e dependentes das pessoas, focados em comida vinda de baldes, e tornaram-se animais que ficam loucos com peixes vivos e se comportam da maneira que os golfinhos selvagens devem comportar-se”, disse. “Foi impressionante.”

 É um dos aspectos bizarros do cativeiro: uma vez capturados, os golfinhos nascidos em ambiente selvagem parecem deixar de perceber que os peixes devem ser caçados e comidos. Tom e Misha olhavam para os cardumes de peixes que atravessavam a sua gaiola como se estivessem a ver televisão. Jeff teve de treiná-los novamente para voltarem a caçar e comer peixe vivo. Começou por misturar peixes vivos, ao princípio abrandados por um golpe na cabeça ou um corte no rabo, entre punhados de peixes mortos atirados para a piscina. Tom e Misha tinham-se de tal forma habituado a competir entre si para engolfar tudo o que caísse dentro de água que comiam peixes vivos juntamente com os mortos, sem sequer pensarem nisso. Com o tempo, os peixes vivos – cada vez menos abrandados – foram compondo uma porção crescente da sua alimentação, até os golfinhos se reacostumarem ao sabor e à ideia de terem de capturar as suas refeições.

De seguida, Jeff utilizou garrafões de 20 litros, com tampas accionadas por molas que se abriam remotamente, para soltar peixes vivos no interior da gaiola a partir de várias localizações e a diferentes profundidades, retirando uma vez mais os seres humanos da equação e concentrando a atenção de Tom e Misha debaixo de água. Ambos os golfinhos começaram a passar mais tempo em caçadas nas profundezas da gaiola, até soprando bolhas pelos espiráculos para espantar peixes escondidos que não conseguiam alcançar. Amy Souster mostrara-se céptica quanto à possibilidade de devolver os animais com sucesso ao mundo natural. “No entanto, Tom e Misha mudaram. Deixaram de ser animais letárgicos e dependentes das pessoas, focados em comida vinda de baldes, e tornaram-se animais que ficam loucos com peixes vivos e se comportam da maneira que os golfinhos selvagens devem comportar-se”, disse. “Foi impressionante.”

Jeff concordou. Chegara a altura de abrir o portão.


 

Tom e Misha nadam na sua gaiola ao largo da costa do Egeu. Em cativeiro os golfinhos ficam tão habituados a comer peixes mortos que os treinadores têm de os reensinar a caçar antes de poderem ser libertados. Fotografia Jeff Foster.

O dia 9 de Maio de 2012 nasceu com um céu azul-cobalto límpido e promissor. Uma multidão composta por funcionários e apoiantes da Fundação Born Free reunira-se nas redondezas. Bem cedo, nessa manhã, Tom e Misha tinham sido equipados com etiquetas de monitorização nas barbatanas dorsais. “Se conseguirem sobreviver durante de seis meses, saberemos que foram reintroduzidos com sucesso”, explicou Jeff. “Se não estiverem a sair-se bem, ou seja, se ao fim de três meses abrandarem e o seu domínio diminuir, saberemos que estão mais fracos.”

Uma vez tudo preparado, um mergulhador abriu uma porta na rede da gaiola. Chegara o grande momento, mas Tom e Misha mantiveram-se no interior, deslocando-se cuidadosamente na gaiola. Passados cerca de vinte minutos de uma inactividade cada vez mais constrangedora, Amy Souster estendeu o braço direito, traçando uma linha descendente sobre o corpo, dando-lhes o último sinal de treino: o sinal para ir de A a B. Conforme o esperado, Tom fez o que lhe pediram e nadou para fora da gaiola, parando a cerca de dez metros. Como habitualmente, Misha seguiu a liderança de Tom, mas acelerou ao chegar junto dele, correndo até à embocadura da baía. Tom acelerou para se juntar a ele. As dúvidas que pudessem subsistir sobre a forma como dois golfinhos durante tanto tempo mantidos em cativeiro reagiriam ao oceano aberto, rapidamente se dissiparam. “Seis horas mais tarde, andavam a comer peixes selvagens e a nadar com outro [golfinho]”, diz Jeff. “Foi fabuloso.”

“No entanto, Tom e Misha mudaram. Deixaram de ser animais letárgicos e dependentes das pessoas, focados em comida vinda de baldes, e tornaram-se animais que ficam loucos com peixes vivos e se comportam da maneira que os golfinhos selvagens devem comportar-se”, disse. “Foi impressionante.”

 Em meados de Outubro, cinco meses após a libertação, o marcador de monitorização de Tom parou de transmitir. O de Misha continuou a dar sinal até finais de Novembro e depois também se silenciou. Jeff e a Fundação Born Free esperavam que os transmissores durassem nove meses ou mais, mas as etiquetas tinham funcionando durante tempo suficiente para determinar que Tom e Misha se tinham adaptado às suas novas vidas de regresso ao Egeu, com todos os perigos. Tinham sido necessários 20 meses e cerca de oitocentos mil euros, mas Jeff e a Fundação conseguiram provar que, mesmo após bastante sofrimento em cativeiro, um golfinho pode ser ensinado e aprender aquilo de que precisa para regressar ao mar.

“No entanto, Tom e Misha mudaram. Deixaram de ser animais letárgicos e dependentes das pessoas, focados em comida vinda de baldes, e tornaram-se animais que ficam loucos com peixes vivos e se comportam da maneira que os golfinhos selvagens devem comportar-se”, disse. “Foi impressionante.”

 Um ano mais tarde e a meio mundo de distância, a libertação similarmente bem documentada de três golfinhos de cativeiro reforçou, de forma enfática, essa lição. No dia 18 de Julho de 2013, abriram-se as portas de uma gaiola de aquicultura instalada na costa setentrional da ilha de Jeju, um popular destino turístico ao largo da extremidade meridional da Coreia do Sul. Dois golfinhos-nariz-de-garrafa, Jedol e Chunsam, detiveram-se durante poucos minutos e depois nadaram para mar aberto. Tinham sido ilegalmente capturados, juntamente com uma fêmea chamada Sampal, entre 2009 e 2010, de um grupo formado por cerca de 120 golfinhos selvagens que habitam as águas em redor da ilha de Jeju, e vendidos ao Pacific Land, uma estância balnear da ilha. Uma campanha promovida pela Associação Coreana para o Bem-Estar Animal resultou numa ordem judicial para a sua libertação.

Os três golfinhos tinham sido treinados para realizar os truques habituais em espectáculos do Pacific Land. Jedol fora posteriormente vendido ao Jardim Zoológico de Seul, onde fazia acrobacias ao lado de golfinhos da instituição. Após a ordem judicial, Chunsam e Sampal foram transportados para a gaiola de aquicultura ao largo da ilha de Jeju no início de Abril de 2013; Jedol chegou um mês mais tarde. O Jardim Zoológico de Seul enviou entretanto um treinador, um homem chamado Joo Dong Seon, para preparar os golfinhos para a libertação.

Os três golfinhos estavam bem treinados e em boas condições e tinham sido capturados mais velhos e com mais experiência. Por conseguinte, a estratégia para devolvê-los à vida selvagem seria mais simples do que a utilizada com Tom e Misha: reduzir ao máximo o contacto humano e assegurar que os golfinhos estavam preparados para sobreviver com uma dieta de peixes vivos e locais. No espaço de algumas semanas, os golfinhos tornaram-se proficientes na perseguição e alimentação com peixes vivos, aprendendo até a comer evitando as espinhas, tal como os seus parentes selvagens. “A princípio, pareceu-me um disparate soltar Jedol, porque ele adaptara-se à piscina, estava habituado a comer peixes mortos e quatro anos é muito tempo”, diz o treinador. “Duvidava que ele fosse capaz de reaprender a caçar peixes vivos. No entanto, na gaiola, compreendi a rapidez de aprendizagem dos golfinhos.”

No espaço de algumas semanas, os golfinhos tornaram-se proficientes na perseguição e alimentação com peixes vivos, aprendendo até a comer evitando as espinhas, tal como os seus parentes selvagens.

Tal como acontecera com Tom e Misha, a ingestão de alimento, a forma física, o peso e a saúde foram cuidadosamente monitorizados para definir critérios para a libertação. Sampal, contudo, tinha os seus próprios critérios e fugiu por um pequeno buraco da gaiola no dia 22 de Junho, após uma grande refeição. Alguns dias mais tarde, recorrendo a técnicas de identificação fotográfica, investigadores confirmaram que se juntara a um grupo de golfinhos selvagens. Três semanas mais tarde, Jedol e Chunsam foram libertados. A barbatana dorsal de ambos foi gravada com um número e fixaram-lhes etiquetas para transmissão via satélite que deveriam cair passados cerca de três meses. Não tardariam a juntar-se a Sampal no grupo selvagem.

A libertação dos golfinhos coreanos veio demonstrar que, com golfinhos saudáveis, apoio local e um grupo de golfinhos na vizinhança, a transição do cativeiro para a natureza é relativamente simples e demora poucos meses. Isto reforçou a ideia de os golfinhos cativos não terem de permanecer assim para sempre.

“Provavelmente um terço dos golfinhos de cativeiro satisfaz requisitos suficientes para uma candidatura à libertação”, defende Naomi Rose, bióloga marinha do Instituto para o Bem-Estar Animal, que a associação coreana aconselhou no processo de libertação.

Estas questões serão debatidas no futuro, mas Tom e Misha desempenharam o seu papel. O anonimato é uma característica importante da vida selvagem e é inspirador poder oferecer-lhes a liberdade de desaparecerem.

 Embora Jeff Foster assegure que não voltará a ajudar a capturar golfinhos para espectáculos e pense que a libertação é uma opção viável para muitos golfinhos de cativeiro, incluindo algumas orcas, ele ainda acredita que a exibição em cativeiro pode ajudar seres humanos e golfinhos a criar uma ligação positiva. Jeff gostaria de ver o modelo da indústria de cativeiro, à base de piscinas artificiais e espectáculos de estilo circense, substituído por gaiolas instaladas no oceano com portões abertos, bem como programas de formação e investigação. “Damos uma opção aos animais e, para mim, esse é o feliz meio-termo”, diz. “É provável que o Tom ficasse. Misha desapareceria.”

Estas questões serão debatidas no futuro, mas Tom e Misha desempenharam o seu papel. O anonimato é uma característica importante da vida selvagem e é inspirador poder oferecer-lhes a liberdade de desaparecerem.

Existe também uma certa beleza em conhecer o resto da história. Num agradável dia de Maio no ano passado, um pequeno navio pesqueiro encontrou 60 a 70 golfinhos-nariz-de-garrafa junto da costa nordeste da ilha de Jeju. Alguns caçavam. Outros brincavam. Com os movimentos frenéticos e ligeiramente cómicos da juventude, pequenas crias tentavam acompanhar as progenitoras. Eram golfinhos selvagens num dia como os outros: uma comunidade complexa, com os seus costumes, ritmos e prioridades.

Subitamente, um golfinho com um pequeno “1” branco claramente gravado na barbatana  emergiu nas proximidades do navio. Era Jedol. Pouco depois, apareceu um “2”, anunciando a presença de Chunsam. Os números pareciam deslocados no meio da confusão selvagem. Mas eram uma prova profundamente comovente de que os dois golfinhos estavam exactamente no sítio certo: o oceano selvagem, onde nasceram e onde irão agora passar o resto das suas vidas. 

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