Cercada por picos tão altos que rasgam as nuvens, a máquina de moldar a neve, do tamanho de um tractor, recua, passando por cima de um monte de neve compacta com 13 metros de altura, desenrolando um rolo de tecido branco. No topo do monte, seis trabalhadores cosem painéis de tecido uns aos outros, servindo-se de uma máquina de costura portátil, de uso industrial. É Junho na Áustria, em Kitzsteinhorn, uma das estâncias de esqui dos Alpes mais frias e a maior altitude. A água do degelo precipita-se por ravinas nas vertentes da montanha. No glaciar mais acima, a equipa de manutenção das pistas prepara já a próxima temporada.
Tornou-se arriscado para esta indústria partir do princípio de que haverá neve natural, mesmo a 3.000 metros de altitude. Por isso, a equipa chefiada por Günther Brennsteiner está a criar a sua apólice de seguro. Durante um mês, recolheu a última neve desta temporada, formando oito montes com vários pisos de altura, os maiores dos quais com dimensões superiores a um campo de futebol. Agora, passará mais um mês a cobrir esses montes com tecido de modo a garantir o seu isolamento durante o Verão. Quando começar a nova temporada, se o tempo estiver demasiado quente para a queda de neve (ou até para ser possível fabricar neve artificial), camiões de carga e máquinas de moldar a neve distribuirão a neve antiga pelas pistas.
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“Com o aquecimento climático, a situação alterou-se por completo”, afirma Günther Brennsteiner, que começou a trabalhar aqui há 31 anos, naquela que é considerada a época áurea do esqui alpino. Entretanto, os invernos alpinos estão a extinguir-se. Desde o século XIX, as temperaturas médias nestas montanhas aumentaram 2ºC, aproximadamente o dobro do registado a nível mundial. A neve aparece mais tarde na estação e derrete mais cedo. No seu conjunto, os Alpes perderam cerca de um mês de cobertura de neve, segundo os cientistas que analisaram dados recolhidos por mais de duas mil estações meteorológicas.
As implicações da situação são aterradoras para muitas das pessoas que vivem numa das mais densamente povoadas cadeias montanhosas do planeta, com 14 milhões de habitantes. A economia local depende da neve para atrair 120 milhões de turistas por ano. Além de trabalhar em Kitzsteinhorn, Günther Brennsteiner é presidente da câmara municipal de Niedernsill, um município com 2.800 moradores localizado no sopé da montanha. Nesta povoação, raras são as famílias que não dependem do Inverno. Sem a neve, a população poderia decrescer para um milhar de habitantes.
“Não teríamos crianças no jardim de infância”, afirma o autarca, descrevendo com os dedos uma espiral descendente. “A neve é o alicerce das nossas vidas neste lugar.”
Para se salvarem, as comunidades dos Alpes estão a desenvolver esforços gigantescos. Calcula-se que cem mil máquinas de fabrico de neve estejam actualmente a alimentar a indústria do esqui alpino. Seriam suficientes para revestir uma área do tamanho da ilha da Madeira no espaço de poucas horas. Além dos depósitos de neve como o de Kitzsteinhorn, alguns habitantes locais desesperados cobrem com tecido o gelo de alguns dos cerca de quatro mil glaciares dos Alpes, numa tentativa de retardar o rápido degelo provocado pelo aquecimento global. Numa solução visionária, cientistas suíços esperam salvar um glaciar pulverizando parte dele com neve artificial.
Apesar de alguns destes métodos serem engenhosos e fascinantes, outros são questionáveis em termos ambientais e económicos. Todos são motivados por uma apreensão profunda: sem Inverno, como seria aqui a vida?
À semelhança de Günther Brennsteiner e do fotógrafo Ciril Jazbec, tive a sorte de crescer nos Alpes numa época em que a neve era abundante. Lembro-me do entusiasmo com que via as minhas pegadas minúsculas marcadas na primeira neve da estação. Lembro-me das bochechas coradas do meu pai, ao limpar a neve para desimpedir o acesso a casa. Os meus pais puseram-me os primeiros esquis nos pés antes de eu completar 3 anos.
Não o sabíamos então, mas esse período acabaria por revelar-se uma anomalia histórica. Só na segunda metade do século XX os invernos frios se transformaram numa benesse para os Alpes. Até então, eram um fardo pesado, atribuído nas lendas e no folclore a demónios malévolos. A minha geração foi uma das últimas a escutar relatos orais sobre a luta pela sobrevivência nestes lugares, num tempo em que a vida económica se baseava na agricultura. A neve costumava cobrir os pequenos lotes de solo arável durante meses a fio. As avalanchas despenhavam-se encosta abaixo, sepultando aldeias. Um dos nove irmãos da minha avó, Walter, foi morto por uma delas aos 24 anos.
Quando os alimentos escasseavam, as crianças das zonas mais pobres dos Alpes viam-se forçadas a descer a pé até aos mercados das terras baixas, onde se vendiam em regime de servidão como trabalhadores rurais, normalmente entre Março e Outubro. “Um mercado de escravos quase às claras”, relatava o jornal “Times-Star” de Cincinnati, em 1908, descrevendo um desses mercados em Friedrichshafen, no Sul da Alemanha. O artigo documentava o tráfico de cerca de quatrocentos rapazes e raparigas, alguns com apenas 6 anos de idade, “como se fossem vitelos ou galinhas”. A prática durou até ao século XX.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o crescimento económico explosivo deu origem a uma classe média próspera em toda a Europa, embora isso não sucedesse nas regiões mais altas dos Alpes. As encostas íngremes das montanhas impediam que as explorações agrícolas se expandissem ou pudessem utilizar o equipamento agrícola moderno viabilizador da prosperidade das outras quintas, afirma Johann Wolf, nascido na aldeia isolada de Ischgl, na Áustria, em 1929, durante o Inverno mais frio de que há registo.
O turismo de Inverno, como perceberam Wolf e outros aldeãos, era a única actividade que poderia salvá-los. Em desespero, venderam os animais e contraíram empréstimos dando por garantia as terras para investirem num teleférico. Ischgl arriscou perder tudo, mas a jogada deu frutos. Em 1963, o teleférico começou a transportar turistas montanha acima, permitindo que os habitantes locais saíssem da pobreza. Por todos os Alpes, ocorreu uma transição semelhante.
Hoje em dia, existe um hotel de quatro estrelas na quinta com 400 anos de idade onde Wolf nasceu. Em Ischgl, o hotel apresenta-se rodeado de chalés de luxo com jacuzzi, restaurantes elegantes e uma vida nocturna animadíssima.
Muitos habitantes locais ainda se consideram agricultores de pés bem assentes na terra, com profunda paixão pelo seu vale. Hannes, filho de Wolf, e o seu neto Christoph, de 26 anos, apresentam-me aos seus bovinos (Hermann, Kathi, Gitta e Lilly) que vão ruminando o feno numa das zonas imobiliárias mais caras dos Alpes. A família nunca ponderaria a hipótese de se livrar deles. “É um legado e um dever”, afirma Wolf.
Eric Knight; Matthew Twombly. Fontes: Claudia Notarnicola, Eurac Research; NASA/JPL; NOAA; Centro Nacional de Dados Sobre Neve e Gelo
No entanto, a agricultura alpina já não é suficiente como modo de subsistência. “Sem o Inverno, estes vales estariam abandonados e vazios”, afirma Hannes Wolf. Em 2020, Ischgl conheceu prenúncios de um mundo assim, ao tornar-se um ponto quente precoce da pandemia de COVID-19.
Na sua partida apressada, os turistas contribuíram para a disseminação do vírus na Europa. Porém, as alterações climáticas suscitam uma ameaça mais profunda.
Um ou dois graus de aquecimento talvez não pareçam muito, mas podem determinar se a precipitação acontecerá sob a forma de neve ou de chuva. Se subirmos a temperatura um pouquinho mais, os flocos de neve poderão nem sequer formar-se. É por isso que se vive nos Alpes uma situação profundamente problemática, afirma o cientista Yves Lejeune, responsável pelo observatório meteorológico de Col de Porte, a 1.325 metros de altitude, na região ocidental dos Alpes franceses.
A caminho do trabalho, Yves passa pela aldeola de Le Sappey-en-Chartreuse, onde existe uma igreja e pistas de esqui nas encostas. Ele aprendeu a esquiar aqui aos 5 anos. Mas a aldeia situa-se a baixa altitude, a cerca de 1.000 metros. “Agora, está acabada”, diz, sem rodeios. “Talvez ainda possam ter um ou dois anos bons, mas não mais.” Os dados de Yves Lejeune provam o contrário. Ele aponta para um gráfico que compara a profundidade da neve em Col de Porte no período dos últimos 30 anos com o período anterior. A linha desce a pique, revelando um decréscimo médio da cobertura de neve de 37,7 centímetros. “É muito”, afirma o especialista. “É mesmo muito.”
Entretanto, o aquecimento já atingiu altitudes mais elevadas. “Se nesse tempo alguém me tivesse dito que um dia precisaríamos de máquinas de neve, eu teria acusado o interlocutor de loucura”, diz Peter Leo, responsável pela gestão da neve em Kitzsteinhorn. Agora, “não seríamos capazes de viver sem estas máquinas”.
Nem eles, nem a maioria dos operadores de teleféricos de esqui nos Alpes. Na actualidade, a maior parte da neve nas zonas de esqui é artificial. Só em Kitzsteinhorn, 104 “canhões de neve” cor de relva foram estrategicamente posicionados em torno das encostas.
Quando Leo liga um deles, torna-se difícil ouvi-lo. No anel externo da máquina, pulverizadores infundem o ar com gotículas de água. Uma enorme ventoinha “suficientemente forte para sugar uma pessoa” sopra-as na direcção do céu. Enquanto descem, gotículas de água provenientes dos anéis internos agregam-se em torno dos cristais iniciais, formando flocos de neve.
Quando nos encontramos sobre um glaciar como Kitzsteinhorn, é difícil compreender como foi possível que esta gigantesca massa de gelo tivesse sido formada por minúsculos flocos de neve. O processo desenrolou-se ao longo de muitos séculos, com cada camada fresca de neve a exercer pressão sobre as que jaziam debaixo dela, até a neve se solidificar em gelo e começar a deslizar encosta abaixo devido ao seu próprio peso. Desde finais do século XIX que os glaciares dos Alpes recuam de forma quase contínua.
O glaciologista suíço Felix Keller tem uma ideia para inverter essa tendência. Cresceu numa aldeia próxima de Saint-Moritz, a terra natal do turismo de Inverno nos Alpes. Quando nos encontrámos ali, no ano passado, ele levou-me ao vizinho Hotel Morteratsch, onde me mostrou uma fotografia a preto e branco do último príncipe herdeiro da Alemanha, Guilherme, captada em 1919. Nela, vêem-se, resplandecentes de alegria, o príncipe e os membros do seu séquito de pé, sobre o glaciar Morteratsch, que nessa época se localizava mesmo ao lado do hotel. Uma camada espessa de gelo cobria o vale na sua totalidade.
Felix Keller levou-me ao mesmo local. No século decorrido desde a visita do príncipe, os larícios e os pinheiros assenhorearam-se do local: no final do Verão, os habitantes locais dedicam-se a colher cogumelos e arandos. O glaciar Morteratsch desapareceu de vista, recuando mais de 1,5 quilómetros vale acima.
Em geral, os glaciares alpinos perderam dois terços do seu volume desde 1850 e essa perda está a acelerar. “Se não tomarmos medidas, vão desaparecer”, afirma o glaciologista Matthias Huss, da ETH Zurich. Quando fala em “tomar medidas”, ele quer dizer reduzir drasticamente as emissões de carbono causadoras do aquecimento global.
Felix Keller pensou também numa medida suplementar. Teve essa ideia num dia quente de Verão em 2015, quando pescava num lago alimentado pela água do degelo proveniente do glaciar Morteratsch. Os sedimentos glaciares turvavam a água e as trutas não mordiam. Foi então que o investigador conjecturou uma hipótese: será que conseguiria guardar alguma água do degelo lá em cima, nas montanhas, e transformá-la de novo em gelo? “Achei que, em dez minutos, encontraria uma razão para o processo não funcionar”, conta. “Mas não encontrei.”
O seu amigo e colega glaciologista Hans Oerlemans, que estuda o Morteratsch desde 1994, acrescentou uma alteração decisiva: a água do degelo deveria ser convertida em neve fresca, que reflecte 99% da luz solar e seria capaz de proteger o gelo durante o Verão. Segundo os cálculos de Oerlemans, bastaria cobrir 10% do glaciar, na zona onde se registam as maiores perdas de gelo, para que o glaciar conseguisse começar de novo a crescer passados dez anos. Ele e Keller sentiram-se maravilhados com a simplicidade da ideia.
O glaciologista (e violinista amador) Felix Keller cresceu junto do glaciar Morteratsch e tem um plano para travar o seu desaparecimento. “As pessoas pensam que o plano é insano”, admite. “Talvez tenham razão.”
Algumas estâncias de esqui a grande altitude já estão a isolar extensões dos glaciares, cobrindo-as com tecido. Em algumas delas, como Kitzsteinhorn ou Diavolezza, as máquinas de fabrico de neve originaram um aumento localizado da espessura do gelo. No entanto, não foi possível desenvolver nenhum destes métodos a uma escala superior de maneira a salvar um glaciar inteiro. Para salvar o Morteratsch, segundo a estimativa de Keller e Oerlemans, seria preciso cobrirem cerca de 80 hectares do glaciar com mais de nove metros de neve em cada ano – mais de dois milhões e meio de toneladas. Para produzir um volume tão grande com as máquinas normais de fabrico de neve, gastar-se-ia demasiada energia.
Para o “MortAlive”, como ele e Oerlemans chamam ao seu projecto, Keller pediu ajuda a investigadores de universidades suíças, a uma das mais importantes operadoras de teleféricos e à Bächler Top Track AG, uma empresa de fabrico de neve. Sete cabos de neve semelhantes a mangueiras, cada qual com cerca de um quilómetro de comprimento, seriam suspensos entre duas moreias que ladeiam o glaciar Morteratsch. A água proveniente de um lago composto por água do degelo, localizado a uma altitude mais elevada, desceria encosta abaixo, sendo espalhada por pulverizadores patenteados pela Bächler e caindo sob a forma de neve sobre o Morteratsch. O processo dispensaria o consumo de electricidade.
Num parque de estacionamento junto do glaciar, assisti ao primeiro ensaio de um protótipo.
A equipa suspendera um único cabo com seis pulverizadores entre dois postes. O sistema funcionou. Quando os primeiros flocos de neve lhe caíram sobre a cabeça, Keller tinha lágrimas nos olhos.
Só para se atingir aquela etapa, de ensaio com um protótipo, gastaram-se 3,5 milhões de euros, financiados pelo Estado suíço, um banco e três fundações. A instalação do sistema completo custaria 150 milhões de euros, prevê Keller. Para construí-lo, seria obrigatório obter uma licença para abrir um túnel através de uma área protegida. Demoraria cerca de uma década até que a primeira neve fosse aspergida sobre o Morteratsch. Nesse período, o glaciar teria recuado mais algumas centenas de metros. Mesmo num cenário climático moderadamente optimista, afirma Huss, as suas simulações demonstram que o glaciar Morteratsch praticamente desaparecerá antes do final do século, com ou sem MortAlive.
Keller sabe que o tempo do glaciar está a esgotar-se. “Se, à hora da minha morte, puder dizer aos meus filhos e netos que tentei fazer algo inteligente, isso será melhor do que dizer-lhes que me limitei a falar sobre todos os problemas”, diz.
Na maior parte dos alpes, o gelo e a neve parecem condenados. Isso poderá significar mais problemas a jusante. Todos os rios mais poderosos da Europa (o Ródano, o Reno, o Danúbio e o Pó) obtêm uma parte substancial do seu caudal da água do degelo proveniente dos glaciares, durante os meses secos do Verão. A navegação e o regadio sazonais poderão tornar-se problemáticos. Os Alpes, porém, continuarão a ser as “torres de água” da Europa, pois as nuvens continuarão a rebentar e a descarregar água sobre as suas encostas e os países ricos provavelmente descobrirão formas de salvaguardar o seu abastecimento de água.
A perda do turismo de Inverno poderá revelar-se mais complexa. Várias comunidades investem agora mais no Verão em trilhos de BTT ou caminhada, pistas de tobogã Verão ou paredes de escalada.
Em Kitzsteinhorn, assiste-se a um fluxo de turistas de Verão provenientes de países ressequidos, como a Arábia Saudita. Mas o turismo de Verão sempre existiu nos Alpes e será difícil expandi-lo a uma escala que baste para compensar as perdas do esqui.
A aldeia francesa de Abondance, a 900 metros de altitude, encontra-se a meio de uma dessas difíceis transições. Quando os seus teleféricos encerraram em 2007, foi repetidamente descrita em sucessivas reportagens como a primeira aldeia de esqui vitimada pelas alterações climáticas. No entanto, os seus 1.400 moradores não se mostraram dispostos a dizer adeus ao esqui. Em 2008, elegeram um novo presidente da câmara, Paul Girard-Despraulex, que cumpriu a sua única promessa de campanha eleitoral e reabriu os teleféricos.
Noutros pontos dos Alpes, os planos para expandir o turismo de Inverno encontraram resistências. Na Áustria, 160 mil pessoas subscreveram uma petição no sentido de travar os planos de ligação entre as zonas de esqui de Ötztal e Pitztal, fazendo explodir uma parte de uma montanha. Em Morzine (França), perto de Abondance, o projecto de um novo teleférico foi suspenso devido a protestos dos habitantes. Uma análise independente demonstrara que o projecto poderia não compensar em condições climáticas de cada vez menos neve.
O geógrafo Damien Filip rema no Totensee, um pequeno lago suíço utilizado para produzir energia hidroeléctrica, quando o gelo se desfaz em finais de Junho. Nas próximas décadas, a perda de neve e de gelo nos Alpes poderá reduzir o caudal de Verão em rios importantes como o Ródano e o Reno.
Em Abondance, Girard-Despraulex tem sido o paladino da diversificação. Além da sua zona de esqui incrivelmente bonita, Abondance orgulha-se agora de proporcionar patinagem no gelo num lago natural e passeios de trenó no Inverno, bem como passeios de BTT e caminhadas durante o Verão. Há um museu dedicado ao queijo de Abondance – a produção de leite continua a ser importante na região em redor da aldeia.
“Ainda não descobrimos exactamente qual o método certo, nem as ideias certas, mas temos pensado, ensaiado e experimentado”, diz. No adro da abadia, o autarca aponta para um mural onde estão representadas as Bodas de Caná, com a alusão de que Jesus transformou a água em vinho. O restauro anunciado, afirma o presidente da câmara, devolverá o brilho às cores agora esbatidas.
Nenhum milagre salvará o Inverno nos Alpes. O fabrico de neve, a acumulação ou a aspersão sobre os glaciares permitirão, na melhor das hipóteses, ganhar tempo em alguns lugares.
A beleza dos Alpes, a inveja dos forasteiros muito antes de as pessoas do local terem construído as suas vidas em torno dos invernos nevosos, permanecerá, mas o desaparecimento da neve e do gelo representa uma perda emocional, de cultura e identidade, bem como uma perda económica. Quando o glaciar Pizol, na Suíça, encolheu e ficou reduzido a uma camada de gelo tão fina que foi retirado do serviço de vigilância dos glaciares, os habitantes choraram a sua morte, homenageando-o com um serviço fúnebre.
Quando eu era criança, o esqui era um passatempo praticado pela enorme maioria dos habitantes dos Alpes, independentemente da sua posição social ou rendimento económico. Tal como eu, o meu amigo de infância Dominik e a sua companheira, Julia, foram empurrados para as encostas ainda muito jovens. Volvidas menos de três décadas, o seu filho Johann, que acabou de fazer 4 anos, mostra-se fascinado pela neve. Mas quase só a conhece a partir de canções e livros.
Num domingo soalheiro de Fevereiro passado, subimos de carro pela montanha Unterberg, perto de Viena, na região mais oriental dos Alpes, em busca de neve a sério. Pouco abaixo do pico de 1.342 metros, descobrimos um invernozinho. “Ela brilha!” gritou Johann, atirando-se para cima da neve e lambendo-a alegremente das suas luvas. Quer construir um boneco de neve, mas a neve tem menos de três centímetros de espessura.
A sua mãe, Julia, de 33 anos, aprendeu a esquiar aqui. “Nunca nos questionámos se algum dia Unterberg teria neve suficiente para abrir”, diz, enquanto caminhamos lentamente junto das cadeiras paradas do teleférico de superfície. Quando esses teleféricos estavam prestes a ser encerrados para sempre em 2014, os habitantes locais angariaram quase 74 mil euros para mantê-los em funcionamento. A esta altitude, porém, a temperatura é demasiado alta para se investir em produção de neve. Por isso, Unterberg depende exclusivamente da neve natural, promovendo-se como zona de esqui onde “a neve ainda cai do céu”. No Inverno passado, isso viabilizou dez dias de esqui. No Inverno antes desse, nem um.
A National Geographic Society, empenhada em mostrar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financia o trabalho realizado pelo explorador Ciril Jazbec no campo das alterações climáticas desde 2019. Ilustração de Joe Mckendry