Novo plano na Alemanha: deixar as florestas em paz para que a natureza possa recuperar sozinha.
Quando era criança, na década de 1980, o príncipe Constantin zu Salm-Salm adorava passear com o avô nas duas florestas semelhantes a catedrais que integravam a propriedade da família junto do seu castelo ancestral na região central da Alemanha. Os 175 hectares de espruce da Noruega e abeto de Douglas, plantados décadas antes de ele nascer, foram um investimento. E o jovem príncipe esperava herdar esse investimento um dia.
Tudo isso mudou numa noite de Fevereiro de 1990, quando o furacão Wiebke atingiu a área com ventos superiores a 200 quilómetros por hora, fustigando as encostas cobertas de árvores em redor de Wallhausen.
Quando a tempestade finalmente amainou, os dois caminharam pelas florestas. Centenas de espruces altíssimos com 40 anos de idade tinham sido derrubados. “Ele estava em lágrimas”, recorda o príncipe. “A grande pergunta à qual o meu avô tinha de responder era: o que fazemos agora?” Hoje em dia, os alemães fazem um cálculo semelhante, mas a uma escala muito maior. Desde 2018, a Europa Central sofreu quatro anos consecutivos de seca ou temperaturas invulgarmente altas. Infestações devastadoras de Ips typographus eliminaram dezenas de milhares de hectares de espruces alemães. Entretanto, o vento carregado de fumo de madeira queimada inundou o centro de Berlim. A situação desencadeou um debate sobre a forma de reagir. Uma das opções consiste em plantar árvores, substituindo o que se perdeu por mais do mesmo.
As colinas florestadas em redor de Wallhausen representam outra possibilidade. O príncipe Salm pertence a um grupo crescente de proprietários florestais alemães que apostaram naquilo que se conhece como silvicultura próxima da natureza. Esta abordagem, sem mão humana, evita a plantação de árvores sempre que possível e defende que se usem essencialmente espécies autóctones. O objectivo é reproduzir os ecossistemas das florestas selvagens, deixando a madeira morta para trás e abatendo, selectivamente, apenas as árvores mais velhas.
A família do príncipe Salm cultiva a vinha na região há mais de 800 anos. Após os impactes do Wiebke chegou a uma decisão invulgar. “Considerámos que a natureza é que sabe melhor o que deve ser feito”, resume o príncipe Salm.
As suas florestas localizam-se uma hora a oeste de Frankfurt, em encostas viradas a norte incapazes de acolher vinhas. Além de caçarem veados e javalis e abaterem algumas das árvores maiores, deixam maioritariamente as florestas sozinhas.
Num dia de finais de Outono, há relativamente pouco tempo, o príncipe Salm entrou na floresta com galochas verdes e um colete de penas azul. Sob as copas altas dos abetos de Douglas que sobreviveram ao Wiebke, jovens carvalhos, faias e cerejeiras que desenvolveram raízes no rescaldo do furacão, mostram-se em todo o seu esplendor com as últimas folhas vermelhas e amarelas da estação. “Tudo o que aqui vê aconteceu naturalmente”, diz. “O único investimento que fazemos é nas estradas e na caça.”
Em certa medida, a silvicultura alemã está a afastar-se das suas raízes. O país foi um dos primeiros a abordar as florestas como recurso a gerir. Os silvicultores alemães abordaram as árvores com uma eficiência industrial, plantando espécies de crescimento rápido como o espruce em filas ordeiras e espaçadas. Esta abordagem tornou-se uma referência a nível mundial e ainda é popular na Alemanha.
Deixem-nas em paz, mas adorem-nas
Há um século, um botânico chamado Alfred Möller manifestou-se contra esta ideia, argumentando que as florestas são organismos complexos e que as árvores não devem ser cultivadas como espigas de trigo. Em vez disso, as florestas devem ser geridas da forma que a natureza o faria: abatendo selectivamente árvores individuais e mantendo em simultâneo um coberto contínuo.
Alfred Möller morreu em 1922 e nunca teve a oportunidade de ver as suas ideias serem postas em prática. Depois da Segunda Guerra Mundial, muitas florestas da Alemanha foram abatidas para ajudar a reconstruir cidades destruídas durante a guerra. Para as substituir, os silvicultores plantaram milhões de exemplares, sobretudo espruces, na década de 1950. Foi o início de uma indústria florestal próspera que incluiu silvicultores como o avô do príncipe Salm. A madeira e os seus derivados são agora um negócio que vale 136 mil milhões de euros por ano, empregando mais de 700 mil alemães. Um terço do país encontra-se, actualmente, coberto de árvores.
É por isso que os anos de seca e infestações foram tão chocantes. Pela primeira vez, os alemães foram confrontados com a possibilidade de um futuro com um número dramaticamente inferior de árvores. “Não queremos imaginar isto na Alemanha, que se considera um país florestal” diz Pierre Ibisch, ecologista da Universidade Eberswalde para o Desenvolvimento Sustentável. “Mas é um risco que enfrentamos.”
O Langur Way Canopy Walk atravessa uma floresta húmida intemporal na ilha de Pinang, na Malásia. A recuperação de florestas complexas poderá ajudar a estreitar a distância que nos separa de um planeta mais saudável.
O governo alemão decretou um cenário de crise nacional, atribuindo cerca de 1,8 mil milhões de euros em subsídios aos proprietários florestais para removerem madeira morta danificada pelo escaravelho e replantarem as florestas. Na opinião de alguns defensores da silvicultura próxima da natureza, isso poderá ser um erro. Em vez de se apressarem a plantar mais árvores, há uma oportunidade para fazer menos. Deixar a madeira morta e as copas das árvores apodrecerem lentamente devolve nutrientes ao solo, melhorando a saúde bem como a diversidade das árvores sobreviventes. “Da nossa perspectiva, menos é sempre mais”, diz Knut Sturm, gestor florestal da cidade de Lübeck.
Há excepções, claro. As florestas próximas da natureza podem ser lucrativas, mas exigem que a indústria da madeira e os silvicultores se adaptem a novas formas de fazer negócio. As serrações, por exemplo, estão montadas para processar troncos de espruce direitos e estreitos, mas não processam carvalhos corpulentos de crescimento antigo.
À medida que as alterações climáticas aceleram, também é importante pensar em plantar espécies mais resistentes à seca importadas de outros locais, diz Marcus Lindner, cientista do Instituto Europeu das Florestas. “É possível fazer a mudança para uma silvicultura mais próxima da natureza e continuar a trazer espécies mais tolerantes à seca.”
De regresso a Wallhausen, o Sol está a pôr-se e as luzes começam a acender-se na aldeia lá em baixo. “Quero que os meus filhos possam escolher entre dez espécies diferentes e não só abeto de Douglas ou espruce”, diz o príncipe Salm, chamando o seu spaniel ofegante e voltando para casa. “Temos de nos assegurar de que não cometemos os mesmos erros vezes sem conta.”