“Não existe nada parecido noutro oceano”, diz o biólogo Brian Lapointe. “Não há nenhum outro sítio no planeta que sustente tamanha diversidade no meio do oceano e isso deve-se a esta alga.”

Brian refere-se a uma alga flutuante conhecida como sargaço, existente numa zona do Atlântico conhecida como Mar dos Sargaços. As fronteiras deste mar são vagas, definidas não por massas terrestres, mas por cinco grandes correntes que circulam em sentido horário em redor das Bermudas. Distantes de qualquer continente, as suas águas são pobres em nutrientes e, por conseguinte, excepcionalmente transparentes e azuis.

O Mar dos Sargaços, parte do Giro do Atlântico Norte, foi frequentemente descrito como deserto oceânico e pareceria sê-lo, não fossem os tapetes flutuantes de sargaço.

David Liittschwager fotografou a abundância de animais no sargaço do golfo do México e ao largo das Bermudas. Segue-se uma amostra (ampliação variável).

A alga talvez pareça banal à primeira vista – escassos pedaços de matéria vegetal à deriva – mas, como Brian Lapointe ajudou a esclarecer através do seu trabalho, o sargaço é a base de um ecossistema complexo que alimenta uma incrível variedade de vida marinha. Serve de abrigo móvel e de banquete amovível.

Há 36 anos que este biólogo do Instituto Oceanográfico Harbor Branch, da Universidade Atlântica da Florida, vasculha o Mar dos Sargaços, observando o sargaço por satélite e analisando-o in loco. Ele queria descobrir a origem da alga, a forma como se desloca, aquilo que sustenta e aquilo que a sustenta.

Brian esperava desvendar a complexa relação entre o sargaço e outras formas de vida marinha, desde cavalos-marinhos a tubarões-brancos. Na sua opinião, só seremos capazes de proteger este recurso vital se aprendermos mais sobre ele, já que as ameaças potenciais incluem a crise de acidificação e poluição oceânicas.

tartaruga mar sargaço

Tartarugas-marinhas recém-nascidas, como este juvenil de tartaruga-boba, saem das praias arenosas onde nasceram e dirigem-se aos tapetes de sargaço,
ali encontrando alimento e um refúgio contra os predadores nos seus primeiros anos de vida.

Nos últimos anos, o sargaço tem surgido nas notícias, não como o recurso que abastece a vida, mas como um flagelo devido aos montes de algas que sujam as praias das Caraíbas e do México. Já ninguém discute a protecção do sargaço, queixa-se Brian Lapointe. Aliás, a preocupação é mesmo “como havemos de nos livrar dele”.

Os marinheiros que viajavam a bordo da nau Santa María de Cristóvão Colombo pensavam da mesma maneira. Havia locais onde a alga era “tão densa que retinha os navios”, segundo uma entrada do diário de bordo da embarcação, datada de 20 de Setembro de 1492. Os primeiros exploradores consideraram que os sacos de ar que mantinham a alga à superfície eram parecidos com a uva à qual chamavam sargazo.

O sargaço tem origem em zonas ricas em nutrientes junto da costa do continente americano, sobretudo no golfo do México. As correntes transportam-no em redor da península da Florida, levando-o depois para norte pela corrente do golfo e por fim até ao Mar dos Sargaços.

A oceanógrafa Sylvia Earle, que colaborou no lançamento da iniciativa destinada a transformar o Mar dos Sargaços na primeira área marinha protegida de alto mar, compara o Mar dos Sargaços a uma floresta tropical dourada. É uma boa metáfora porque a alga forma uma espécie de dossel à superfície do oceano. O sargaço faz-me lembrar um recife flutuante ou uma pradaria marinha – talvez um Serengeti estendendo-se no mar.

As madeixas emaranhadas sustentam uma diversidade impressionante de organismos que se escondem entre a alga enquanto a consomem. Segundo uma investigação recente, larvas e juvenis de 122 espécies diferentes de peixe, bem como tartarugas marinhas recém-nascidas, nudibrânquios, cavalos-marinhos, caranguejos, camarões e gastrópodes recorrem a esta fonte alimentar. Por sua vez, a alga é alimentada pelos excrementos destes organismos.

Criaturas maiores, como peixes e tartarugas, encontram muito para comer no meio do sargaço e atraem predadores maiores, como o peixe-porco ou o lobote, entre outros, subindo na cadeia alimentar até aos tubarões, atuns, cavalas-da-índia e espadins ou marlins. Rabos-de-palha, cagarros, painhos, garajaus e outras aves do oceano aberto empoleiram-se nos tapetes de sargaço e comem neles.

sargaço

Um molho de sargaço do tamanho de uma bola de futebol navega à deriva junto das Bermudas, no lento remoinho do Mar dos Sargaços, que faz parte do Giro do Atlântico Norte. Uma massa de algas tão pequena como esta pode acolher milhares de organismos.

As duas espécies de sargaço predominantes no Mar dos Sargaços são as únicas algas do mundo que não começam a vida presas ao fundo do mar. Como vivem sem amarras, os tapetes translúcidos de tonalidades douradas e âmbar vogam ao capricho dos ventos e das correntes, sendo separados por tempestades e reagrupando-se em mares mais calmos, com as extremidades coladas como velcro. As massas de algas têm dimensões variáveis: algumas têm quilómetros de comprimento e outras têm o tamanho de uma só mão.

“Até nesses pequenos molhos existem organismos associados”, diz Jim Franks, cientista especializado em sargaço do Laboratório de Investigação da Costa do Golfo da Universidade do Sul do Mississípi. A vida associada ao sargaço precisa de adaptar-se constantemente à agregação e desagregação das ilhas que a nutrem.
O sargaço, diz Jim, “é um dos habitats marinhos mais dinâmicos que se podem imaginar”.

Há muito que o Mar dos Sargaços se encontra envolto em mistério. Os marinheiros do século XVIII referiam-se a esta zona do Atlântico como as latitudes do cavalo porque, assim reza a história, os navios paravam e os cavalos tinham de ser atirados ao mar à medida que a água potável era consumida. Além disso, o Mar dos Sargaços sobrepõe-se à região mítica conhecida como Triângulo da Bermudas, onde, segundo se diz, navios e aviões desapareceram sem deixar rasto.

mapa mar sargaço

Em diversas saídas, procurámos grandes tapetes de sargaço para explorar. Não os encontrámos em parte alguma. “Há dias em que não vemos nenhum”, comentou um velho pescador. “Depois, acordamos na manhã seguinte e as baías e portos estão cheios deles.”

Noutros dias, tivemos mais sorte, apanhando molhos de sargaço com as redes e separando-os em baldes, em busca de animais marinhos para o fotógrafo David Liittschwager documentar. Ao virar um pedaço, vi uma pequena criatura parecida com um sapo com uma grande boca e apêndices semelhantes a ervas: era um peixe-sapo, um de mais de uma dezena de organismos que evoluíram de modo a assemelhar-se às algas. Usando as minúsculas barbatanas peitorais para se agarrar ao sargaço, era praticamente invisível. Philippe Rouja, biólogo marinho das Bermudas que nos ajudava a procurar criaturas vivas entre as algas, depositou mais um peixinho no balde. O peixe-sapo engoliu-o imediatamente com a sua grande boca.

Nessa noite, conversei com David Liittschwager, enquanto ele fotografava a captura do dia. Num molho de sargaço do tamanho de uma bola de futebol, contámos 900 larvas minúsculas de peixe, 30 anfípodes, 50 gastrópodes, quatro anémonas, dois vermes-planos, seis caranguejos, 20 camarões, sete nudibrânquios, mais de mil vermes calcificadores e um número infindável de briozoários, pequenos copépodes e outros animais planctónicos – quase demasiados para contar.

“A contagem conservadora é de cerca de três mil criaturas visíveis a olho nu – bem, na verdade, com os meus óculos graduados”, brincou o espantado David, depois de completarmos o inventário.

Os esforços desenvolvidos por Brian Lapointe para explicar as virtudes do sargaço à opinião pública foram perturbados pelos surtos da alga no golfo, nas Caraíbas, no Brasil e até na África Ocidental, sufocando habitats de mangue, recifes, baías, enterrando praias (os tapetes impedem as tartarugas recém-nascidas de chegar ao mar aberto) e prejudicando o turismo.

sargaço

Sargaço emaranhado em cordas fornece sombra e abrigo ao peixe-porco. Detritos humanos, desde paletes de transporte a caixas de plástico, podem tornar-se plataformas flutuantes nas quais a vida floresce, mas o plástico é particularmente nocivo para muitas espécies.

“É um organismo admirável, mas, em quantidades excessivas, torna a água anóxica e pútrida”, comentou o especialista.

Nos últimos anos, registaram-se afluxos de sargaço em praias da Martinica e de Guadalupe, acumulando-se em pilhas com mais de três metros de altura. “Segundo me contaram, se isto não parar, teremos de fechar hotéis”, disse Brian. Em Trindade e noutras ilhas das Caraíbas, muitos residentes foram obrigados a evacuar as suas casas devido ao gás tóxico libertado pelas algas que apodrecem nas praias.

Ninguém sabe ao certo qual a razão para estes surtos repentinos. Na opinião de Brian Lapointe, as alterações climáticas podem estar a alterar as correntes oceânicas, transportando o sargaço até locais onde este raramente era visto. Outra hipótese é a poeira rica em fósforo trazida do Saara pelo vento, que costumava ser soprada até ao outro lado do Atlântico: talvez ela esteja agora a depositar-se no mar, desencadeando florescimentos ao largo da costa. No entanto, o principal culpado é, provavelmente, o aumento dos níveis de azoto provocado pela agricultura industrial no interior dos EUA. Os nutrientes afluem do sistema do Mississípi até ao golfo, provocando um crescimento desenfreado do sargaço.

“O sistema é demasiado complexo para ser compreendido na sua totalidade, mas é isto que parece estar a acontecer”, disse Lapointe. “Estamos a monitorizar o azoto e ele vem do interior.”

Não preciso de fazer mais do que olhar pela janela da minha casa, no Sul do estado de Connecticut, para me lembrar que a interligação da natureza não é apenas um lugar-comum tomado de empréstimo à filosofia oriental. Nenhuma criatura exemplifica melhor o holismo da natureza do que as enguias de água doce. Elas vivem no lago em frente de minha casa, mas adivinhe onde todas as enguias americanas nasceram. Resposta: num útero quente situado a alguns milhares de quilómetros de distância, chamado Mar dos Sargaços.

mar sargaço

Um mergulhador flutua sob uma massa de sargaço, perfurada por raios de luz solar junto de Cozumel, no México. Massas de sargaço invulgarmente grandes têm dado à costa no golfo do México, nas Caraíbas e noutros locais, poluindo as praias de destinos turísticos.