Chegou a França vinda da China em 2004, mas instalou-se em grande parte da Europa, incluindo a Península Ibérica.
Graças ao relato pormenorizado dos cientistas do Museu Nacional de História Natural de Paris, a rota da invasão da vespa-asiática é conhecida em pormenor.
O primeiro testemunho oficial remonta ao dia 1 de Novembro de 2005, quando Jean-Pierre Bouguet, entomólogo amador, avistou no seu jardim, em Nérac, na Aquitânia, uma estranha vespa sugando a doce polpa de um dióspiro maduro, fruto que atrai um elevado número de himenópteros, sobretudo vespas e vespões, no Outono. Bouguet tinha a certeza de que nunca vira outra na zona. Seria um insecto mutante? Ou talvez uma espécie invasora? Para averiguar, contactou Jean Haxaire, entomólogo-adjunto do Museu Nacional de História Natural de Paris (MNHN). Embora a sua especialidade fossem os lepidópteros, Haxaire identificou o animal, comparando imagens da Internet com exemplares recolhidos em armadilhas para coleópteros.
Uma Vespa velutina abate uma abelha-melífera. As vespas adultas são vegetarianas, mas caçam invertebrados para alimentar as larvas. As abelhas-melíferas são uma presa tão abundante e fácil para elas como as ovelhas para os lobos. Fotografia: PASCAL GOETGHELUCK/AGE FOTOSTOCK
Depois de confirmar com vários especialistas, ficou claro: tratava-se de uma vespa-asiática, mais especificamente um exemplar da espécie Vespa velutina. A cerca de 50 quilómetros de Nérac, outro cidadão francês observava, há meses, o desenvolvimento de um grande ninho debaixo do alpendre do seu terraço. Em Novembro, devido a uma infiltração de água, o ninho descolou-se e caiu no solo, com alguns exemplares mortos no interior. Estes foram levados para o MNHN a fim de serem identificados: eram todos machos da mesma vespa-asiática identificada em Nérac, ficando assim comprovada a primeira nidificação da espécie observada em França. Em 2006, Jean Haxaire e os seus colaboradores publicaram a descoberta no jornal da Sociedade Entomológica de França, confirmando que a espécie invasora já se instalara no país. Nessa data, contabilizavam-se 200 ninhos em 12 departamentos e, desde então, a sua expansão tem sido imparável.
Mas como chegara esta vespa a França, vinda dos seus territórios de origem na Ásia? As primeiras hipóteses foram apresentadas quando o MNHN conseguiu contactar um horticultor que assegurou ter visto o insecto em 2004 nessa mesma região. Era possível, disse, que tivesse chegado ao interior das peças de cerâmica chinesa que importara, a bordo de um cargueiro chinês que atracou no porto de Bordéus. Análises moleculares realizadas pelo CNRS confirmaram as suspeitas: era a Vespa velutina, da subespécie nigrithorax. Outros estudos realizados em França a partir de 2007 revelaram muitos aspectos desconhecidos desta vespa. Conseguiram até determinar, através de complexas análises genéticas, que a invasão fora, possivelmente, desencadeada por uma única rainha fecundada por um ou dois machos, proveniente de uma área situada entre as províncias chinesas de Zhejiang e Jiangsu.
Os ninhos das vespas-asiáticas são sempre construídos por uma rainha durante a sua breve etapa solitária, durante a qual funda um pequeno ninho embrionário para a primeira postura de ovos. À medida que vão emergindo, as obreiras dedicam-se a ampliar o ninho, caçar e alimentar as larvas, enquanto a rainha se preocupa exclusiva- mente com a postura. Fotografia: IVANVIEITO/ GETTY IMAGES
Como muitas outras vespas sociais, a Vespa velutina gera colónias anuais estabelecidas por uma única rainha depois de fundar um pequeno ninho na Primavera, feito com fibras de madeira mastigada. Nesse ninho embrionário, a rainha fecundada (se não o estivesse, apenas nasceriam machos dos seus ovos) deposita a sua primeira postura e cuida dela até emergir o primeiro grupo de obreiras adultas. “Estas ampliam o ninho embrionário e alimentam as larvas para que a rainha se dedique exclusivamente à produção de ovos. A colónia iniciada por uma única rainha poderá produzir 15 mil indivíduos entre Abril e Novembro. No Outono, um ninho poderá acolher 2.000 obreiras capazes de produzir mais de mil futuras rainhas e machos”, explica Claire Villemant, conservadora da colecção de himenópteros do MNHN.
No final do Verão, constroem celas para criar fêmeas e machos férteis, que abandonarão o ninho no Outono, quando a vida da rainha já se aproxima do fim, iniciando os voos de acasalamento. As fêmeas, poliândricas, acasalarão com vários machos. Em seguida, a maioria dos exemplares morrerá com o despontar do Inverno, excepto as futuras rainhas. Estas empanturram-se de alimentos ricos em açúcares antes de entrarem em hibernação, escondidas nalgum recanto e, na Primavera, as que tiverem sobrevivido ao frio (estima-se que apenas 5% do total) saem em busca de um novo local para reiniciar o seu ciclo vital que pode ter lugar até 50 quilómetros do vespeiro onde nasceram, o qual, uma vez abandonado, se irá biodegradando.
Um trabalhador controla vespeiros numa exploração agrícola no condado de Wangmo, no Sudoeste da província chinesa de Guizhou. Tanto as larvas como as pupas das vespas, altamente proteicas, são habitualmente consumidas fritas. Fotografias: BARCROFT MEDIA/GETTY IMAGES
Hoje, 16 anos depois da sua primeira incursão em território francês, esta vespa instalou-se confortavelmente na Europa. Além de França, fixou-se na Alemanha, na Bélgica, no Luxemburgo, nos Países Baixos, na Suíça, em Itália e na Península Ibérica. É possível distingui-la por possuir o abdómen negro e exibir uma fina linha amarela no início deste e uma ampla faixa cor de laranja no quarto segmento. As rainhas medem 3,5 centímetros na Primavera. Os machos medem 3 centímetros e as obreiras, 2,5 centímetros. Em Espanha, o primeiro a avistá-las, em 2010, foi o entomólogo Santiago Pagola, em Amaiur, na comunidade de Navarra. Ele encontrou uma vespa morta no solo e entrou em contacto com Leopoldo Castro. Este especialista em himenópteros já previra a entrada iminente do invasor no País Basco, a partir de França, e acompanhara, ao pormenor, a sua evolução naquele território. Actualmente, a vespa-asiática “está presente de forma permanente em zonas da Galiza, Astúrias, Cantábria, País Basco, Navarra, La Rioja, Castela e Leão e Catalunha. De forma esporádica, também foi identificada em certas zonas de Aragão. Esteve presente nas ilhas Baleares entre 2015 e 2018, mas conseguiram erradicá-la, e foi avistada na Extremadura há uns anos, mas não voltaram a vê-la”, diz.
Em Setembro de 2011, dois investigadores portugueses confirmaram em Viana do Castelo o que também já se temia na comunidade de entomólogos e apicultores portugueses: era uma questão de tempo até a vespa-asiática ser detectada em território português. José Manuel Grosso-Silva, curador das colecções entomológicas do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, e Miguel Maia, da Associação Apícola Entre Minho e Lima, de Vila Nova de Cerveira, confirmaram a presença deste insecto invasor em quatro apiários do concelho minhoto, publicando a sua descoberta na revista “Arquivos Entomolóxicos”, no início do ano seguinte.
Um investigador segura um vespeiro de Vespa velutina no Instituto de Investigação de Biologia de Insectos (IRBio), em França. Estes ninhos podem atingir 80 centímetros de diâmetro e um metro de altura. Fotografia: AFP/GETTY IMAGES
Nos anos posteriores, perdeu-se uma oportunidade importante para conter a progressão da espécie invasora. “Teria sido possível atrasar a progressão da espécie se as autoridades tivessem investido na captura das rainhas fundadoras na Primavera, pois cada fundadora capturada equivale a uma futura colónia a menos”, diz José Manuel Grosso-Silva. “Mata-se uma rainha-fundadora e previne-se o nascimento dos milhares de obreiras que a sua colónia vai ter. O problema é que a gestão da situação da vespa-asiática tem sido muito diferente e a incapacidade de compreensão e/ou implementação pelas autoridades da captura preventiva de fundadoras na Primavera é um enigma, tendo em conta que esta abordagem é advogada desde 2015. Não creio que exista, desta forma, hipótese de eliminar a vespa-asiática em Portugal.”
Embora os vespídeos adultos consumam quase exclusivamente alimentos de origem vegetal ricos em hidratos de carbono, as larvas precisam de proteínas de origem animal para se desenvolverem. E essas proteínas são fornecidas pelos adultos, sob a forma de um puré constituído por invertebrados e carcaças de todos os tipos. Entre esses invertebrados destaca-se a abelha melífera (Apis mellifera), uma presa fácil e superabundante para a vespa.
Nos ninhos de bútio-vespeiro, os investigadores encontraram numerosos restos de vespeiros de vespa-asiática. Tudo indica que o insecto seja parte da dieta desta ave de rapina florestal. Fotografia: ARTUR TABOR/NPL/CORDON PRESS
Por conseguinte, o vespídeo causa baixas significativas entre os insectos autóctones, mas também afecta as colheitas de fruta e cria mais uma dificuldade para a apicultura, já afectada por diversos problemas. Pode haver mil obreiras operacionais em cada vespeiro, gerando grande quantidade de néctar. As vespas atacam furiosamente as colmeias das regiões vizinhas. Esses ataques causam baixas e provocam alterações comportamentais na colmeia que podem até causar o colapso de colónias inteiras.
Para a Vespa velutina, as abelhas-melíferas, domesticadas há séculos e omnipresentes na Península Ibérica, são como as ovelhas para os mamíferos predadores: saborosas e desajeitadas. Costumam atacá-las quando regressam do campo carregadas de néctar e pólen. Nesse momento são a presa ideal: as vespas-asiáticas caçam-nas e, segurando-se num ramo, desfazem-nas até ficarem com a parte mais nutritiva, o tórax, que trituram para as larvas ávidas. “O pânico destes ataques leva as abelhas a deixarem de sair e a optarem por se alimentar das reservas. No entanto, se isso se prolongar demasiado, quando o Inverno chegar não terão despensa e morrerão”, explica Narcís Vicens, técnico ambiental de Girona, em Espanha.
A VIAGEM DA VESPA. Tudo indica que uma única rainha fecundada tenha desembarcado em 2004 no porto de Bordéus, oculta no interior de uma peça de cerâmica. Dezasseis anos mais tarde, colonizou grande parte do território europeu, onde se fixou em França, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos e Suíça. No Reino Unido, os ninhos detectados foram destruídos, mas a espécie já deverá estar disseminada pelo Sul das ilhas. Mapa: NGM-E. Fonte: LEOPOLDO CASTRO
Não é curiosamente o caso de uma das abelhas melíferas da Ásia, a Apis cerana, que sabe defender-se destes ferozes himenópteros. Quando uma vespa se aproxima da colmeia da Apis cerana, as abelhas formam um grupo muito compacto à sua volta e batem as asas até aumentarem a temperatura no interior dessa massa viva: uma bola de calor que alcança 45°C, a temperatura máxima suportada pela Vespa velutina, que acaba por morrer.
Para enfrentar o problema causado pela Vespa velutina, as autoridades dos países afectados prepararam conferências e panfletos para divulgação, alertaram as populações, colaboraram com investigadores para proteger as colmeias (utilizando redes e harpas eléctricas que dificultam a entrada destas vespas nas colmeias). O Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA-GNR), as juntas de freguesia e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas têm registado um número crescente de avistamentos de vespeiros em Portugal. A população tem sido alertada para não se aproximar delas. “As vespas-asiáticas têm um comportamento mais defensivo e protector das colónias do que as nossas vespas. Surgem mais animais a defender o vespeiro e reagem de forma mais rápida ao que entendem como ameaça, aumentando a probabilidade de picadas”, diz o entomólogo português.
O ciclo de vida da espécie tem sido abundantemente descrito em França, mas existem diferenças significativas face ao que sucede em Portugal, sobretudo porque um Inverno menos rigoroso pode não matar todas as obreiras da colónia, permitindo que o vespeiro permaneça activo até à Primavera seguinte. “Mas os vespeiros nunca arrancam para um segundo ano de vida”, esclarece Grosso-Silva.
Investigadores da Universidade de Alcalá, liderados pelo ecologista Salvador Rebollo, estudam, na Galiza, o potencial de uma ave de rapina: o bútio-vespeiro, um dos poucos predadores naturais dos ninhos de vespas na Península Ibérica. “Até 2012, ano em que a vespa-asiática apareceu na Galiza, a população reprodutora do bútio-vespeiro na nossa área de estudo, as rias Baixas, era esporádica. Contudo, segundo os nossos dados, multiplicou-se por dois ou três desde a chegada deste insecto”, explica. Os seus resultados provêm da análise dos restos de presas e fragmentos de favos de vespeiros localizados no ninho e imediações, e da análise do registo fotográfico das câmaras instaladas. “Em todos os ninhos de bútio-vespeiro estudados, apareceram restos de vespa-asiática, o que demonstra que é uma parte importante da dieta desta ave de rapina e poderá ser um potente aliado no controlo biológico da velutina”, conclui. Armadilhas, inserção de biocidas com drones ou armas, injecção de ar quente, predação e controlo biológico, destruição de ninhos, equipamentos defensivos para colmeias… São muitos os métodos testados para lutar contra a vespa, mas é consensual que esta espécie veio para ficar. Os especialistas sublinham que a gestão desta invasora deve ser acompanhada de medidas que permitam uma regulação das colmeias. Catalogadas como gado, as abelhas melíferas são criadas aos milhões e são tantas que roubam o lugar às restantes abelhas (dados recentes apontam para a existência de 1.097 espécies diferentes na fauna ibero-balear) e aos outros polinizadores silvestres, sobre os quais não se fala. Os planos implementados para a vespa-asiática e para as abelhas melíferas deverão ter igualmente em conta estas importantes espécies.