O Sol de Maio ainda não nascera sobre a Interstate 55, na zona central do Illinois, quando o vento começou a soprar de oeste, levantando no ar uma camada de solo seco dos campos em redor – e praticamente eliminando a visibilidade para os veículos que aceleravam na auto-estrada. Dezenas de carros sofreram acidentes. A Polícia Estadual do Illinois disse mais tarde que 37 pessoas foram hospitalizadas, e pelo menos, sete morreram.
Esta tragédia ilustra um problema maior. As tempestades de poeira mataram centenas as pessoas nos EUA ao longo da última década – uma taxa de mortalidade semelhante à de furacões, incêndios florestais e tornados. Estas perdas deverão aumentar à medida que as alterações climáticas se intensificam.
Há décadas que sabemos como prevenir estas tempestades, mas a ajuda não está a chegar aos agricultores que dela precisam.
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Uma tempestade de areia cobre as pirâmides Meroë, no Sudão, em 2021. As tempestades de poeira e areia podem criar o caos, entrando no nosso sistema respiratório e reduzindo subitamente a visibilidade.
O que são tempestades de poeira e de areia?
As tempestades de areia costumam ocorrer quando ventos fortes varrem áreas secas sem cobertura vegetal, explica Natalie Mahowald, professora de ciência atmosférica na Universidade Cornell. À medida que atinge o solo, o vento decompõe a camada superior de poeira, levantando de terra partículas minúsculas e leves. A dada altura, a poeira e o vento juntam-se, criando nuvens enormes que se deslocam sobre a paisagem.
Historicamente, as tempestades de poeira têm sido mais intensas nas regiões secas do sudoeste dos EUA, que receberam a alcunha de Dust Bowl (Tigela de Pó) na década de 1930 devido à prevalência de tempestades de poeira no local. A actividade agrícola pode contribuir para estas tempestades, através de práticas como lavrar o solo, que implica remover as plantas e desfazer o solo para o expor ao ar e à humidade. No processo, as ligações que agregam o solo são cortadas. Caso não receba humidade sob a forma de chuva, o solo transforma-se em poeira, tornando-se vulnerável a ventos fortes.
As tempestades de areia também são causadas pelo levantamento de partículas soltas pelo vento, mas costumam estar circunscritas a regiões desérticas, como o deserto de Gobi, na China, ou o Saara, no norte de África. Tendem a ser mais pequenas do que as tempestades de poeira, pois a areia é relativamente pesada e, consequentemente, mais difícil de manter em suspensão.
Recentemente, uma equipa da National Ocean and Atmospheric Administration descobriu que cerca de 232 pessoas tinham morrido em acidentes de viação nos Estados Unidos da América relacionados com tempestades de poeira entre 2007 e 2017.
Em alguns anos, as mortes causadas por tempestades de poeira foram “comparáveiscom alguns desastres naturais acompanhados pelas notícias, como furacões, tornados e incêndios florestais”, diz Daniel Tong, autor principal do artigo e professor associado de química atmosférica na George Mason University.
As tempestades de poeira afectam os condutores sobretudo devido à perda de visibilidade, mas a poeira também pode diminuir a tracção dos pneus à estrada, fazendo com que os veículos percam o controlo. Para além dos desastres de viação, as tempestades de poeira também agravam doenças como a asma e são nocivas para os pulmões. “Esta poeira entra no sistema respiratório das pessoas”, diz Mahowald. “Não é boa para os seres humanos.”
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Jiayu Pass, o ponto de partida ocidental da Grande Muralha da China, ficou coberto
de poeira após uma tempestade ocorrida em Março de 2021.
Estarão as tempestades de poeira a piorar?
Segundo um estudo realizado em 2020, os níveis de poeira levantada pelo vento em grande parte da região das Grandes Planícies duplicaram ao longo das últimas duas décadas, um fenómeno que o estudo atribuiu ao aumento da agricultura e à intensificação das alterações climáticas.
Os especialistas vaticinam que essa tendência se vai manter. “Acho que vão piorar”, diz Mahowald. “É provável que tenhamos uma expansão das terras agrícolas e isso vai contribuir para o aumento das tempestades de poeira.” Tong diz que as alterações climáticas são outro factor decisivo, pois significam que “as secas se tornam mais frequentes e mais graves”, aumentando o risco de o solo secar e se tornar susceptível a tempestades de poeira.
Uma das possíveis soluções seria reduzir a quantidade de terras agrícolas, uma medida que poderia ser alcançada reduzindo o consumo, reduzindo a produção ou intensificando a produção num espaço mais pequeno. Outras soluções tradicionais incluem não lavrar a terra (que exige outras intervenções para preparação do solo, nomeadamente adubos) ou plantar ‘culturas de cobertura’ como centeio e cevada, que aglutinam o solo entre as colheitas e o plantio, diz Jonathan Coppess, especialista jurídico da Universidade de Illinois Urbana-Champaign e antigo administrador da Agência de Serviços Agrícolas, do Departamento da Agricultura dos EUA. Outra solução seria colocar animais nos campos e plantar uma grande variedade de culturas.
Ironicamente, o país aprendeu a aplicar estas medidas depois das tempestades ocorridas na Dust Bowl na década de 1930, diz Mahowald. “Sabemos perfeitamente o que fazer”, afirma. “Parece mesmo que deixaram de prestar atenção à conservação do solo.”
Coppess diz que as medidas preventivas “estão a ser cada vez mais adoptadas, mas é óbvio que não predominam”. Ele aponta a falta de apoio do governo, com programas de assistência a agricultores que têm “muito mais procura do que financiamento”.
Apesar disso, diz Coppess, até estas soluções podem “nem sempre funcionar”. Isso aplica-se especialmente aos casos em que as alterações climáticas estão a agravar estes fenómenos meteorológicos, acrescenta.
CHEN YEHUA, XINHUA / EYEVINE / REDUX
Uma tempestade de poeira envolveu Pequim em Março de 2021, reduzindo a visibilidade a cerca de 800 metros.
A prevenção possível
Quando a tempestade de poeira de Maio atingiu a região central do Illinois, Kevin Schott, director local de gestão de emergências, estava entre as pessoas que responderam aos pedidos de ajuda. Schott foi bombeiro durante décadas, tendo inclusivamente passado uma temporada no Iraque com a Guarda Nacional do Illinois, onde viu a devastação que as tempestades de areia podem causar. Mesmo assim, ele diz que a tempestade de poeira ocorrida em Maio “não se assemelhou a nada de que me consiga lembrar”.
Parte do problema deveu-se ao facto de a sua equipa estar mal preparada. À semelhança da maioria dos americanos, eles achavam que as tempestades de poeira eram um problema da região do Sudoeste dos EUA. Como tal, a equipa de Schott não possuía equipamento especializado, o que fez com que os seus olhos se enchessem de poeira enquanto resgatavam as vítimas e a sua única protecção fossem máscaras de baixa qualidade, que deixavam passar as partículas facilmente.
Segundo Mahowald e Tong, embora as tempestades de poeira continuem a ser mais intensas no Sudoeste dos EUA, o problema vai afectar cada vez mais outros estados, o que significa que a falta de preparação representa um risco significativo para os prestadores de primeiros socorros e os cidadãos comuns.