Fontes Vanda Cabrinha Pires (Ipma), Grupo de Trabalho da Seca, Relatório de 2019
Há 80 anos que se reúnem dados sistemáticos em Portugal sobre precipitação, temperatura e percentagem de água no solo. Em conjunto, traçam a evolução da seca no nosso país e revelam uma intensificação dos episódios de seca, a sua maior duração e extensão a maiores parcelas do território.
Desde que há actividade agrícola, há constantes lamentos dos agricultores face aos humores do tempo. A seca, em particular, faz parte dos pesadelos agrários e, mesmo antes de existirem séries fiáveis de dados meteorológicos, os jornais e a literatura estão repletos de queixumes. É próprio do ser humano – mesmo antes dos cenários de alterações climáticas – atribuírem um carácter extraordinário a períodos irregulares de pluviosidade.
Em 8 de Março de 1931, quase no final do período húmido tradicional, o semanário “O Algarve” queixava-se da falta de chuva na região, sobretudo nos concelhos do Sotavento: “Mas foi sempre assim? Não foi! Antigamente chovia bastante e ribeiras que tinham sempre grande abundância de água hoje nem chegam a correr durante o Inverno. (…) A serra estava arborizada e o emprego das árvores para lenha e carvão tem dado este resultado. Pelo desaparecimento das árvores, se torna árida uma região.”
Percentagem do território de Portugal continental nas classes de seca severa e extrema. O Índice PDSI é o indicador que junta três tipos de dados: temperatura, precipitação e quantidade de água no solo. (clique na imagem para ver o gráfico com mais pormenor)
“Desde que temos séries de dados, reconhecemos episódios de seca, alguns dos quais prolongados por mais de um ano”, contrapõe Vanda Cabrinha, técnica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera.
A análise do stress hídrico de 1941 a 2019, apoiada nos dados de mais de quatro dezenas de estações meteorológicas que funcionam no território de forma continuada, tanto revela episódios de seca entre 1944 e 1945 e entre 1948 e 1949 como entre 2004 e 2005, entre 2011 e 2012 e a série de três anos, entre 2017 e 2019.
“A diferença agora está na maior frequência destes episódios, no facto de se prolongarem por mais de um período húmido (o Outono e o Inverno) e seco (a Primavera e o Verão) e pelo facto de se estenderem a maior percentagem do território”.
O Índice PDSI analisa precisamente os três indicadores nas várias classes de seca (da normal à seca extrema, passando pela seca fraca, moderada e severa). Nos anos mais secos da série iniciada em 1941, 56% do território chegou a estar em situação de seca severa e 24% em seca extrema (no final do período seco de 1945). Desde 1980, porém, já se registaram nove ocasiões em que mais de 10% do território estava em situação de seca extrema e quatro em que mais de 75% de Portugal continental estava em seca severa ou moderada. “A ausência de pluviosidade, sobretudo no Sul, será o novo normal no futuro”, refere a investigadora.
Novembro 2019. A “fotografia” de um único mês pode ser enganadora, mas também revela tendências. No final de Novembro do ano passado, depois de
dois meses de forte pluviosidade que se seguiram a um período muito seco durante os anos de 2017 e 2018, a situação do Sul do país ainda era frágil.